Por que a Bandeira de Santo Antônio de Jesus é Preta
*Raymundo Evangelhista______________
Hoje estão comemorando, cinicamente, a mercê do descaso , desrespeito, violência e exploração do nosso povo, o aniversário de emancipação política da cidade das Palmeiras Colonial, terra dos Tupinambás e Negros remanescentes, - Santo Antônio de Jesus. A história do meu povo não se baseia em seus causos; mas sim, nos seus descasos. No ostracismo político protagonizado por Agentes Públicos ao longo do tempo, aqui em minha querida e amada terra natal, - Santo Antônio de Jesus.No século XVIII, adentrando o século XIX, mais precisamente nos idos de 1880, em 29 de maio, hastearam a 'bandeira preta' de uma liberdade que ainda está por vir. Abolicionistas existiram por aqui; assim também como os mantenedores da miséria e infâmia do nosso povo. Naquela época o Pe Mateus Vieira de Azevedo, o maior escravocrata destas plagas, condicionou os nossos irmãos negros a obedecerem as ordens da Igreja de Roma, sendo um dos seus soldados na escravatura. Assim cantara em versos o nosso maior poeta, Silvestre Evangelista dos Santos, em seu poema e livro ititulados, Roma Condenada A Morte. De tal forma o Pe Mateus Vieira de Azevedo escravizou o nossos antepassados que trabalhavam arduamente nestas terras em nome da Instutuição Igreja Católica. A agricultura era o fervor da economia de então. Os negros, em troca de jabá com farinha e água, aravam a terra, cultivavam o plantio de cana de açúcar, fumo, café, laranja, mandioca e tudo mais. Além de carregar nas costas fardos de fumo, sacos de farinha, café e toda a produção agrícola. Ainda não existia o trem de ferro que ligava Santo Antônio de Jesus a Nazaré/São Roque. Em 30 de julho de 1881 o trem desliza nos trilhos rumo a Nazaré. Amenizando o sofrimento dos negros, burros, cavalos e bois de canga. E às margens do rio Sururu, balançava-se em uma rede aos peidos e roncos o Maior Escravocrata Institucional aqui em Santo Antônio de Jesus. O Pe. Mateus Vieira de Azevedo, que habitava e comandava os escravos, nossos irmãos. Não é preciso ler o grande livro do eminente sociólogo Roberto Freire, Casa Grande & Senzala, para entender as mazelas sociais em Santo Antônio de Jesus. Tampouco nos delirar na afirmação do historiador Paul Veyne ao afirmar que a história é a história das práticas e das crenças. Vale lembrar que práticas e crenças primárias criam o processo de abortamento de ideias e cerceiam a liberdade de construção de vida de um povo através de si mesmo.
"Preto é a sombra da negação. A bandeira preta é a negação de todas as bandeiras. É a negação da nação, que bota a raça humana contra ela mesma e recusa a união de toda a humanidade. Preto é o humor da raiva e ódio a todos os crimes contra a humanidade feitos no nome de um estado ou outro. É a raiva e ódio ao insulto à inteligência humana feitos em pretensas, hipócritas e baratas caridades dos governos. Preto é também a cor da tristeza; a bandeira preta que cancela a nação também chora pelas vítimas incontáveis assassinadas em guerras, externas e internas, para a glória eterna e estabilidade de algum estado sangüinário. Ela chora por aqueles cujo trabalho é roubado (taxado) para pagar a carnificina e opressão de outros seres humanos. Não lamenta só a morte dos corpos mas o aleijamento do espírito abaixo de autoritários e hierarquizados sistemas, lamenta os milhões de células cerebrais desativadas sem chance de acordar para o mundo. É uma cor de tristeza inconsolável. Mas preto também é lindo. É uma cor de determinação, de resolução, de força, a cor pela qual todos são esclarecidos e definidos. Preto é o cerco misterioso de germinação, fertilidade, a terra de crescimento para o que evolui, renova, refresca e reproduz na escuridão. A semente escondida na terra, a estranha jornada do esperma, o secreto crescimento do óvulo no útero, toda essa escuridão cerca e protege. Então preto é negação, é raiva, é ódio, é lamentação, é beleza, é esperança, é o nascimento de novas formas de vida e o relacionamento com a Mãe Terra. A Bandeira Negra significa tudo isso, estamos orgulhosos de carregá-la e olhar para o dia em que esse símbolo não vai mais ser necessário.
