segunda-feira, 22 de abril de 2019

Transando Com Abel ou 14 Passos Para a Loucura: Descendo Aos Infernos de The Weeknd

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Transando Com Abel ou 14 Passos Para a Loucura: Descendo Aos Infernos de The Weeknd

By 12 de junho de 2016 4 Comments
 
Em meio às madrugadas e sua escuridão plena, ele sempre está lá. A solidão e os desejos são sempre asfixiados por sua sonoridade atmosférica, intensa e perturbadora, que conduz meu trânsito frequente entre os sites pornográficos e aplicativos sociais de relacionamento na busca de corpos anônimos que nunca serão possuídos. Investigando fotografias e perfis, após diálogos voláteis e sessões de vídeos, ansiedades, medos e sonhos se misturam ao gozo que escorre entre os dedos e fluem pelo falo. Quando o corpo dissipa a anestesia do êxtase momentâneo e artificial, os relacionamentos fracassados, as desilusões amorosas e o ceticismo no amor são os demônios que tomam minha alma em um exorcismo cotidiano. The Weeknd habita o sombrio esconderijo dos meus fetiches sexuais mais secretos, um entre-lugar onde o sexo, o prazer e a sublimação das dores e terrores existenciais reinam imperiosos. Como meu crush, espécie de amor platônico pós-moderno, ele sempre me visita em meio ao desespero e sussurra nos meus ouvidos com seu timbre inigualável: – Eu vou cuidar de você

O ensurdecedor demônio de três olhos e o monstro de múltiplos tentáculos
A solidão é uma das heranças malditas do passado colonial das populações negras, no qual corpos e, principalmente, almas foram escravizadas compulsoriamente. É muito recorrente as abordagens da historiografia das populações negras através da exploração secular da materialidade de seus corpos nas práticas mercantis atlânticas, porém as dimensões dos impactos emocionais e afetivos sobre suas almas são significativamente negligenciados nas pesquisas e estudos etnicorraciais pós-coloniais. Meu contato com a obra do psiquiatra Frantz Fanon, bibliografia obrigatória para sujeitos em processo de descolonização, despertou em mim essa preocupação que me aflige existencialmente até hoje. O racismo, além de ser analisado em suas complexidades sórdidas em sua obra, é tratado como uma doença patológica que atormenta nossa psique, sendo a solidão negra uma de suas maiores enfermidades. A partir do pensamento de Fanon, percebo que a solidão negra é uma das portas de acesso aos nossos próprios infernos que ainda resistimos discutir e problematizar. Falar sobre si para nós negrxs, apesar de ser um método terapêutico para cura de nossas feridas históricas herdadas, ainda é um exercício árduo e doloroso pois a cada discurso oral ou escrito produzido temos que encarar nossos próprios demônios. Como sempre me faz refletir Gloria Anzaldúa:
Escrever é confrontar nossos próprios demônios, olhá-los de frente e viver para falar sobre eles. O medo age como um imã, ele atrai os demônios para fora dos armários e para dentro da tinta de nossas canetas. O tigre que carregamos nas costas (a escrita) nunca nos deixa só. Por que você não está montando em mim, escrevendo, escrevendo? Ele pergunta constantemente, até sentirmos que somos vampiros sugando o sangue de uma nova experiência; que estamos sugando o sangue vital para alimentar a caneta. Escrever é o ato mais atrevido que eu já ousei e o mais perigoso. Nelie Wong [poetisa e ativista feminista] chama a escrita de “demônio de três olhos gritando a verdade.
As práticas e os relacionamentos afetivo-sexuais, como também a construção do amor na diáspora negra sofreram processos de extrema violência em suas dimensões físicas e simbólicas através da implementação dos projetos coloniais europeus na modernidade ocidental a partir do século XVI. O tráfico humano transatlântico fragmentou estruturalmente inúmeras etnias africanas, além de ter provocado o esfacelamento da individualidade humana com a invenção do signo da raça enquanto dispositivo subalternizador e opressor, processo caracterizado pela psicóloga Rita Laura Segato de “processo de outrificação”: houve o estabelecimento de hierarquias de poder e dominação construídas através de paradoxos binários, nos quais os indicadores socioculturais de gênero e cor operam simultaneamente como os principais fundamentos da estrutura da outredade do Estado colonial. Enquanto nos dias atuais há um notável crescimento das teorias e discussões acadêmicas sobre os sujeitos na pós-modernidade como um fenômeno de caráter inédito, o Estado colonial desde a modernidade europeia desmantelou o códice africano – constituído por filosofias, construções de gênero, formas de organização e sociabilidades próprias – sujeitando-o ao signo da raça, engendrando várias identidades residuais e periféricas a exemplo do negro e indígena. Como argumenta o escritor Cuti em entrevista ao escritor Akins Kintê:
Nós somos pós-modernos muito antes da tal pós-modernidade, porque o nosso ‘eu’ foi esfacelado na época da escravização. E estamos, depois de mais de um século após a abolição, ainda juntando os cacos, tentando compor nossa figura, a nossa imagem coletiva positiva. Quando falam do ‘eu fragmentado’ como um dado da contemporaneidade, já vivemos essa experiência há séculos: passar debaixo da ‘árvore do esquecimento’, perder o nome, perder a língua, perder a dignidade humana. Nós herdamos um eu coletivo esfacelado, mas não completamente. Hoje se vê muito negro confuso em termos de identidade, de religião, confuso em termos de aceitação de suas características físicas naturais.
O processo de outrificação das populações negras não estava somente vinculado ao fictício signo da raça, como também incluía o gênero enquanto um de seus principais eixos de sustentação do Estado colonial e suas práticas alterofílicas e alterofóbicas, potencializando através dos tempos a dominação e subordinação opressora de um grupo sobre o outro a partir do estabelecimento de pactos tácitos do patriarcado de supremacia branca, caracterizados por Maria Aparecida Silva Bento e Liv Sovik como branquitude e de cisgeneridade pela feminista trans brasileira Viviane Vergueiro: compreendendo sistemas complexos de mecanismos institucionais utilizados para a manutenção e proteção dos interesses e privilégios coloniais, a branquitude e a cisgeneridade mediam as relações socioculturais até nossos tempos através de dinâmicas de manipulação do silenciamento histórico, como também da naturalização e normatização das hierarquias de poder. Assim, pensando a partir da perspectiva da socióloga e feminista nigeriana Oyèrónké Oyewùmí, são insuficientes os argumentos circunscritos somente ao fenômeno da racialização das populações negras e estratificação das fronteiras etnicorraciais nas discussões acerca de como a modernidade europeia provocou efeitos devastadores nas populações negras:
Uma característica marcante da era moderna é a expansão da Europa e o estabelecimento de hegemonia cultural euro-americana em todo o mundo. Em nenhum lugar isso é mais profundo que na produção de conhecimento sobre o comportamento humano, história, sociedades e culturas. Como resultado, os interesses, preocupações, predileções, neuroses, preconceitos, instituições sociais e categorias sociais de euro-americanos têm dominado a escrita da história humana. Um dos efeitos desse eurocentrismo é a racialização do conhecimento: a Europa é representada como fonte de conhecimento, e os europeus, como conhecedores. Na verdade, o privilégio de gênero masculino como uma parte essencial do ethos europeu está consagrado na cultura da modernidade.
A escravização dos povos africanos e, principalmente, o cotidiano do tráfico humano e as relações de exploração e escravismo colonial no Novo Mundo constituíram espacialidades onde inúmeros estereótipos e projeções sobre as populações negras foram forjados. As mulheres e os homens negros sempre foram estigmatizados como indivíduos exóticos, irracionais, fetichistas, bárbaros, incivilizados, dentre outros adjetivos, classificações e juízos de valores de grande teor etnocêntrico e, sobretudo, racista. A submissão e escravização dos povos africanos geraram várias projeções imagéticas sobre as mulheres e os homens negros, que eram visualizados pelo olhar nocivo do colonizador como meros animais, desprovidos de razão, inteligência, cognoscência, humanidade e cultura. Além de seres animalescos, as populações negras escravizadas também passaram a serem coisificadas como objetos, cargas, mercadorias de grande valor e potencial mercadológico e financeiro no comércio transatlântico. Para Frantz Fanon, as fobias existentes em relação aos indivíduos negros são relacionadas ao medo de seu biológico, pois x negrx é somente vistx como um ser essencialmente biológico. Ou seja, estereotipadx a partir da sua materialidade fenotípica. Assim, houve o desenvolvimento de um processo constante de usurpação da humanidade das populações africanas a partir da dissociação simbólica entre corpo e psique, prática que construiu o imaginário coletivo racista ocidental composto por inúmeros mitos e estereótipos que foram naturalizados e normalizados, propagados historicamente através de dinâmicas citacionais de repetição, nos termos do filósofo Jacques Derrida a partir do pensamento de Judith Butler. A raça, assim como o gênero, são construtos performativos compostos por sequências de atos que operam para estabelecer a aparência da rigidez corporal e da fixidez das identidades, estabelecidos através de dinâmicas de repetições obsessivas nas relações de força, que excluem os indivíduos, estabelecem tabus e constroem os sujeitos abjetos. De acordo com Homi Bhabha:
Como forma de crença dividida e múltipla, o estereótipo requer, para uma significação bem sucedida, uma cadeia contínua e repetitiva de outros estereótipos. O processo pelo qual o ‘mascaramento’ metafórico é inscrito em uma falta, que deve então ser ocultada, cria ao estereótipo sua fixidez e sua qualidade fantasmática – sempre as mesmas histórias sobre a animalidade do negro (…) tem de ser contadas (compulsivamente) repetidamente, e são gratificantes e aterrorizantes de modo diferente a cada vez.
O colonialismo europeu e a escravização das populações negras destruíram famílias, despedaçaram relacionamentos afetivos e demonizaram as práticas sexuais, elementos disciplinados através da opressão cotidiana do terror colonial e da moral cristã-ocidental. Os processos de zoomorfização e coisificação dos corpos negros impactaram de maneira decisiva as formas de amar e se relacionar de negras e negros transplantados e suas/seus descendentes, fato presente na narrativa autobiográfica de Solomon Northup, músico negro livre sequestrado e escravizado nos Estados Unidos no século XIX, adaptada para o cinema pelo cineasta Steve McQueen no filme 12 Anos de Escravidão, que me marcou de maneira bastante profunda e sempre me faz refletir o quanto a escravidão é um monstro de múltiplos tentáculos que dilacera todos os âmbitos de nossa existência e humanidade. Na senzala obscura corpos negros amontoados dormem enquanto os olhos de Solomon, interpretado pelo ator Chiwetel Ejiofor, perfuram o silêncio em umas das cenas iniciais do filme. Em meio aos delírios insones de suas lembranças dos momentos felizes e amorosos com a família em sua vida enquanto liberto, uma mulher negra procura seu corpo frio e imóvel, implorando por sexo no desespero mudo de seu desejo. Na cena angustiante, o gozo roubado é sublimado pela necessidade de sobrevivência ao terror, ao medo e à solidão. O gozo e as lágrimas são os sinais de que a humanidade ainda não havia abandonado sua alma.

