Sinos Mudos Soaram À Meia Noite
*Raymundo Evangelhista________________________________________________
Caros leitores, imaginar que perpassa em vossa mente neste instante, é algo, talvez, inusitado. Apesar de que tudo de muito ainda mais absurdo acontecia em terras de Tupinambás e Negros remanescentes. Santo Antônio de Jesus, como era conhecida aquela maloca, era um repositório de tudo o que não presta. Já se nos bastava a presença de estrangeiros que por lá chegavam para saquear e sacanear com os nativos, - a nossa gente. Ouçam atentamente o triste fim de um povo: - Era noite de inverno. Chovia copiosamente como que a prenunciar um dilúvio. Os filhos daquelas plagas que ainda estão vivos podem contar a história. Assim narrou-me o fato, Frederico Costa, meu amigo mais velho. Foi uma coisa do outro mundo, Seu moço, os sinos da Igreja da Praça dos Tupinambás não mais dobravam. Estavam em silêncio há mais de trinta anos. Um certo padre, muito escroto, depois de retirar o sineiro, (aquele que esticava as cordas para fazer os sinos soarem ao longo do infinito), transformou os sinos em um relógio eletrônico que ficou quebrado para sempre. Os sinos, Seu moço, foram vendidos para o ferro velho a troco de banana. Pois bem, Seu moço, eu durmo com as galinhas. Você sabe muito bem disso. Eu tenho lhe falado. Bem, mais tarde eu acostumo acordar para beber água. Naquela noite mística e chuvosa, os galos não cantavam; e os cachorros não latiam. Era um silêncio profundo. Só me restava naquele momento ouvir a poesia cantada pela chuva ao cair no telhado da nossa choupana. De repente, Seu moço, uma badalada, duas, três, e eu arrepiado como um gato assombrado... quatro, cinco, seis, sete, e eu se me perguntava que estava acontecendo meu Deus... Eram os sinos da igreja... e continuava. Não parava não. Oito, nove, dez, onze, doze. Doze badaladas. Os sinos, Seu moço, anunciavam que era meia noite. Peguei do meu relógio de bolso e conferi. Abri a porta e pude ver Tolentino, D. Helena, Zé Pilingocha, e outras pessoas assombradas. Isso sem falar nas crianças que não entendiam nada, visto que dormiam profundamente. Imaginava eu que era o fim do mundo. Lá, no centro da cidade, o tumulto era generalizado. Com os meus aprendizados espíritas absorvidos por meu amigo, irmão e camarada, Estêvão, que você conheceu aqui em nossa casinha, me tornara destemido. Eu fui ver. E vi. Homens, sob a chuva, de camisola e calcinha que pediam socorro desesperadamente. Tudo aquilo não passava de um comportamento histérico. Era um terror infundado sem motivo. Bastava ter um pouco de calma para entender a fenomenologia do fato inusitado. Eu parecia um pinto molhado. Não tinha medo. Eu queria tão somente encontrar meios para explicar o porquê do soar dos sinos em doze badaladas à meia noite. Não havia um cientista sequer desses nossos dias, aqui na cidade, que tagarela de tudo que pudesse explicar. Isso me faz lembrar o escritor José de Alencar em seu livro Senhora quando enaltece a personagem principal Aurélia: "Não havia porém em Aurélia sequer o ridículo pedantismo de certas moças que, tendo colhido em leituras superficiais algumas noções vagas, se intrometem a tagarelar de tudo." Seu moço, é muito bonita esta descrição feita pelo autor a personagem. Sim, como eu ia falando. Na verdade eu não queria àquela hora incomodar o meu amigo Estêvão. Estêvão sim, só Estêvão levar-me-ia a entender tal fenômeno. Em meio a tanto conflito, se não bastasse, o centro da maloca encheu de políciais, corpo de bombeiros e ambulâncias como se estivessemos em um estado de guerra. Eu percorri dezenas de buracos a observar o comportamento das pessoas. O pavor era tanto que muitos não resistiram a inexplicação do fenômeno e morreram do coração. Infartaram. Outros enloqueceram. Logo logo surgiram Chefes Políticos de Religiões dando palpites: o padre falara que foram os anjos anunciando boas novas para o nosso povo; o pastor disse que era satanás, o diabo, amedrontando as ovelhas perdidas; o pai de santo, todo de branco, disse que jogou os búzios e falou em maus agouros; o espírita comedido arguiu que poderia ter sido um irmão obsessor anunciando o desabamento da Igreja de Roma; o chefe de polícia, de pronto, saiu a procura de algum larápio que por ventura poderia ter tentado furtar o cofre de ouro que fica no subsolo da igreja. E assim, por volta das 02h da madrugada, daquela sexta feira, enquanto os bachareis, mestres, doutores, pós-doutores e demais figuras folclóricas, em suas teses filosóficas, levantavam a sua argumentação... Eis que uma bola de fogo do tamanho do Planeta Azul desce dos céus. Só me restou sair correndo e cansando até chegar a casa. O pânico generalizou. Era o fim do mundo mesmo. Eu corria e olhava para o universo. A bola de fogo descia lentamente. Peguei meus filhos e fui parar de carona, em cima de um caminhão de bananas, na Ilha de Itaparica. Por lá chegando às 4h30min da madrugada. Soube que de Santo Antônio de Jesus só houvera sobrado o Bairro da Joeirana. Tão somente aquele lugar. Lá onde houve uma explosão de fogos, em 11 de dezembro de 1998, matando 64 seres humanos: homens, mulheres, jovens e crianças pretas.
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*Raimundo José Evangelista da Silva nasceu em Santo Antônio de Jeus. É poeta, escritor, professor e bel. em direito. Graduou-se em Letras e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Católica do Salvador em 1989, logo especializando-se em Linguística Textual pela UFBA e Instituto Anísio Teixeira em 1993. Bacharel em Direito pela FABAC - Faculdade Baiana de Ciências - Lauro de Freitas/BA em 2011. Especializou-se em Advocacia Criminal pela Faculdade Verbo Jurídico/RS em 2018. Tem 5 livros de poemas publicados. Crônicas, contos e poemas publicados em seu Blogger/Raymundo Evangelhista, Recanto das Letras, Pensador, Jornal A Tarde, Jornal da Bahia, Tribuna da Bahia, Facebook, Instagram e Twitter.
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