________________________________ escrito por Howard Ehrlich, do livro “Reinventing Anarchy”.
Desta forma, a bandeira de Santo Antônio de Jesus é preta pelo fato de que o preto é luz que brota na escuridão. A vida não é justa dividindo os seres humanos em sociedade de classes. E toda a forma de viver exige respeito e dignidade humana. A bandeira de Santo Antônio de Jesus é preta porque o preto é o feto em plena escuridão. A razão e o desequilíbrio se opõem. É a partir do feto que veremos a luz em sua plenitude. E na imensidão do infinito nos faz brotar em nossas consciências a negação, raiva, ódio, lamentação, beleza, esperança, e nascimento de novas formas de relacionamento sem desequilíbrio social e desencanto para com a vida. E fora do útero Materno da Nossa Querida e amada Mãe, - Santo Antônio de Jesus, sofremos ataques constantes por parte do banditismo que aqui se instalou para que vivamos a mercê da sua subjugação e negativismo. A nossa bandeira é preta porque não aceitamos ordens estatais como desmando e controle de um povo que nasce para perseguir a liberdade.
*Raimundo José Evangelista da Silva nasceu em Santo Antônio de Jeus. É poeta, professor e bel. em direito. Graduou-se em Letras e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Católica do Salvador em 1989, logo especializando-se em Linguística Textual pela UFBA e Instituto Anísio Teixeira em 1993. Bacharel em Direito pela FABAC - Faculdade Baiana de Ciências - Lauro de Freitas/BA em 2011. Especializou-se em Advocacia Criminal pela Faculdade Verbo Jurídico/RS em 2018. Tem 5 livros de poesias publicados; crônicas e poesias publicadas em Blogger Raymundo Evangelhista, Recanto das Letras, Pensador, Jornal A Tarde, Jornal da Bahia, Tribuna da Bahia, Facebook, Instagram e Twitter.
Santo Antônio de Jesus, 29 de maio de 2021, às 1h.
“É necessário um internacionalismorobusto para dar uma atenção adequada e imediata aos perigos de extinção: extinção por guerra nuclear, por catástrofeclimática e por colapso social. As tarefas pela frente são colossais e não podem ser adiadas”, escrevem NoamChomsky, linguista e filósofo estudunidense, e Vijay Prashad, jornalista e historiador indiano, em artigo publicado por Ctxt, 19-01-2021. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Grandes partes do mundo – fora a China e alguns outros países – enfrentam um vírusdescontrolado, que não foi detido devido à incompetência criminosa dos governos. O fato desses governos em países ricos desconsiderarem hipocritamente os protocolos científicos básicos publicados pela OrganizaçãoMundialdaSaúde e por organizações científicas revela sua prática maliciosa.
Para o bem da humanidade, seria sensato suspender as normas de propriedade intelectual e desenvolver um procedimento para criar vacinas universais para todos os povos – Noam Chomsky e Vijay Prashad
Qualquer coisa que não seja centrar a atenção no gerenciamento do vírus por meio de testes, rastreabilidade de contato e isolamento – e se isso não for suficiente, impor um bloqueio temporário – é imprudente. É igualmente preocupante que esses países ricos tenham adotado uma política de “nacionalismoda vacina“, monopolizando candidatas à vacina em vez de se alinharem a uma política de criação de uma “vacinadospovos“. Para o bem da humanidade, seria sensato suspender as normas de propriedade intelectual e desenvolver um procedimento para criar vacinas universais para todos os povos.
Embora a pandemia seja o principal tema em nossas mentes, existem outras grandes ameaças à longevidade de nossa espécie e do planeta. Essas incluem:
Aniquilação nuclear
Em janeiro de 2020, o Bulletin of the Atomic Scientists (Boletim dos Cientistas Atômicos) fixou o RelógiodoJuízoFinal de 2020 em 100 segundos para a meia-noite, perto demais para a comodidade. O relógio, criado dois anos após o desenvolvimento das primeiras armas atômicas em 1945, é avaliado anualmente pelo Conselho de Ciência e Segurança do Boletim, em consulta ao seu Conselho de Patrocinadores, que decide se move o ponteiro dos minutos ou deixa no mesmo lugar.