A repressão dos sentimentos constituía em uma estratégia de resistência e sobrevivência das populações negras escravizadas, utilizada principalmente por homens negros como argumenta a intelectual negra feminista bell hooks. Depoimentos e relatos de homens negros escravizados como o de Solomon Northup evidenciam o quanto o contexto da escravização colonial configurou as masculinidades negras através da brutalidade do terror colonial. A assustadora pedagogia escravocrata ensinou cotidianamente aos homens negros serem austeros, agressivos e violentos, valores do patriarcado de supremacia branca que aniquilaram nossa capacidade de amar e nos mergulharam no rio turvo de sangue do ódio. Mesmo com a abolição do trabalho escravo compulsório, a cultura de repressão dos sentimentos se perpetuou como uma das tradições herdadas do passado colonial, ainda bastante presente nas masculinidades negras pós-coloniais que reproduzem esses valores. Os altos índices de violência contra as mulheres negras que se estendem a nós LGBTQ’s, a utilização da tortura na educação infantil de crianças negras, a proliferação de comportamentos tóxicos e estilos de vida autodestrutivos são sintomas de como a repressão de sentimentos estão matando não só os homens como as comunidades negras através da proliferação de conflitos intra-raciais. Em plena concordância com bell hooks:
O sistema escravocrata e as divisões raciais criaram condições muito difíceis para que os negros nutrissem seu crescimento espiritual. Falo de condições difíceis, não impossíveis. Mas precisamos reconhecer que a opressão e a exploração distorcem e impedem nossa capacidade de amar. Numa sociedade onde prevalece a supremacia dos brancos, a vida dos negros é permeada por questões políticas que explicam a interiorização do racismo e de um sentimento de inferioridade. Esses sistemas de dominação são mais eficazes quando alteram nossa habilidade de querer e amar. Nós negros temos sido profundamente feridos, como a gente diz, ‘feridos até o coração’, e essa ferida emocional que carregamos afeta nossa capacidade de sentir e consequentemente, de amar. Somos um povo ferido. Feridos naquele lugar que poderia conhecer o amor, que estaria amando.
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A partir do pensamento de Maria Aparecida Silva Bento, podemos perceber que a exclusão moral no pós-abolição nas sociedades que sofreram a experiência o colonialismo europeu institucionalizou a descriminação racial enquanto exercício de descompromisso político com o sofrimento do outro, combustível da máquina necropolítica de extermínio das populações negras, sendo a desvalorização dos indivíduos negros como seres humanos e a cultura de estigmatização, abjeção e violência seus principais mecanismos. Só os brancos possuem o privilégio de amar e ser amado, pois quando se olham no espelho veem refletido o modelo universal de humanidade que é alvo da inveja e do desejo dos outros grupos raciais não-brancos, transformando o amor em uma grande fábula protagonizada somente pela branquitude, legitimadora de sua supremacia econômica, política, social e cultural, como também da nossa suposta incapacidade de amar. Referenciando a socióloga Ruth Frankenberg, Liv Sovik localiza o conceito de branquitude como
Um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê aos outros e a si mesmo; uma posição de poder não nomeada, vivenciada em uma geografia social de raça como um lugar confortável e do qual se pode atribuir ao outro aquilo que não atribui a si mesmo.
Assim, o amor e a felicidade se tornam privilégios monopolizados por brancos, joias que a escravidão nos roubou. Como declara em prantos a personagem Precious, do livro homônimo da escritora Saphire adaptado para o cinema por Lee Daniels, o amor nunca fez nada por nós. Só nos restou o escape, a sublimação, a solidão, a loucura e o flerte com a morte. E é essa herança maldita que The Weeknd transcodifica na estética de sua arte e sua música.


O cântico sombrio do jovem deus etíope
Abel Tesfaye foi criado em uma família matrifocal, na qual sua avó e sua mãe enfrentaram o abandono e a solidão da mulher negra, além do mal estar de sua própria diáspora após emigrarem da Etiópia para Toronto – Canadá na década de 1980 em busca de melhores oportunidades e condições de vida. Os traumas da Etiópia após a morte e destruição do império de Haile Selassie (1930-1974) acabaram fomentando os estereótipos fantasmagóricos sobre a África que ainda aprisionam-na em uma territorialidade imagética onde a miséria, a guerra, as doenças e o sofrimento sem fim brotam da terra como baobás. Porém, a Etiópia das histórias de seus tios não o assustou em sua infância na qual a música etíope cumpriu papel de grande relevância na formação de sua estética musical. A necessidade de sobrevivência gerou a sobrecarga de trabalho de sua mãe, fazendo com que a responsabilidade de sua criação e educação fosse transferida para sua avó, que costumava levar o pequeno Abel para a Igreja Ortodoxa Etíope que frequentava. Os laços e as relações primárias com a suas matriarcas situam o lugar privilegiado de Abel em sua família, aspecto que revela a importância da maternidade enquanto instituição e como experiência nas culturas africanas, além da fluidez de suas categorias sociais que possuem posicionamentos altamente situacionais, a exemplo das migrações diaspóricas, como reflete Oyèrónké Oyewùmí a partir das configurações das famílias Iorubás na África Ocidental:
A família Iorubá tradicional pode ser descrita como uma família não-generificada. É não-generificada porque papéis de parentesco e categorias não são diferenciados por gênero. Então, significativamente, os centros de poder dentro da família são difusos e não são especificados pelo gênero. Porque o princípio organizador fundamental no seio da família é antiguidade baseada na idade relativa, e não de gênero, as categorias de parentesco codificam antiguidade, e não gênero. (…) Na África Ocidental (da qual os Iorubá são uma parte), é a linhagem que se considera como a família. A linhagem é um sistema familiar baseado consanguineamente, construído em torno de um núcleo de irmãos e irmãs por relações de sangue. (…) Por causa da matrifocalidade de muitos sistemas familiares africanos, a mãe é o eixo em torno do qual as relações familiares são delineadas e organizadas.
Segundo uma entrevista concedida em outubro de 2015 para a revista Rolling Stone, antes de aprender o inglês Abel falava a língua amárica fluentemente, idioma oficial da Etiópia, e seu estilo vocal é inspirado por cantorxs habesha, artistas músicos de ancestralidade ligada aos povos e/ou grupos étnicos que habitam o chifre da África Oriental, destacando a cantora Aster Aweke e Michael Jackson como suas principais influências musicais, presentes nos impressionantes aspectos timbrísticos de sua voz. Na canção The Hills a intensidade vocal de The Weeknd não é linear, crescendo no decorrer do andamento sincopado e contínuo da execução instrumental, explodindo no refrão em sua potência. Em The Hills a altura vocal transita de forma descontínua entre tons graves, médios e agudos, sendo os gemidos, falsetes e a prevalência das notas altas uma característica bastante marcante de sua performance vocal. Sua voz é estridente, metálica e anestésica. Não é à toa que The Weeknd é considerado como uma espécie de “novo Michael Jackson” pela crítica musical especializada.