Os já limitados tratados de controle de armas estão sendo destruídos, enquanto as principais potências possuem cerca de 13.500 armas nucleares – Noam Chomsky e Vijay Prashad
Quando voltarem a fixar a hora, provavelmente estaremos mais perto da aniquilação. Os já limitados tratados de controle de armas estão sendo destruídos, enquanto as principais potências possuem cerca de 13.500 armas nucleares (mais de 90% delas estão apenas nas mãos da Rússia e dos Estados Unidos). O desempenho dessas armas poderia facilmente tornar este planeta ainda mais inabitável. A Marinha dos Estados Unidos já utilizou ogivas nucleares táticas W76-2 de baixo desempenho. O Diade Hiroshima, comemorado todo dia 6 de agosto, deve se tornar um dia mais importante de reflexão e protesto.
Catástrofe climática
Em 2018, surgiu um artigo científico com um título impactante: “A maioria dos atóis estará inabitável em meados do século XXI, pois o aumento do nível do mar aumentará as inundações causadas pelas tempestades“. Os autores concluíram que os atóis das Seychelles às ilhas Marshall correm o risco de desaparecer.
Um relatório da ONU de 2019 estimou que um milhão de espécies de animais e plantas estão em perigo de extinção. A isso se somam os catastróficosincêndiosflorestais e o grave branqueamento dos recifes de coral e fica claro que não precisamos mais ficar nos clichês de que uma coisa ou outra é o canário na mina da catástrofeclimática: o perigo não está no futuro, mas no presente.
É fundamental que as grandes potências – que continuam falhando em deixar de usar combustíveis fósseis – se comprometam com o enfoque de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. É significativo que países como a Jamaica e a Mongólia tenham atualizado seus planosclimáticos perante as Nações Unidas antes do final de 2020, conforme exigido pelo Acordode Paris, apesar desses países produzirem uma fração minúscula das emissões globais de carbono.
Os fundos que foram prometidos aos países em desenvolvimento para a sua participação no processo praticamente evaporaram, enquanto a dívida externa aumentou exponencialmente. Isso mostra uma falta básica de seriedade por parte da “comunidadeinternacional”.
Os países não devem ser julgados pelas palavras escritas em suas constituições, mas por seus orçamentos anuais – Noam Chomsky e Vijay Prashad
Destruição neoliberal do contrato social
Os países da América do Norte e da Europa destruíram sua função pública na medida em que o Estado foi sendo entregue aos especuladores e a sociedade civil foi mercantilizada por meio de fundações privadas. Isso significa que os caminhos de transformaçãosocial nessas partes do mundo têm sido grotescamente obstaculizados. A terrível desigualdade social é o resultado da relativa fragilidade política da classetrabalhadora. É essa fragilidade que permite aos bilionários definir políticas que aumentam as taxas de fome.
Os países não devem ser julgados pelas palavras escritas em suas constituições, mas por seus orçamentos anuais. Os Estados Unidos, por exemplo, gastam quase um trilhão de dólares (caso o orçamento estimado para inteligência seja somado) em sua máquina de guerra, enquanto gastam apenas uma fração em bens e serviços públicos (como saúde, algo evidente durante a pandemia). A políticaexterna dos países ocidentais parece ser bem lubrificada por negócios de armas: os Emirados Árabes e Marrocos concordaram em reconhecer Israel com a condição de que possam comprar 23 bilhões de dólares e 1 bilhão em armas feitas nos Estados Unidos, respectivamente. Os direitos do povo palestino, saharauis e iemenitas não importaram para estes acordos.
O uso de sanções ilegais pelos Estados Unidos contra trinta países, entre eles Cuba, Irã e Venezuela, tornou-se parte da vida normal, mesmo durante esta crise de saúde pública global desencadeada pela pandemia. É um fracasso do sistema político que as populações do bloco capitalista sejam incapazes de obrigar seus governos – que em muitos casos são democracias apenas no papel – a adotarem uma perspectiva global diante dessa emergência.
O aumento das taxas de fome revela que a luta pela sobrevivência é o horizonte para bilhões de pessoas no planeta – Noam Chomsky e Vijay Prashad
O aumento das taxas defome revela que a luta pela sobrevivência é o horizonte para bilhões de pessoas no planeta (tudo isso enquanto a China consegue erradicar a pobreza absoluta e eliminar, em grande parte, a fome).
A aniquilaçãonuclear e a extinção devido à catástrofe climática são ameaças gêmeas para o planeta. Enquanto isso, para as vítimas do ataque neoliberal, que foi uma praga para a última geração, os problemas de curto prazo para sustentar sua própria existência deslocam questões fundamentais sobre o destino de nossos filhos e netos.
Os problemas globais nesta escala requerem a cooperação global. Pressionadas por países do Terceiro Mundo, nos anos 1960, as grandes potências aceitaram o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (1968), embora tenham rejeitado a profundamente importante Declaração sobre o Estabelecimento de umaNova Ordem Econômica Internacional (1974). Já não existe a correlação de forças para promover esse tipo de agenda de classe no cenário internacional.
Certas dinâmicas políticas nos países ocidentais, em particular, mas também em grandes estados do mundo em desenvolvimento (como Brasil, Índia, Indonésia e África do Sul), são necessárias para mudar o caráter de seus governos. É necessário um internacionalismorobusto para dar uma atenção adequada e imediata aos perigos de extinção: extinção por guerranuclear, por catástrofeclimática e por colapsosocial. As tarefas pela frente são colossais e não podem ser adiadas.
(EcoDebate, 21/01/2021) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
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"O homem foi feito para a guerra; e a mulher para descansar o guerreiro." (Friedrich Nietzsche)
O que a história e dez mil anos de experiências nos levam a concluir sobre a guerra e seu papel no progresso da civilização
Por Sérgio Cavalcanti
Publicado em: 09/11/2020 às 10h09
Soldados americanos em Guerra da Coreia, no ano de 1951: um dos embates gerados pela Guerra Fria (Keystone/Getty Images)
Há livros bastante provocativos que nos fazem ir contra o senso comum e revelam verdades inconvenientes. Um deles é “War! What's it good for?: Conflitos e o progresso da civilização de primatas a robôs”, do professor de Stanford Ian Morris.
A leitura é leve e estimulante, um passeio por séculos de conflitos, dos romanos contra os bárbaros às guerras medievais, das grandes guerras do século XX à Guerra Fria e, por fim, o Império Americano.
Os argumentos centrais são simples e convincentes quanto ao papel da guerra para o desenvolvimento da civilização. Vejamos:
1. As guerras criam sociedades maiores e mais organizadas.
É impossível para uma sociedade lutar (e obter vitórias) sem um mínimo de organização. Quanto maior o esforço bélico, maior a necessidade de alocar devidamente recursos - humanos e materiais - de maneira a atingir o objetivo militar, seja de conquista, seja de defesa do território.
A complexidade necessária demanda a criação de um Governo mais forte e atuante.
O legado do conflito é uma sociedade mais complexa, mais organizada, e com um know-how de como se tornar ainda mais complexa.
2. As guerras criam sociedades maiores e mais seguras.
Embora a guerra seja a pior maneira de criar sociedades maiores e mais pacíficas, é praticamente a única forma que os humanos encontraram para isso.
Parece contra intuitivo, mas conquistadores precisam garantir que os povos dominados não disponham de armas, nem de meios para exercer a violência, sob pena de comprometer a conquista. Esse controle e o respectivo monopólio da força bruta pelo Estado têm como resultado uma sociedade mais pacífica e segura para todos.
É cada vez menor o número de mortes mundiais anuais causadas por conflitos armados. Apenas uma referência: esse número caiu de 546.000, em 1950, para 87.432, em 2016. Além do mais, era maior a probabilidade de um europeu morrer em uma guerra no século XIX do que é hoje em dia.
3. Sociedades mais complexas criadas por guerras trazem riqueza.
A longo prazo, ao formar sociedades mais pacíficas e seguras, as guerras criam as bases para o desenvolvimento e, em última análise, promovem mais riquezas.
A administração do Império Romano demandou a criação de uma infraestrutura de governo e logística – estradas e linhas marítimas - que favoreceu o comércio e a economia inter e intraprovincial, gerando riqueza para empreendedores de todas as partes do império.
Vale também notar a ascensão dos Estados Unidos como superpotência após a Segunda Guerra Mundial, que terminou em 1945.