A estética musical de The Weeknd busca incessantemente a hibridização e experimentação, característica fundamental da música afroamericana diaspórica como argumentam Ronald Radano e Philip V. Bohlman. Classificado pela indústria fonográfica e crítica musical como PBR&B, espécie de R&B Contemporâneo, o álbum Beauty Behind The Madness é composto por elementos que remetem ao espaço urbano pós-moderno e cosmopolita pela presença de sintetizadores, programações eletrônicas, samples e beats pesados e intensos. O hip hop, o indie, o punk e o rock progressivo com os quais teve contato na adolescência foram incorporados através de samples em estruturas eletrônicas densas, provocando consequentemente o desenvolvimento do processo de renovação do gênero musical R&B, através de experimentações complexas entre o Urban Contemporary (combinações de R&B, Gospel e Soul camufladas por produções eletrônicas), o Dubstep (linhas de baixo muito fortes, padrões de bateria reverberantes, samples cortados e vocais ocasionais) e injeções intensas de Rap, produzindo colisões sonoras entre batidas e vocais de forma melódica, densa e visceral. Na banda os sintetizadores e vocais são superestimados, compostos por falsetes melódicos entristecidos e envolventes. Apesar das influências de Michael Jackson, a performance corporal de The Weeknd sempre foi centralizada em seu desempenho e execução vocal surpreendente, contrapondo a sua corporeidade rígida e engessada nos palcos, aspecto que vem sendo transformado por aulas de dança que o artista começou a fazer para melhorar seu desempenho performático.

De acordo com os créditos presentes no encarte do álbum, The Hills foi composta pelo próprio The Weeknd em parceria com os músicos Ahmad “Belly” Balshe, Emmanuel Nickerson e Carlo “Illangelo” Montagnese, sendo produzida pelo último com o auxílio de Million $ Mano. Em 27 de maio de 2015 a faixa foi lançada como o segundo single do álbum através das gravadoras XO Records, gravadora de sua propriedade, e Republic Records. É uma gravação recente e crossmedia, na qual o processo de produção é desenvolvido de maneira independente por meio de instrumentos, maquinarias e aparelhagens musicais próprias e a distribuição viabilizada por diversas mídias e plataformas de comunicação existentes no mundo digital (como as plataformas de streaming), conceito originado na década de 1990 e adotado por The Weeknd desde o início de sua carreira musical, na qual produzia suas mixtapes que foram atualmente relançadas em formato físico. Os timbres instrumentais de sua banda criam sonoridades ácidas e melancólicas marcadas pelo uso dos teclados sintetizadores, como também de bases eletrônicas em slowtempo compostas por beats que determinam um andamento sincopado de 113 BPM’s (batidas por minuto). A versão escolhida para esta apreciação musical foi uma remixagem lançada online 10 de Outubro de 2015 com participação da rapper negra Nicki Minaj, e performada ao vivo no programa televisivo Saturday Night Live. A letra da canção possui uma narrativa perturbadora de busca pelo prazer sexual e fuga da realidade a partir do consumo de drogas. Na remixagem da canção, Nicki Minaj incorpora a mulher desejada pelo eu-lírico com a qual este desabafa seus tormentos personificando-a em sua redenção momentânea de seus conflitos existenciais, estabelecendo uma interlocução não existente na versão original onde a voz do eu-lírico é unívoca e protagonista:
Lembra daquela vez que eu apareci com meu casaco, só de calcinha?/Botas de salto e cano alto que vão até o joelho, e minhas pernas estavam agarrando aquela garganta/Você me disse isso e passo a citar, porque nós tomamos umas pílulas e você fumou/Você disse: ‘Sua boceta me deixa viciado, é como se eu estivesse puxando umas carreiras de cocaína’…

Suas inegáveis contribuições estéticas para a história da Black Music não estão limitadas às questões técnicas e musicológicas, apesar de estas também serem contaminadas pelo contexto, localização e marcadores socioculturais de Abel Tesfaye, homem negro heterossexual de classe alta. O álbum Beauty Behind The Madness (2015) é um itinerário de 14 passos para a loucura, um mundo de fantasias sombrias que soa sexy e anestesiado. Sua música de alto teor autobiográfico e confessional é uma verdadeira descida aos seus próprios infernos, nos quais a sua persona misteriosa e taciturna nos convida a dançar com seus demônios. Sua visão conflituosa e frequentemente ambígua sobre mulheres e relacionamentos afetivo-sexuais revelam o quanto as masculinidades negras em nossos tempos se utilizam da arte para vivenciar a realidade através do domínio dos sentidos, experimentando em suas subjetividades o prazer e a beleza que foram historicamente sublimados por nossxs Ancestrais no passado escravocrata colonial, alguns dos elementos que fundamentam a estética artística negra nos Estados Unidos como afirma bell hooks.
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Capa do álbum Beauty Behind the Madness, do The Weeknd
A sensibilidade, a melancolia e o romantismo presentes em sua obra fonográfica desmitificam os estereótipos relacionados aos homens negros enquanto indivíduos incapacitados de amar, que aprisionam suas emoções nos cofres secretos da alma para sobreviver. A Black Music do século XX é um dos maiores exemplos de como a arte provocou a purificação, redenção e reinvindicação da nossa humanidade negra. Uma tradição de artistas que antecederam The Weeknd como Marvin Gaye, Nina Simone, Sam Cooke, Aretha Franklin, Billie Holliday, Ray Charles, dentre outros inúmerxs e maravilhosxs, sempre me fizeram pensar no amor e seu potencial subversivo enquanto catalisador de uma política revolucionária para nós negrxs. Martin Luther King nunca esteve errado.
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Martin Luther King Jr. e sua esposa Coretta King.
O sexo e o erotismo presentes na poética das letras de The Weeknd são os aspectos que mais atraíram minha atenção desde quando tive o primeiro contato com sua música, a exemplo de Often:
Ela me pergunta se eu faço isso todos os dias, eu digo frequentemente/Perguntei com que frequência ela faz sexo, não com tanta frequência/Vadias morrem para fazer isso de qualquer maneira, frequentemente/Baby, eu faço sua buceta chover, frequentemente/Frequentemente, frequentemente, garota, eu faço isso frequentemente/Faço essa buceta estourar, faça como eu quero/Frequentemente, frequentemente, garota eu faço isso frequentemente/Faço essa buceta estourar, faça como eu quero/Frequentemente…

Sem metáforas complexas e herméticas, sua sonoridade atmosférica nos conduz a uma libertinagem arrebatadora na qual a satisfação dos desejos é a maior das urgências, pois, assim como o amor, o prazer sexual no processo de escravização das populações negras foi incomensuravelmente estuprado a partir da violência colonial dos corpos de mulheres e homens negrxs, privados do direito ao gozo e ao êxtase. Os homens negros destinados à procriação, as mulheres negras como incubadoras de crianças a serem futuramente escravizadas, os incessantes abusos sexuais dos colonizadores, além da moral inquisitorial cristã que demonizou e disciplinou o sexo na modernidade ocidental traumatizaram profundamente as experiências e as práticas afetivo-sexuais negras. Como na literatura negra erótica, o sexo na poética de The Weeknd é reivindicado e praticado a partir de uma política de transgressão e libertação sexual negra dos cárceres dos tabus pós-coloniais, como podemos perceber na reflexão do escritor Cuti:
(…) É preciso lembrar que a ideia de corpo versus espírito é uma concepção bem europeia, esse empenho de separar corpo e espírito (ou alma), o material do imaterial. Essa visão de ser humano calcou nossa cabeça que o corpo é pecaminoso e o espírito não, ou seja, o corpo é do diabo e o espírito de deus. Por isso, na época da escravização, os brancos achavam que aqueles que eles escravizavam não tinham alma, eram apenas corpos. Essa divisão é bem sacana. Serviu para justificar a violência, o massacre. E o que isso tem a ver com o prazer sexual? Se você não tem alma, seu prazer é brutal, é animal. Muitos de nós incorporamos essa noção, vestindo esse estereótipo ou, no sentido oposto, achamos que o sexo é um tabu, que nós devemos ser extremamente puritanos.
Entretanto, as reinvenções das práticas racistas e fobias de gênero e sexualidade em nossos tempos ainda propagam a perniciosa cultura do ódio e aniquilação do amor tornando nossas almas frias e nossos olhos cegos, que ainda não enxergam a beleza por trás da loucura visualizada pelo The Weeknd em meio aos delírios e alucinações de um indivíduo cambiante, em fluxos de fuga constantes de si mesmo. A utilização de substâncias psicotrópicas e a procura insaciável por sexo presentes na poética de The Weeknd se transformam em instrumentos de imolação masculina, fator que demonstra a vulnerabilidade e o impulso autodestrutivo em busca da liberdade e analgesia das dores existenciais de nós homens negros na atualidade. O jogo simbólico da obra Imolação do artista plástico Sidney Amaral, na qual o próprio artista em um autorretrato tenciona suicidar-se, nos provoca a refletir sobre a crise da masculinidade negra:
Ao ver no meio da tela um homem com uma arma apontada para a cabeça a primeira coisa que se pensa é que a pessoa representada no quadro vai se matar. Mas não é verdade. Justamente por isso eu coloco o nome de Imolação. Imolação é aquilo que se faz por uma coisa maior. Você não está se matando por ser um deprimido. Você está se matando porque não quer ser escravo, não quer perder sua identidade, sua liberdade, diz o artista.
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Imolação, obra do artista plástico Sidney Amaral
Diante do precipício da loucura The Weeknd, como nós homens negros, está só e ameaça se lançar. Mesmo acreditando no amor e seu poder grandioso de salvação, a solidão nos oprime como o açoite outrora em costas negras, dilacerando nossas feridas da alma deixando-as em carne viva. Nesse momento lembro-me de uma passagem belíssima (e necessária) do romance Amada da escritora Tonni Morrison:
Aqui (…), neste lugar, somos carne; carne que chora, que ri; carne que dança descalça no capim. Amém essa carne. Amém muito. Lá fora eles não amam nossa carne. Eles a desprezam. Não amam nossos olhos; preferem arrancá-los. Também não amam a pele em nossas costas. Lá fora eles a açoitam. E, meu povo, eles não amam nossas mãos. Essas eles apenas usam, amarram, prendem, cortam fora e deixam vazias. Amém suas mãos! Amém! Levantem suas mãos e beijem-nas. Toquem-se uns aos outros com elas, batam palmas, acariciem com elas seu rosto, que este eles não amam também. Vocês têm de amar seu rosto, Vocês! (…) É de carne que eu estou falando aqui: Carne que precisa ser amada.”
Na última canção da tracklist de Beauty Behind The Madness, The Weeknd se despede de mim com uma profecia que imerge meu ceticismo em relação ao amor em uma profunda letargia, após aspirar esperanças como quem aspira linhas de cocaína:
Espero que você encontre alguém para amar…
Espero que sim, Abel. Um dia, quem sabe. A arte alivia, mas não cura a dor e o sofrimento. Como diz a bell hooks, só o amor cura.