4. As Guerras são tão eficientes que tendem a serem continuamente reduzidas.
Milhares de anos de conflitos geraram sociedades cada vez mais complexas, governos cada vez mais fortes e riquezas para a maior parte da população mundial. O progresso tecnológico trouxe a possibilidade de armas de destruição em massa, capazes de acabar com a vida no planeta. Isso torna improváveis os confrontos em larga escala, mantem a paz e limita a guerra a pequenos conflitos regionais, com números anuais decrescentes.
Moral da história: devemos chegar muito próximo do mundo imaginado pelos pacifistas, mas por motivos diferentes, muito diferentes.
Nestes dias de dor e saudades sabemos "por quem os sinos dobram". Aqui em Santo Antônio de Jesus, na 'Capela dos Tupinambás' os sinos não mais dobram. Sinceramente eu não sei de quem foi a asnice ou torpor de ter praticado o ato infeliz e estúpido de se nos afastar as doces lembranças e amargas talvez. Lembro-me de que um dia eu cheguei até a torre da Igreja Matriz para ver e ouvir as seis badaladas dos sinos, hoje, emudecidos. E lá cheguei conduzido pelo sineiro juvenil, hoje certamente idoso. Foi com o nobre amigo Hilário, filho do Hermano, carinhosamente conhecido por 'LIO'. Tive a maior honra e felicidade de assistir a uma cena inesquecível. Mudando um pouco o foco desta narrativa, leitor amigo, eu era criança; o fatídico ano não se me recordo. Lembro-me bem daquele trágico acidente ocorrido naquela ladeira íngreme e tortuosa que liga a cidade de Cachoeira a Muritiba. Ali houve um acidente, dentre outros, inesquecível, que vitimou fatalmente a Sóror Madre Maria Goretti Nery, a nossa tão querida e amada educadora. O seu corpo chegara em nossa cidade era noite. A luz da usina ainda estava apagada. Na Igreja Matriz o corpo da Madre Goretti fora velado. Como eram velados, de costume, todos que partiam com destino à Pátria Espiritual. Jamais esquecerei. E quando do cortejo fúnebre o sino gemera em prantos. Estudei no Colégio Santo Antônio e a Sóror Madre Maria Goretti Nery foi a minha Diretora Escolar e Educadora. Uma persona grata que Santo Antônio de Jesus jamais verá tão semelhante. Continuando, na verdade, por que os sinos não dobram em Santo Antônio de Jesus. Certamente porque encomodava a burguesia insensível, vizinha à capela dos Tupinambás. O baixo clero, na figura onipotente do seu ditador, em nossa tão querida e amada terra natal, naturalmente, dispensara o sino ao ferro velho. Por quem os sinos dobram:
"Quando eu morrer não chores mais por mim
Do que hás de ouvir triste sino a dobrar
Dizendo ao mundo que eu fugi enfim
Do mundo vil pra com os vermes morar.
E nem relembres, se estes versos leres,
A mão que os escreveu, pois te amo tanto
Que prefiro ver de mim te esqueceres
Do que o lembrar-me te levar ao pranto.
Se leres estas linhas, eu proclamo,
Quando eu, talvez, ao pó tenha voltado,
Nem tentes relembrar como me chamo:
Que fique o amor, como a vida, acabado.
Para que o sábio, olhando a tua dor,
Do amor não ria, depois que eu me for."
William Shakespeare“A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. É com essa citação, tirada de um poema de John Donne, poeta inglês do século 17, que Ernest Hemingway marcou o começo de uma de suas obras mais importantes.Aqui, em Santo Antônio de Jesus, os sinos não mais dobram; entretanto ouvimos os sinos a dobrar a cada irmão nosso que se vai à senda do infinito, vítimas de uma Política Municipal de Sáude perversa e desumana ditada por políticos genocidas e covardes. *Raimundo Evangelhista - Raimundo José Evangelista da Silva é filho da cidade de Santo Antônio de Jesus na Bahia. Santo Antônio de Jesus, 21 de maio de 2021, às 16h22min.
Autor do recém-lançado livro Escravos da Religião (Ed. Appris), pesquisador na Universidade Federal Fluminense (UFF) e idealizador do podcast Atlântico Negro, o historiador Vitor Hugo Monteiro Franco revira arquivos da Ordem de São Bento desde 2014.