Daniel Dos Santos (DanDan) é licenciado em História pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), mestrando em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), membro fundador e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Africanos e Afrobrasileiros (AfroUneb) e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Cultura e Sexualidade (CuS), nos quais desenvolve o #TheGangstaProject: Masculinidades Negras nos Videoclipes dos Rappers Jay Z  e 50 Cent. É apaixonado pelo Drake e Kanye West. Os boxeadores negros são suas principais inspirações.

domingo, 21 de abril de 2019

Os mísseis russos que se tornaram alvo de disputa entre EUA e Turquia

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  • 20 abril 2019

terça-feira, 16 de abril de 2019

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G1 explica: o que é o Hamas?

31/07/2014 16h00 - Atualizado em 31/07/2014 16h03

G1 explica: o que é o Hamas?

Criado em 1987, grupo islâmico não reconhece Estado judeu.
Em 2007, passou a controlar a Faixa de Gaza, território na costa de Israel.

Do G1, em São Paulo
O Hamas é considerado a maior organização islâmica nos territórios palestinos da atualidade. Um de seus criadores foi o xeque Ahmed Yassin, que pregava a destruição de Estado israelense.
Seu nome é a sigla em árabe para Movimento de Resistência Islâmica. O grupo surgiu em 1987, após a primeira intifada (revolta palestina) contra a ocupação israelense na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.
Além da faceta militar – com as brigadas Al-Qassam – o grupo que controla Gaza também é um partido político. Em sua carta de fundação, o Hamas estabelece dois objetivos: promover a luta armada contra Israel e realizar programas de bem-estar social.
Em 2006, o grupo islâmico venceu as eleições parlamentares palestinas, fato não reconhecido pelo opositor Fatah – partido nacionalista fundado em 1959 pelo líder palestino Yasser Arafat e que concorda com a criação de dois Estados (Israel e Palestina) para a solução do conflito.
Ocorreu, então, o racha dentro da Autoridade Nacional Palestina, após anos de confrontos internos. A divisão fez com que o Hamas passasse a controlar a Faixa de Gaza, a partir de 2007, e o Fatah ficasse com o comando da Cisjordânia.
Israel e Hamas não dialogam – o Estado judeu considera o grupo terrorista.
O Hamas é parte de uma vertente política do Islã que, com as Revoltas Árabes, está sendo combatida em toda a região – primeiro no Egito (com a saída da Irmandade Muçulmana), mas também em países do Golfo. Até seu aliado Irã deixou de apoiá-lo.
Por sua longa história de ataques e sua recusa em renunciar à violência, o Hamas é considerado uma organização terrorista também pelos Estados Unidos, União Europeia, Canadá e Japão.
Mas para seus apoiadores, como Qatar e Turquia, o Hamas é visto como um movimento de resistência legítimo. O grupo islâmico não aceita as condições propostas pela comunidade internacional para ser um ator global legítimo: reconhecer Israel, aceitar os acordos anteriores e renunciar à violência.
Integrantes do Hamas tomam o escritório do presidente palestino Mahmoud Abbas, em 2007 (Foto: AP)Integrantes do Hamas tomam o escritório do presidente palestino Mahmoud Abbas, em 2007 (Foto: AP)

segunda-feira, 15 de abril de 2019

OAB - Uma autarquia que foi extinta em 1991

OAB - Uma autarquia que foi extinta em 1991

 

 

 

 

 




 
A OAB foi transformada de mera autarquia a Poder da República, através de simples lei infraconstitucional.
O povo brasileiro tem sido tratado como criança pelos diversos governos que se sucederam ao antigo regime militar que teve fim no ano de 1985. Embora esta prática não seja uma novidade em nossa história, nos dias atuais ela atingiu o seu ápice. O governo socialista emprega táticas de convencimento que insuflam, nas pessoas mais esclarecidas, um surto de indignação. Como pode nossos próprios governantes terem a convicção de que somos completamente desprovidos de inteligência? As leis de um país, para que sejam válidas, precisam, obrigatoriamente, estar escritas no idioma pátrio e de modo que até o mais simples dos homens possa entendê-la; ou, como seria possível admitir-se que todos têm ciência dela e devam cumpri-la?
Para que se compreenda a lei, basta que o cidadão seja alfabetizado e dotado de uma inteligência normal. A compreensão de um texto legal não requer que o cidadão seja provido de dons mediúnicos e metafísicos, tal que somente uma minoria de escolhidos saiba interpretar tais “escrituras”. Uma lei que assim fosse não teria a menor validade em uma sociedade Republicana e Democrática.
Isto posto: podemos afirmar sem medo de errar, que quando uma lei assegura que um determinado decreto fica extinto com a publicação desta lei nova, nada há a ser interpretado. O decreto antigo deixa de existir e junto com ele tudo aquilo que dele dependia. Foi o que ocorreu quando o DECRETO No 11, DE 18 DE JANEIRO DE 1991 determinou que ficava definitivamente extinta a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL.
No entanto, o Congresso Nacional, o Poder Executivo, a OAB, o Ministério Público, a Polícia Federal e, lamentavelmente, também o Poder Judiciário, decidiram tratar os brasileiros como pessoas sem a menor capacidade intelectual e nos fazer crer que nada aconteceu. E que a OAB continua de uma maneira “sui generis” existindo. Ela passou desta vida para uma outra, mas continua habitando entre nós. Este tipo de argumentação é uma afronta à inteligência da população brasileira.  

Da Extinta Ordem dos Advogados

A Ordem dos Advogados do Brasil, autarquia vinculada ao judiciário, responsável por fiscalizar o exercício da profissão de advogado no Brasil foi extinta pelo DECRETO No 11, DE 18 DE JANEIRO DE 1991 que revogou o DECRETO No 19.408, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1930 criador da Ordem dos Advogados do Brasil.
O reconhecimento deste fato não requer do cidadão nenhum conhecimento específico além da alfabetização, basta ler os referidos decretos.

Repristinação

Quando uma lei é extinta, os efeitos que ela provocava só voltam a valer se houver repristinação. Consequentemente, a autarquia OAB somente poderia ser ressuscitada pela repristinação.
 A repristinação ocorre quando a lei que revoga a norma revogadora deixa, de forma nítida e expressa, em seu texto que está restabelecendo os efeitos da norma outrora revogada, como se depreende da leitura da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
O DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942 é específico ao afirmar que salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
Temos então, de forma transparente e clara, que o DECRETO No 761, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1993, ao revogar o decreto de 1991, acima mencionado, não fez qualquer menção quanto a restabelecer o artigo 17 do Decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 1930 que criou a OAB.
Assim, temos por certo que: por repristinação a OAB não renasceu quando o DECRETO No 11, DE 18 DE JANEIRO DE 1991 foi revogado no ano de 1993.
Conclui-se do que foi exposto; que ficou definitivamente extinta a autarquia responsável por regulamentar o exercício da profissão de advogado no Brasil a partir de 18 de janeiro de 1991.

Falácias

São técnicas empregadas para induzir a mente humana a erro e tomar um pensamento falso como verdadeiro. Em algumas circunstâncias podemos aceitar quando se induz uma criança a acreditar em um ser inexistente, porém, quando se engana um adulto, geralmente há nisto uma má-fé inaceitável.
A Ordem dos Advogados do Brasil, embora tenha sido oficialmente extinta, continuou atuando como se nada tivesse acontecido. E com a complacência de todos os poderes da República, o que agrava ainda mais nossa crise de credibilidade nas instituições do país.
Quando uma autarquia é extinta deve-se dar baixa em todos os seus registros oficiais, como o CNPJ, por exemplo. Todo o seu patrimônio deve ser devolvido à União e uma prestação de contas deve ser apresentada. Nada disto foi feito! E isto viola diversas leis, inclusive as leis penais, mas nenhuma providência foi tomada pela Receita Federal ou pelo Ministério Público.
O Supremo Tribunal Federal deste país, que tem a missão de guardar a Constituição, foi dos primeiros a sair em socorro desta entidade que sequer podia ser chamada de moribunda, pois há muito estava falecida.
E desenvolveu um argumento totalmente falacioso para compactuar com as violações das leis de nosso país. O STF desenvolveu a proposição de que a OAB seria uma pessoa fictícia de “natureza sui generis” e que, portanto, ora era uma entidade pública, ora era uma entidade privada, usufruindo assim de privilégios e eximindo-se dos deveres comuns às demais pessoas jurídicas.
Como ser constituída conforme a lei, por exemplo. Uma pessoa jurídica ou é criada por lei, ou é criada por um estatuto registrado em cartório com as demais formalidades que a lei impõe.
Ainda que esta nova entidade adotasse o mesmo nome, não seria mais a mesma pessoa jurídica, seria uma nova pessoa com o mesmo nome, mas com distinto CNPJ. Portanto, carecedora de nova formalidade para sua criação, carecedora de novo registro e nova documentação conforme requisitos da lei para a criação de pessoas jurídicas. Seja ela pública ou privada.
Assim como ocorre com os cidadãos, para cada João que nasce um novo registro deve ser feito, não se admite que um João recém-nascido se utilize dos documentos de um João falecido, a regra também se aplica para as pessoas jurídicas. E o uso de documento alheio, pelos dirigentes da extinta autarquia, é um crime que foi ignorado pelo Ministério Público Federal. E continua sendo!
Não há como negar que no período entre 18 de janeiro de 1991 e 4 de julho de 1994, e a partir desta data inclusive, houve um vácuo onde nenhuma entidade existia com a aptidão jurídica necessária para regulamentar ou fiscalizar o exercício da profissão de advogado, aplicar o Exame de Ordem, ou mesmo cobrar anuidades dos profissionais da Advocacia.
Nenhuma pessoa jurídica de direito público ou privado foi criada por lei ou em conformidade com a lei para assumir o lugar da extinta autarquia.
Por esta razão, temos como líquido e certo, que:
  • Todos os atos praticados pelos ex-dirigentes desta extinta autarquia, naquele período e a partir dele, foram à revelia da lei, houve uma manifesta usurpação do poder público jamais questionada pelas autoridades.
  • Com a extinção da autarquia, todos os registros de advogados também foram automaticamente extintos.
  • Ocorreu a obrigatoriedade de prestação de contas dos antigos dirigentes da autarquia e a devolução de bens e valores ao poder público e isto não foi feito.
  • A revogação do decreto de criação da OAB extinguiu o vínculo entre os bacharéis e o órgão fiscalizador da profissão. É sabido que, naquilo que couber, a pessoa jurídica se equipara à natural, temos então que a regra: “Actio personalis moritur cum persona” também se aplica à pessoa jurídica extinta. O direito de agir, que seja personalíssimo, morre com a pessoa, seja ela jurídica ou natural.
  • Fica evidente que não existe relação jurídica entre o bacharel em direito e o extinto órgão fiscalizador da profissão de advogado.
  • Nenhuma providência foi tomada pelas autoridades competentes, pelo contrário, aceitaram que um grupo, que deveriam ser os liquidantes da extinta instituição continuasse a operá-la como se ativa estivesse.

Pessoa jurídica: Tipos admitidos

A lei brasileira, no artigo 40 do Código Civil, admite apenas os seguintes tipos de pessoas jurídicas: pessoa jurídica de direito público interno, pessoa jurídica de direito público externo e pessoa jurídica de direito privado.
E o artigo 44 do Código Civil dispõe que são pessoas jurídicas de direito privado: as associações; as sociedades; as fundações; as organizações religiosas; os partidos políticos; e as empresas individuais de responsabilidade limitada.
O Artigo 41 do Código Civil esclarece que são pessoas jurídicas de direito público interno: a União; os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; os Municípios; as autarquias, inclusive as associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei.
O artigo 42 do Código Civil que são pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público e a OAB não se enquadra em nenhuma destas situações acima.

ADIN 3026: A NATUREZA “SUI GENERIS”

Difundiu-se a falsa ideia de que o STF, na ADIN 3026, teria definido que a OAB é uma pessoa jurídica sui generis. Esta afirmação não procede, pois a natureza jurídica da OAB não era o objeto da questão em debate.
Alguns Ministros, nem todos, incluíram este conceito bizarro em suas dissertações para eximir a OAB de submeter seus empregados a concursos públicos, uma vez que ela é uma entidade privada. Mas a natureza jurídica da OAB sequer foi tema do debate, mas ainda assim, esta mera suposição foi contestada por outros ministros.
Deste debate nasceu a falsa ideia de que o Poder Judiciário brasileiro teria atribuído à nova Ordem dos Advogados esta qualificação, sem previsão legal, de “sui generis” com os argumentos acima citados para que ela fosse aceita pela sociedade como existente.
 Ainda que este debate nunca tenha acontecido de fato no STF, circula entre os operadores do direito, o conceito de que a OAB seja de fato uma entidade sui generis. Este é mais um engodo, outra falácia para iludir a população, por isto vale a pena discorrer sobre este tema.

A Incompetência do Poder Judiciário para criar pessoas jurídicas

Ao poder judiciário compete julgar em consonância com as leis do país. As pessoas jurídicas previstas pela legislação brasileira ou são públicas ou são privadas. Uma pessoa jurídica só existe se tiver cumprido todas as formalidades legais para a sua criação. Sem isto ela é inexistente.

Definição de Pessoa Jurídica Impar, Sui Generis.

O direito brasileiro não consagrou em nenhuma lei a existência de uma pessoa jurídica do tipo camaleão que se adapta ao ambiente de acordo com as conveniências. A Pessoa Jurídica IMPAR ou de Natureza Jurídica Sui Generis postulada pela OAB e defendida pelo Poder Judiciário não existe no direito brasileiro.
A base desta argumentação, engendrada pela OAB e pelo Poder Judiciário, especialmente o STF, está na alegação de que o advogado presta serviço público, exerce função social e seus atos constituem múnus público.
Múnus é o encargo, o emprego, a função que o indivíduo tem que exercer, por esta ótica cada um de nós tem um múnus a cumprir. Múnus Público é a obrigação que o Estado tem que executar, aquilo que é dever do Estado para com o cidadão, serviço, obrigação, dever, trabalho típico do Estado.
A OAB alega que a lei, ao determinar que o advogado é indispensável à administração da justiça, atribuiu a ele um múnus público. Então, como pessoa jurídica ou física de caráter privado, passa a exercer uma função típica do estado, vem daí a razão de ser da sua natureza jurídica “sui generis”.
“Sui Generis” pode ser traduzido por único de sua espécie ou gênero, singular, sem igual, impar. O termo é empregado na biologia quando se encontra um espécime novo, e completamente distinto dos demais e que pode dar origem a uma nova classificação, um novo gênero, uma nova espécie. Na arte, o termo sui generis, pode ser atribuído a um determinado pintor como meio para destacar sua técnica única e exclusiva. No direito pode ser usado para descrever o sistema único e exclusivo de aplicação da justiça de uma determinada tribo.
Sob esta justificativa, a Ordem dos Advogados não é única, impar ou “sui generis”, pois, também o médico, o bombeiro, o professor e o policial exercem um múnus público, uma função típica do Estado brasileiro, de modo que cai por terra a exclusividade, deixa de ser a única, deixa de ser “sui generis”.
Para que algo possa ser classificado como “sui generis” precisa ser exclusivo, sem igual, impar, único em sua espécie.
Porém, a exclusividade inconstitucional que caracteriza a OAB foi a transformação de uma simples autarquia em um Poder da República, através de uma simples lei infraconstitucional.
A única característica IMPAR e Sui Generis e exclusiva da OAB é ter a pretensão de ser um Poder da República sem que se tenha feito uma nova Constituição, e sem que se tenha notificado o povo brasileiro de que ele tem um novo Senhor, faltou a publicidade para a validade do ato.
Houve a criação ilícita de uma instituição privada, constituída por pessoas não eleitas pelo povo, sem mandato, mas que se julgam no mesmo patamar de Governo que o Presidente da República, os Senadores e os Ministros do STF, constituindo-se num falso poder autônomo e paralelo. Trata-se de um estelionato intelectual, nada mais que isto.
A Constituição promulgada em 1988 diz, em seu artigo segundo: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Isto basta para que se verifique que a LEI Nº 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994, que cria um estatuto para uma autarquia extinta, ao caracterizar a OAB, entidade privada, como um ente federativo que não se submete ao controle da nação brasileira, nem de qualquer outro poder da República é completamente inconstitucional por qualquer ângulo que se veja a questão. O estatuto de uma entidade privada deve ser feito por seus associados, nunca pelo estado, portanto, a atual OAB, apropria-se ilegalmente, de algo que não foi feito para ela, mas para uma entidade extinta. Isto configura usurpação de poder.
Finalizando: não é competência do judiciário estabelecer a natureza jurídica das pessoas fictícias: Existe um órgão competente para isto.
A Comissão Nacional de Classificação (CONCLA), órgão do IBGE, criado por lei, e que inclui na sua composição todos os ministérios, inclusive o Ministério da Fazenda, é o responsável dentre outras atividades, pela classificação da natureza jurídica das pessoas fictícias atribuindo a elas códigos que as definem e que são usados pela Receita Federal ao se cadastrar uma pessoa jurídica, inclusive as de personalidade pública como as autarquias. E dentre os seus códigos não existe um código atribuído e definido para classificar pessoa jurídica “sui generis”, portanto, pessoa jurídica “sui generis” não existe.