O material foi tema de sua iniciação científica, de sua monografia de conclusão de curso, de seu mestrado e, agora, está sendo esmiuçado em seu doutorado.
"Uma das principais descobertas foi o próprio termo 'escravos da religião'", conta ele.
"Não foi um termo que eu criei. É o termo na época que encontrei em livro de batismos. Foi um choque para mim."
Na ocasião, ele estava analisando os registros dos nascidos no século 19 em propriedade rural mantida pelos beneditinos na Baixada Fluminense, a Fazenda São Bento de Iguassú.
"Na hora de qualificar os pais, o monge não os qualificava como 'escravos da Ordem de São Bento', mas sim como 'escravos da religião'."
Para o pesquisador, residia aí uma diferença fundamental entre o modo de vida dos escravos mantidos por instituições religiosas: o fato de o senhor não ser uma pessoa, mas sim uma entidade.
"Parece simples, mas não é. A situação geral da escravidão no Brasil é de escravos privados, de senhores leigos. No caso dos 'da religião', eles não pertenciam a um monge específico, eram de propriedade coletiva. E isso teve repercussões na vida dessas pessoas para sempre, porque influenciava na forma, no dia a dia deles", diz o historiador.
Franco ressalta que o cotidiano desses negros escravizados estava "regulado" pelos hábitos religiosos do catolicismo e da vida monástica.
"Por mais que a sede dos religiosos estivesse no centro do Rio e a fazenda na Baixada Fluminense, sempre havia um monge cuidando de lá. Era o chamado padre fazendeiro", contextualiza.
"Ele fazia o trabalho espiritual: batizava as pessoas, casava-as, sepultava-as. Os beneditinos eram um tipo de senhor que conhece muito bem sua escravaria, anotando tudo em muitos detalhes."
"Os monges conheciam cada momento, cada fase da vida dos seus escravizados. Por mais que as propriedades fossem enormes, eles tinham o controle administrativo sobre aquelas pessoas, ao contrário dos senhores leigos, que muitas vezes tinham um contato muito pequeno com os escravizados", compara.
"Isso dava (aos religiosos) um poder muito grande. Ser 'escravo da religião' significava ter sua vida controlada por uma instituição religiosa", acrescentou Monteiro Franco.
E não era um rebanho pequeno para ser controlado. De acordo com as pesquisas de Franco, quando os religiosos emanciparam seus escravos, em 1871, somente os beneditinos tinham um total de 4 mil escravizados.
"Eram três as principais ordens religiosas escravistas do Brasil: os jesuítas, os beneditinos e os carmelitas. Em menor escala, os franciscanos também", elenca.
A primazia da Companhia de Jesus foi até o século 18. Em 1759, contudo, os jesuítas foram expulsos do Brasil.
E aí os beneditinos assumiram essa posição. Durante o século 19, período analisado pela pesquisa de Franco, a Fazenda de Iguassú costumava ter um número constante de cerca de 130 escravos.
"Destoava muito das outras fazendas da região, em que havia em média 10 escravos por senhor", afirma o pesquisador.
Mas essa propriedade não era a maior das beneditinas. Em Jacarepaguá, a fazenda dos religiosos tinha mais de 300 escravos. Em Campos dos Goitacazes, 700.
"E essas são só as três maiores propriedades dos monges de São Bento", diz Franco. "É muita gente. Era a principal ordem escravista do Brasil. Eu nem considero a Ordem de São Bento uma grande proprietária [de escravos]. Era uma megaproprietária, estava acima dos grandes proprietários, era a elite da elite."
Incentivo à gravidez
Uma maneira de garantir a abundância de mão de obra escrava era o incentivo que os monges davam para que as escravizadas tivessem muitos filhos.
"As mulheres que procriavam pelo menos seis filhos conseguiam privilégios, tais como não realizarem trabalhos 'penosos'", conta o historiador Robson Pedrosa Costa, autor do livro Os Escravos do Santo (Editora UFPE) e professor no Instituto Federal de Pernambuco e na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A partir de 1866, os benefícios às mães de pelo menos seis filhos passaram a ser a liberdade gratuita — desde que elas "estivessem devidamente casadas", pontua o historiador.
Para os monges senhores de escravos, religião era uma coisa, negócios eram outra. Pelo menos é o que fica claro em outro achado do historiador Monteiro Franco: nos registros de batismo, a maior parte das crianças era registrada como sendo filho de mãe solteira.