Ordem dos Advogados do Brasil: Sociedade Não Personificada.

A única pessoa jurídica que nasce a partir da publicação da lei que a criou é a pessoa jurídica de direito público, as demais só têm existência após o registro no órgão competente: Cartório e Receita Federal.
Compete-nos agora averiguar a situação jurídica do Grupo de Pessoas que se intitula a nova Ordem dos Advogados do Brasil e assumiu, sem permissão legal, as funções do Estado brasileiro.
Podemos começar constatando aquilo que ela não é. Ela não é uma pessoa jurídica de direito público, pois não houve lei especial, lei específica que a criasse conforme requer o artigo 37, inciso XIX, da Constituição brasileira.
Deste artigo, depreende-se que criação de uma pessoa jurídica de direito público não pode ser através de lei genérica e vaga. Não pode ser um “jabuti”.
Este grupo de pessoas ou unidade de pessoas que se intitula a nova OAB, para que fosse legalmente reconhecido como uma pessoa jurídica de direito privado e possuísse capacidade jurídica precisaria cumprir as exigências do artigo 45 do Código Civil.
Como o registro dos atos constitutivos no registro competente e a necessária autorização do poder executivo para fiscalizar o exercício da profissão de advogado de seus associados, fato que também não ocorreu.
E mesmo que tivesse ocorrido, não lhe daria legitimidade para atribuir a si mesma as prerrogativas da LEI Nº 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994 que foi criada para atender a uma pessoa jurídica de direito público, uma vez que não compete ao poder público estabelecer o estatuto de uma associação privada.
Temos, então, que esta unidade de pessoas que se intitula Ordem dos Advogados, quanto à classificação de sua “personalidade jurídica”, ou é uma Sociedade de Fato, pois não possui atos constitutivos, ou é uma Sociedade Irregular, pois não os registrou e, rege-se pelo artigo 986 do Código Civil, por ser uma sociedade não personificada. Disto decorre que as suas normas internas não se aplicam a terceiros, mas tão somente aos seus associados.

Da Capacidade da Pessoa Jurídica

A capacidade da pessoa jurídica decorre da personalidade que a ordem jurídica lhe reconhece por ocasião de seu registro. Não se tem conhecimento de que esta unidade de pessoas que se intitula a nova OAB tenha registrado seus atos constitutivos, quando da extinção da autarquia OAB, consequentemente:
  1. Não tem direito à personalidade, a identificar-se como a nova Ordem dos Advogados ou à própria existência.
  2. Caso tenha dado continuidade às operações da antiga OAB na condição de administrador do espólio, é nada mais que uma pessoa jurídica sem personalidade jurídica.

Licitude de propósitos e fins lícitos

A partir da data de publicação do decreto que extinguiu a Ordem dos Advogados, seus dirigentes deveriam ter tomado as providências necessárias para a completa dissolução da pessoa jurídica; assumiram, nesta ocasião, uma condição equivalente à de administradores de um espólio, administradores de uma massa falida, assumiram a posição equivalente à dos responsáveis pelo encerramento de uma empresa.
E deveriam ter tomado as providências necessárias para a efetivação desta medida de encerramento das atividades da OAB, como o cancelamento de registros públicos, como CNPJ, dentre outras, além da elaboração de uma prestação de contas à União, com a devolução de bens e valores pertencentes à antiga autarquia. 
Mas, em vez disto, deram continuidade às atividades de uma entidade extinta pela lei. Apropriaram-se dos bens e funções da extinta autarquia, sem permissão legal, o que nos leva a questionar a licitude de seus propósitos, condição necessária para a constituição de uma nova pessoa jurídica.

Da ilicitude

A lei não admite que uma unidade de pessoas reunidas para a prática de atos ilícitos adquira personalidade jurídica, o que põe por terra a validade de todos os atos praticados por este grupo de pessoas em nome desta nova OAB, inclusive a capacidade para fiscalizar o exercício de qualquer tipo de profissão.
Das considerações acima decorre naturalmente que não há vínculo normatizado que crie uma relação jurídica entre os bacharéis em direito e esta sociedade não personificada que se intitula a nova OAB.
Nesta condição, o bacharel em direito é o sujeito ativo titular do direito subjetivo de fazer o que a norma jurídica não proíbe.
E a nova OAB é o sujeito passivo que tem o dever jurídico de respeitar o direito do sujeito ativo de exercer livremente a sua profissão.
Nunca é demais lembrar que no Brasil temos outras entidades que existem a margem da lei, como é o caso das facções criminosas. No entanto, estes grupos, por força de lei, não podem ser considerados pessoas jurídicas de espécie alguma. E o mesmo se dá com um grupo que se reúna para usurpar o Poder Público da nação.

* Agradecimento especial ao Dr. Robson Ramos. 

Autor


Itacir Amauri Flores

Itacir Amauri Flores, é natural de Florida Distrito de Santiago RS, tem 61 anos de idade e foi agraciado com o Título de Cidadão Portoalegrense conforme a Lei Municipal 12.214 de 31 de janeiro de 2017. Bacharel em Ciências jurídicas, Bacharel em Segurança Pública, Jornalista, Vice-presidente e Vogal da JUCIS RS – Junta Comercial, Industrial e Serviços do Rio Grande do Sul, Oficial Superior da Brigada Militar com curso de aperfeiçoamento em Gerenciamento em local de desastre, serviu na PE - Polícia do Exército Brasileiro, atuou na Casa Militar e Defesa Civil do RS,Sócio efetivo da ARI – Associação Riograndense de Imprensa, Pós Graduado em Direito comercial, MBA em Executivo em Segurança Privada – Safety & Security, escritor com diversos artigos publicados, Debatedor nacional sobre a inconstitucionalidade do Exame de Ordem da OAB, motivador da tramitação no Congresso Nacional do PL 1211/11, que originou a Lei Federal 13.432/17, que reconheceu a profissão de Detetive Particular no Brasil, Mestre Maçom, Rotariano, Leonino e Escotista (fundador do GE Jaguar Feroz na cidade de Jaguari RS e GE Guardiões da Fronteira na cidade de São Borja RS), ativista político, foi 1º suplente de vereador em Santiago RS, foi Diretor de Atividades Complementares, Coordenador de Bancada e da Mesa Legislativa da Câmara Municipal de Porto Alegre RS, Condecorado com as medalhas de 10 e 20 anos de excelentes serviços ao Estado do RS e Medalha da Defesa Civil pelos relevantes serviços prestados ao povo rio-grandense.

Tchaikovsky: Piano Concerto nr. 1 - Sofia Vasheruk (piano) - Finale YPF ...

VEJAM QUE A FINADA "OAB" FEZ PARA COMIGO! UMA DESGRAÇA!!!

Andamento do Processo n. 0010155-66.2015.4.01.3300 - Apelação Cível - 24/01/2019 do TRF-1

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
há 3 meses
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Ctur8 - Coordenadoria da Oitava Turma - Trf1
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO
OITAVA TURMA
APELAÇÃO CÍVEL 0010155-66.2015.4.01.3300/BA
Processo na Origem: 101556620154013300
RELATOR(A) : DESEMBARGADOR FEDERAL NOVÉLY VILANOVA
OAB
DIREITO ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM AÇÃO DE CONHECIMENTO. EXAME DE ORDEM/OAB. EXIGÊNCIA DO EDITAL DE UM RECURSO ADMINISTRATIVO PARA CADA QUESTÃO.
1. Reprovado nas questões “5-E” da prova prático profissional, bem como os itens “2-A”, “2-B”, “3-B e “4-A”, cabia ao autor interpor um recurso para cada uma dessas questões como prevê o respectivo edital do XV Exame de Ordem Unificado: “5.5. Cada examinando poderá interpor um recurso por questão objetiva, por questão prática e acerca da peça profissional, limitado a até 5.000 (cinco mil) caracteres cada um”.
2. A regra do edital é clara e foi exigida de todos os candidatos, não havendo assim violação do princípio da proporcionalidade na prática desse ato administrativo.
3. O subitem 5.5 do edital do exame de ordem não configura nenhuma ofensa ao princípio da eficiência previsto no art. 2º da Lei 9.784/1999, levando em conta, sobretudo, a exigência da regra para todos os candidatos e a restrita jurisprudência acerca da impossibilidade de controle judicial de formulação ou correção de prova, especialmente de prova subjetiva.
4. Embargos declaratórios do autor providos sem efeito infringente.
ACÓRDÃO
A 8ª Turma, por unanimidade, deu provimento os embargos declaratórios do autor sem efeito infringente, nos termos do voto do relator.
Brasília, 10.12.2018
NOVÉLY VILANOVA DA SILVA REIS
Desembargador Federal Relator

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Hamas repudia visita de Bolsonaro a Israel e pede “retratação”

Hamas repudia visita de Bolsonaro a Israel e pede “retratação”

Em nota, o grupo repudia a visita de Bolsonaro ao Muro das Lamentações, além da decisão de criar um escritório comercial do Brasil em Jerusalém