Havia uma razão econômica para isso. "Até pouco tempo atrás se acreditava que as ordens religiosas de maneira geral incentivavam o casamento por causa do valor cristão do matrimônio e também para um fator de incentivo da reprodução da comunidade escrava, do ponto de vista senhorial", pontua o pesquisador. "Mas o que encontrei foi a maior parte das mulheres como mães solteiras."
Segundo ele, isso não significa que essas mulheres não tivessem relacionamento estável ou que vivessem na promiscuidade.
A questão chave estava na propriedade da criança que nasceria dessa gravidez. Em caso de mãe e pai sacramentalmente unidos, poderia haver alguma discussão se o filho pertenceria ao senhor da mãe ou do pai.
Então, os beneditinos preferiam não oficializar relações estáveis quando as mulheres de sua fazenda tinham homens de fazendas vizinhas.
Quando ambos eram da mesma propriedade, aí sim, o sacramento do matrimônio era concedido.
Tais condutas fizeram com que os beneditinos conseguissem manter um grande número de escravos no século 19, mesmo com a dificuldade, para os latifundiários escravocratas, decorrentes da Lei Eusébio de Queirós — que, a partir de 1850, proibiu o tráfico negreiro.
"Estas instituições [religiosas] construíram, ao longo dos séculos, grandes corporações, muito semelhantes a grandes empresas pautadas em um complexo sistema organizacional", afirma Costa.
"No caso dos beneditinos, foi possível entender que a instituição foi capaz de construir um sistema de gestão eficiente e duradouro, que garantiu o fornecimento de escravos para as suas propriedades sem recorrerem ao tráfico."
"Claro que eles compraram escravos no século 19, mas foram poucos", completa o professor.
A estratégia consistia em incentivar a procriação e a tentativa de manutenção das famílias. "Eles evitavam ao máximo vender seus escravizados, principalmente a separação de famílias, uma instituição sagrada para os monges. Apenas os cativos considerados 'incorrigíveis' deveriam ser vendidos. Mas eles foram poucos. As famílias escravizadas eram extensas e duradouras. Isso garantia a perpetuação do quantitativo de escravos", explica Costa.
Alforrias
Prática relativamente comum entre escravizados no Brasil, a compra da liberdade era mais difícil para um "escravo da religião". Enquanto no caso daquele que servia a um senhor leigo bastava convencê-lo — com acordos e, muitas vezes, um valor em dinheiro — no caso dos monges era preciso passar por um processo formal.
Aquele que pleiteava a alforria precisava fazer uma petição aos religiosos. Não havia negociação direta. "Estamos falando de uma propriedade institucional", lembra o historiador Franco. "Não era simples. Os monges liam a petição e colocavam para votação, usando favas pretas para marcar as negativas e favas brancas para sinalizar positivo."
A partir da década de 1850, a Ordem de São Bento criou uma tabela de preços para casos de alforria. Pelo documento, o preço dos escravizados variava conforme saúde, idade e sexo.
"O valor ia aumentando de acordo com a idade até a fase mais produtiva. A partir da adolescência, eles passam a entender que um homem pleno de saúde vale mais do que uma mulher", explica Franco.
"Esse documento mostra com todas as letras qual a posição de um senhor de escravos: transformar as pessoas em commodities", define ele.
Violência e trabalho
Embora haja uma corrente que acredite que a escravidão impetrada por religiosos fosse mais branda do que a conduzida por senhores leigos, pelos valores cristãos supostamente respeitados, Franco não compactua com essa ideia. Primeiramente porque é enfático ao dizer que a privação da liberdade a que um escravo está sujeito já é, por si só, uma grande violência.
Além disso, ele encontrou registros que atestam atos de crueldade. "Tem um caso, em um fazenda de Cabo Frio, também dos beneditinos, em que dois monges foram presos depois de matarem, de tanto espancar, um escravizado. Isso no século 18", conta ele. "Olha o nível da violência."
Ele também se deparou com relatos de fugas em que o escravo, uma vez capturado, era submetido a um "castigo exemplar". O mesmo acontecia para quem não demonstrasse seguir a fé católica.
"Há um registro de uma visitação realizada por um monge (encarregado de vistoriar os trabalhos do padre fazendeiro), que dizia que era bom que o mesmo não descuidasse do espiritual dos escravos, para ver se eles estavam seguindo os preceitos do cristianismo", aponta Franco.
"E, verificando que não estivessem seguindo, que fossem punidos exemplarmente. Se não se redimissem, que fossem vendidos."
Mas em que trabalhavam os "escravos da religião"?
Boa parte deles fazia um trabalho semelhante a qualquer outro escravo de propriedades rurais. As instituições religiosas tinham muitas terras e nelas cultivavam cana de açúcar e outros insumos valiosos para a economia da época. Quem fazia esse trabalho era a mão de obra escrava.
No caso dos religiosos, contudo, havia também muitos escravos com trabalhos especializados. Carpinteiros, ferreiros, oleiros, sapateiros, boticários, enfermeiros. "Além daqueles que serviam os monges no claustro: botavam a comida na mesa, tocavam o sino da capela, seguravam o livro na hora da missa, e por aí vai", diz o historiador Franco.
Nesse sentido, a Ordem de São Bento investiu em capacitação. Como eles tinham grandes propriedades com necessidades específicas, passaram a treinar os escravos que pareciam mais aptos a trabalhos específicos. "Para eles, era melhor fazer isso do que pagar um sujeito livre para desempenhar esses papéis", afirma.
Esses que tinham ofícios especializados não eram inimputáveis a sofrerem castigos. "Encontrei um registro de um monge que se dedicava a ensinar ferraria a escravos. E ele era tão violento que acabou sendo deslocado de posição", exemplifica Franco.
Desempenhar essas funções especiais, por outro lado, conferia prestígio dentro da comunidade escrava. E muitos desses profissionais acabavam conseguindo fazer trabalhos "por fora" e, assim, juntar dinheiro para, no futuro, comprar a alforria.
Abolição prematura
As ordens religiosas libertaram seus escravos ao longo de 1871, ou seja, 17 anos antes da Lei Áurea. A primeira instituição a fazer isso foi a Ordem de São Bento. Aos poucos, os beneditinos foram seguidos pelos demais religiosos.
Segundo os pesquisadores, esse movimento era resultado de um embate da Igreja Católica com o Estado.
"Havia uma relação de tensão entre Estado e as ordens religiosas", pontua Franco. "Estava ocorrendo um embate político em que cada vez mais a classe política e outros setores da elite brasileira acreditavam que os religiosos tinham propriedades demais, escravizados demais e eram improdutivos. Por outro lado, o Estado via a chance de se apropriar das propriedades dos religiosos."
Ao libertar os escravos na mesma época da promulgação da Lei do Ventre Livre, as instituições católicas geraram uma comoção nacional.
"A abolição não significa simplesmente a questão humanitária por trás da liberdade do indivíduo, mas também uma questão de ordem econômica sobre aqueles que você teria de estar empregando", afirma o historiador Philippe Arthur dos Reis, pesquisador na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
"O custo de manutenção desses indivíduos, em geral era muito mais dispendioso ter os escravos do que importar pessoas de fora e pagar salário", acrescenta.
O historiador Costa lembra que desde a Independência, em 1822, "várias vozes começaram a sugerir que as ordens religiosas eram instituições inúteis e péssimas administradoras de seus bens".
"Quando os debates sobre a abolição se acirraram a partir de 1865, novamente as ordens, consideradas grandes escravistas, foram colocadas na berlinda. Uma lei de 1869 instituiu que as instituições religiosas deveriam libertar todos os seus escravos em um prazo de 10 anos. Até lá, poderiam libertá-los ou criar contratos de prestação de serviço por tempo determinado", detalha o historiador.
"Prevendo uma maior intervenção do Estado e do Parlamento, a Ordem de São Bento do Brasil já havia se antecipado, decretando a liberdade de todo as crianças nascidas a partir do dia 3 de maio de 1866", diz ele.
Essa medida teve impacto nas autoridades. O imperador Dom Pedro Segundo (1825-1891) presenteou o então abade geral com uma caixa de ouro cravejada de diamantes. Já o deputado Tavares Bastos (1839-1875), voz abolicionista, declarou que o gesto era "um ato generoso e solene" — e que deveria ser seguido pelas demais instituições religiosas.
Em 1871 veio a libertação total dos "escravos da religião".