São Paulo — O movimento islamita Hamas divulgou nesta segunda-feira (01) uma nota crítica à visita do presidente Jair Bolsonaro a Israel, em um gesto que foi considerado uma “violação às leis e normas internacionais”.
Publicado no site do grupo, que é considerado a maior organização islâmica nos territórios palestinos, o texto repudia a visita de Bolsonaro ao Muro das Lamentações, além da decisão de criar um escritório comercial do Brasil em Jerusalém.
“O movimento Hamas condena veementemente a visita do presidente brasileiro Jair Bolsonaro à ocupação israelense como um movimento que não apenas contradiz a atitude histórica do povo brasileiro, que apoia a luta pela liberdade do povo palestino contra a ocupação, mas também viola as leis e normas internacionais”, diz trecho da nota.
Para eles, Bolsonaro e o Brasil precisam se retratar pela visita. “O Hamas conclama o Brasil a reverter imediatamente essa política que é contra o direito internacional e as posições de apoio do povo brasileiro e dos povos da América Latina”.
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O grupo pede, ainda, que outras organizações pressionem o governo do Brasil para reverter a sinalização de que o país está ao lado de Israel na disputa pelo território da região.
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“O Hamas chama a Liga Árabe, a Organização da Cooperação Islâmica e todas as organizações internacionais para pressionar o governo brasileiro a derrubar esses movimentos que apoiam a ocupação israelense e fornecem cobertura para seus abomináveis ​​crimes e violações contra o povo palestino”, conclui.

Leia a nota na íntegra

“Sobre a visita do presidente brasileiro à ocupação israelense, o movimento Hamas afirma o seguinte:
O movimento Hamas condena veementemente a visita do presidente brasileiro Jair Bolsonaro à ocupação israelense como um movimentação que não apenas contradiz a atitude histórica do povo brasileiro que apoia a luta pela liberdade do povo palestino contra a ocupação, mas também viola as leis e normas internacionais.
Particularmente, o Hamas denuncia que o presidente brasileiro fez uma visita à Cidade Santa de Jerusalém e ao Muro das Lamentações acompanhado pelo primeiro-ministro das ocupações israelenses. O movimento também condena o plano anunciado de criação de um escritório comercial para o Brasil em Jerusalém.
O Hamas conclama o Brasil a reverter imediatamente essa política que é contra o direito internacional e as posições de apoio do povo brasileiro e dos povos da América Latina. Ressaltamos que essa política não atende à estabilidade e segurança da região e ameaça os laços brasileiros com nações árabes e islâmicas.
Finalmente, o Hamas insta a Liga Árabe, a Organização da Cooperação Islâmica e todas as organizações internacionais a pressionar o governo brasileiro a derrubar esses movimentos que apoiam a ocupação israelense e fornecer cobertura para seus abomináveis ​​crimes e violações contra o povo palestino”.

Visita ao Muro das Lamentações

O presidente Bolsonaro visitou nesta segunda-feira (01), ao lado do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, o Muro das Lamentações, em Jerusalém.
A decisão fez com que ele se tornasse o primeiro chefe de Estado a realizar tal visita ao lado de um primeiro-ministro israelense, segundo o Chancelaria de Israel.
Rompendo com a prática diplomática, Bolsonaro foi ao local mais sagrado do judaísmo com Netanyahu.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI - EDUARDO ALVES DA COSTA - POR IVAN LIMA

No caminho com Maiakósvki


No caminho com Maiakósvki – O poema amaldiçoado de Eduardo Alves da Costa

Em 1964, os versos do brasileiro Eduardo Alves da Costa foram atribuídos ao poeta russo Vladimir Vladimirovitch Maiakovski. O episódio o tornou famoso, mas criou uma maldição que, 50 anos depois, ainda esconde sua prosa. Depois do golpe militar no Brasil, o poema “No caminho com Maiakóvski” passou a ser declamado em protestos nas ruas, assembleias de estudantes e sindicatos. Seus versos simples e diretos foram usados como libelo contra a ditadura.
Naquele tempo, como muito tempo depois, o poema foi atribuído ao escritor de vanguarda soviético Vladímir Maiakóvski (1893-1930). Os manifestantes imaginavam declamar uma tradução anônima de algum militante comunista. Na realidade, como revelariam reportagens nos 44 anos seguintes, o autor do poema era um brasileiro: Eduardo Alves da Costa. Pouca gente acreditou nisso. Muitos preferiram acreditar que Costa não passava do tal tradutor comunista. A versão parecia mais bonita que o fato, e o poema – afinal – soava bom demais para ser brasileiro. Foi assim que Costa virou Maiakóvski.
Confira no vídeo, o poema amaldiçoado de Eduardo Alves da Costa na bela interpretação do ator Ivan Lima.

No caminho com Maiakósvki

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do heroi,
assim me aproximo de ti, Maiakósvki.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz:
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.
Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas no tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares,
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo.
Por temor, aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita – MENTIRA!

“Eu tinha 27 anos, militava na esquerda e pensei em Maiakóvski quando escrevi o poema”, diz Costa, enquanto toma água mineral num café no bairro de Higienópolis, em São Paulo. “Estava sentado num banco na Praça da República, no centro de São Paulo, quando me veio a ideia. Imaginei uma conversa com o poeta que mais admirava. Fui para casa e passei o texto a limpo.” Logo os versos se popularizaram, até fora do Brasil. Ainda hoje, passados 50 anos, há pôsteres com traduções de “No caminho, com Maiakóvski” decorando paredes de cafés de Londres, Paris e Praga. Tornou-se um dos poemas brasileiros mais conhecidos no mundo. Comicamente, há críticos que afirmam tratar-se do poema mais importante da vanguarda soviética. Até hoje, Maiakóvski não foi totalmente desmascarado.

“Esse negócio de Maiakóvski foi uma maldição”, afirma Costa, com um sorriso resignado. “Ajudou a chamar a atenção para minha poesia, mas ocultou toda a minha obra.”Costa não fez outro sucesso fora o poema, mesmo sendo um prosador hiperativo. Publicou quatro livros de poesia, três de contos, quatro romances e cinco peças de teatro. Aos 78 anos, ele volta a lançar uma obra literária, o romance Tango, com violino (Tordesilhas, 353 páginas, R$ 42), uma mistura de “road story” com romance filosófico, ambientado em São Paulo. Seu protagonista, Abeliano, é um professor de história aposentado que, apesar de chegar aos 70 anos, se comporta como um jovem rebelde. Mora num quarto de hotel no centro de São Paulo e, na falta de outro passatempo, toma ônibus ao acaso. Ali, topa com figuras banais e estranhas, enquanto faz uma crítica do mundo atual e reflete com ironia sobre envelhecer no século XXI. “O ônibus é o símbolo da transitoriedade da vida”, afirma Costa. É uma quase autobiografia, em terceira pessoa. “Certas situações e a maneira de sentir são minhas. Enfrento a terceira idade com alegria. Em geral, os livros sobre o tema trazem pessoas doentes, tristes ou deprimidas. Quis fugir disso. Abeliano não desiste de viver. Ele se recusa não a envelhecer, mas a ficar fora do mundo”. Niilista e alegre, Abeliano lembra Holden Caulfield, o anti-herói adolescente do romance O apanhador no campo de centeio, do americano J.D. Salinger (1919-2010). É como se Holden contasse a incrível aventura de sua velhice.
Outra analogia com Salinger é que Costa, nascido em Niterói em 1936 e criado em São Paulo, isolou-se do ambiente cultural para escrever. Fez como Salinger, que passou 45 anos confinado em sua casa de campo. Costa vive na Praia de Picinguaba, em Ubatuba, Litoral Norte de São Paulo, com a mulher, a produtora Antonieta Felmanas. Neste ponto, terminam as semelhanças com o rabugento Salinger, pois Costa é bem-humorado e conversador. Com seu ar de hippie elegante e o chapéu-panamá eternamente na cabeça, não aparenta a idade que tem. Consegue fazer piadas impiedosas sobre si mesmo, outro sinal de inteligência e vigor de espírito. “Não sou nem de direita nem de esquerda”, diz. “Sou do alto. Virei místico.” Ele costuma viajar para São Paulo a cada dois meses, para rever amigos e parentes e tratar de problemas do Projeto Anchieta, uma ONG de ajuda a comunidades carentes que fundou no bairro de Grajaú, em São Paulo. “Não me preocupei com carreira”, afirma. “Preferi estar próximo aos seres humanos e me dedicar à paixão pela vida. Casei cinco vezes, criei um filho e uma filha e me envolvi com os pobres. A vida é maior que a literatura”.
Fonte: Época

terça-feira, 2 de abril de 2019

Obrigatoriedade do Exame de Ordem da OAB pode estar com os dias conta

Obrigatoriedade do Exame de Ordem da OAB pode estar com os dias conta


Publicado por DR. ADEvogado



O governo deve anunciar nos próximos dias uma medida que põe fim na exigência do Exame de Ordem para Bacharéis em Direito. O site Justiça Em Foco apurou a veracidade da informação e de acordo com interlocutores do Palácio do Planalto, será apresentado ao presidente Jair Bolsonaro o documento que que insere os profissionais de Direito no mercado de trabalho, atualmente impedidos de exercerem a advocacia por conta da prova da OAB. O documento deve ser divulgado logo após o retorno do presidente da viagem à Israel, na próxima quarta-feira (03).
Atualmente a prova, aplicada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é exigência fundamental para bacharéis exercerem a advocacia. Caso a medida seja concretizada, Bolsonaro cumpre uma de suas promessas de campanha. Em contrapartida, cria instabilidade harmônica com a OAB Federal e suas Seccionais. Alguns representantes da OAB já se manifestaram em entrevista ao Justiça Em Foco serem contrários a retirada da obrigatoriedade do Exame da Ordem.
Todavia, a atuação da OAB na atualidade é sinal de questionamento para diversos setores da sociedade civil. De acordo com o Decreto Nº 11 em seu Anexo IV, emitido em 18 de janeiro de 1991, a OAB desde essa data deixa de integrar “a Administração Pública brasileira”. Ou seja, “desde então a norma declara o atestado de óbito da entidade pública OAB”, informa interlocutores.
Ao justificar à medida que extingue a obrigatoriedade do Exame, fontes argumentam que o governo tem autonomia disponível no Artigo Nº 84, inciso IV da Constituição Federal. A norma diz que “compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”, diz o dispositivo constitucional. Segundo as informações repassadas ao Justiça Em Foco, a norma presidencial deve ressaltar ainda que “todos os atos praticados por provimento pelos Presidentes da OAB a partir de 1991 devem se declarar nulos”.


Existência da OAB

A Ordem dos Advogados do Brasil foi criada por meio de Decreto Presidencial (Nº 19.408 de 1930), sendo inserida no Ministério da Justiça. Com base nessa norma foi criada no ano de 1963 uma legislação (Nº 4.215/63) que em seu Artigo 1º ressaltou a criação e a atuação da OAB. No entanto, com a reformulação da Estrutura Regimental do Ministério da Justiça, em 1991, a OAB foi retirada das atribuições do Ministério da Justiça, deixando de ser “uma autarquia do Estado”, explica defensores da retirada da exigência do Exame da Ordem para bacharéis em Direito.
Ao entrar em vigor o Estatuto da Advocacia, com a lei Nº 8906/1994, foi definido também a organização administrativa da OAB. No Artigo Nº 44, inciso segundo, parágrafo primeiro ressalta que “a OAB não mantém com órgão da Administração Pública qualquer vínculo funcional hierárquico”. Com base nesse tópico, aliados de Bolsonaro ressaltam que o Conselho Federal da OAB não tem direito de controlar o acesso de bacharéis ao mercado de trabalho.

Repercussão

Desde o início do ano o Justiça Em Foco vem realizando entrevistas com presidentes das Seccionais da OAB sobre a possibilidade de extinção do Exame da Ordem. Veja abaixo o que alguns responderam.
O presidente da OAB no DF, Délio Lins, ressaltou que qualquer atitude em coibir a prova da OAB é perigosa. “Qualquer iniciativa contrária ao Exame de ordem é avaliada pela OAB como negativa e perigosa, seja pelo presidente Jair Bolsonaro ou por outra autoridade. Toda a Ordem, incluindo as seccionais, vai ter uma atitude no sentido de coibir qualquer ato nesse sentido”, defendeu.
Representando a Seccional de Mato Grosso, Leonardo Campos, acredita que o Exame filtra os melhores profissionais para atuar na advocacia. “O Exame da OAB e os exames de proficiência, de uma forma geral, são uma garantia mínima de se colocar à disposição da sociedade um profissional com capacidade técnica para atender à sua demanda, em especial, na advocacia”, disse.
O representante da Seccional da Bahia, Fabrício de Castro, chegou a dizer que a prova traz qualificação para todo o ramo do Direito. “O Exame de Ordem é fundamental para garantir o exercício da advocacia com qualidade. Em virtude de uma política equivocada do governo federal, de todos os governos de FHC para cá, foram abertos diversos cursos de direito, que, efetivamente, não têm condições de oferecer boa qualidade de ensino”, avaliou.
Ao defender a manutenção do Exame, o paranaense Cássio Telles destacou que uma das responsabilidades do advogado é zelar por direitos individuais. “O advogado tem a responsabilidade de zelar pelos maiores bens de uma pessoa – sua vida, sua honra e sua liberdade. Portanto, é imprescindível, que a OAB não apenas siga com o Exame de Ordem, mas que o aprimore para que cada advogado brasileiro possa bem cumprir sua missão de defender seus representados”, pontuou.
O paulista Caio Augusto relatou que o Exame de Ordem insere os melhores profissionais no mercado. “O Exame de Ordem é um filtro para que, somente aqueles que demonstrem efetivamente terem conhecimento possam estar ao lado do cidadão no exercício da defesa dos seus direitos. De nada adiantaria a legislação favorável a previsão de direitos, se nós não tivéssemos a oportunidade de defender esses direitos e ao advogado é atribuída tal missão”, opinou.

Infração a nível internacional

Em setembro de 2018 foi protocolado junto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington, um documento que denuncia o Brasil por crime contra a humanidade e contra os bacharéis em Direito. A ação, realizada pela Associação Nacional dos Bacharéis (ANB), alega que “o governo brasileiro é conivente e partícipe do crime por obrigar pessoas a fazerem prova para exercer uma profissão”, diz o documento.
De acordo com a ANB a atuação da OAB em exigir o Exame para o exercício da advocacia fere o Pacto de San José da Costa Rica e o Protocolo de San Salvador. Além disso, o documento aponta que a conduta do Conselho Federal fere “diversos tratados internacionais que ressaltam a livre vocação trabalhista”, diz um trecho do processo. Atualmente, mais de 460 mil bacharéis em Direito não estão inscritos e fora do mercado de trabalho, segundo dados da ANB.
(Fonte: www.justicaemfoco.com.br)

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quarta-feira, 27 de março de 2019

Quilombo dos Palmares e as falsidades da Consciência Negra


Quilombo dos Palmares e as falsidades da Consciência Negra



As ONGs procuram mitificar a história do Quilombo dos Palmares, apresentando-o como um refúgio de liberdade do negro perseguido. A realidade histórica, entretanto, difere bastante dessa criação legendária. Na verdade, o referido quilombo espalhava terror, mesmo entre muitos negros.
José de Souza Martins denuncia a mistificação do Quilombo dos Palmares ao denunciar a existência da escravidão dentro dele: “Os escravos que se recusavam a fugir das fazendas e ir para os quilombos eram capturados e convertidos em cativos dos quilombos. A luta de Palmares não era contra a iniquidade desumanizadora da escravidão. Era apenas recusa da escravidão própria, mas não da escravidão alheia. As etnias de que procederam os escravos negros do Brasil praticavam e praticam a escravidão ainda hoje, na África. Não raro capturavam seus iguais para vendê-los aos traficantes. Ainda o fazem. Não faz muito tempo, os bantos, do mesmo grupo linguístico de que procede Zumbi, foram denunciados na ONU por escravizarem pigmeus nos Camarões”. (José de Souza Martins, Divisões Perigosas, Ed. Civilização Brasileira, Rio, 2007, p. 99)
Faz parte da propaganda de certos movimentos negros exaltar a figura de Zumbi [pintura acima] como libertador dos escravos. Ora, a ascensão dele se deu após o assassinato do tio: “Depois de feitas as pazes em 1678, os negros mataram o rei Ganga-Zumba, envenenando-o, e Zumbi assumiu o governo e o comando-em-chefe do Quilombo”. (Edison Carneiro, O Quilombo dos Palmares, Ed. Civilização Brasileira, 3a ed., Rio, 1966, p. 35)
Carneiro confirma o governo despótico de Zumbi: “Nina Rodrigues esclarece que nos Palmares havia ‘um governo central despótico’ semelhante aos da África na ocasião”. (idem, p. 4) Não havia liberdade para sair: “Se algum escravo fugia dos Palmares, eram enviados negros no seu encalço e, se capturado, era executado pela ‘severa justiça’ do quilombo”. (idem, p. 4)
Zumbi rompeu as pazes e espalhou o terror. Tais eram as devastações que os quilombolas espalhavam em torno de si que a pedido da população circunvizinha foram organizadas as expedições armadas das quais resultou a sua destruição de Palmares.
Décio Freitas, autor do livro Palmares – A Guerra dos Escravos, em entrevista para a “Folha de S. Paulo”, confessou que depois das pesquisas, “ele tem hoje uma visão diferente do líder negro Zumbi. ‘Acho que, se ele tivesse sido menos radical e mais diplomático, como foi seu tio Ganga-Zumba, teria possivelmente alterado os rumos da escravidão no Brasil.’’ (http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/zumbi_17.htm).
Zumbi não tinha pretensões de libertar os escravos – maior mercadoria da África – e mantinha os costumes ali vigentes pelos quais algumas etnias escravizavam os seus inimigos.
Os portugueses, na maior parte das vezes, não capturavam os escravos, mas os compravam das tribos africanas. Até hoje a escravidão é praticada em várias regiões da África. Zumbi mantinha escravos de tribos inimigas para os trabalhos do quilombo.
Fonte: Revolução Quilombola, Guerra racial, Confisco agrário e urbano, Coletivismo, Nelson Ramos Barretto, Editora Artpress, SP, 2009, pp. 106-108