quinta-feira, 21 de maio de 2015

Sobre Gita Gogoia

Sobre Gita Gogoia 

                                                                          Brunner M.

18/02/2011
Noite passada eu ouvia uma música do Caetano chamada “Reconvexo”. A canção possui uma letra inteligente e poética, mas um pouco complexa de ser entendida. Um certo verso, que diz: “Sou Gita Gogoia, seu olho me olha, mas não me pode alcançar”, me instiga a imaginação. Afinal, que diabos é “Gita Gogoia”? Hoje tal questionamento estimulou meu espírito investigativo e, consequentemente, me levou a descobertas.
O processo de descobertas hoje me levou a refletir não apenas sobre meu objeto de pesquisa, mas também sobre o próprio sentido das descobertas. Quel seria o sentido da existência humana se não fossem as descobertas? Nossa “civilização” se moldou e se atrelou ao descobrimento disso, daquilo e aquilo mais. Subtraímos também o sentido da existência em um plano muito mais reduzido, a partir das descobertas pessoais de cada individuo.
Testamos e somos testados a cada momento, e assim descobrimos o mundo ao nosso redor. As possibilidades de descobertas são infinitas e constantes. Posso agora parar de escrever esse texto, abrir um site qualquer sobre música, descobrir o nome de uma banda de rock do Irã (será que tem banda de rock no Irã?), ouvir, gostar, apagar todas as linhas já escritas deste texto e escrever sobre a tal banda.
Para efeito de curiosidade, quer saber os resultados da minha pesquisa sobre a expressão utilizada por Caetano? Bom, eu imaginava que Gita Gogóia fosse, quem sabe, uma mulher desejada da Bahia ou algo assim, minha descoberta derrubou minha desconfiança e me despertou mais fascinação. Gita Gogóia nunca existiu, este nome é uma junção de Gita, da música “Gita” de Raul Seixas, e Gogóia da música “Fruta Gogóia” do antológico álbum de Gal Costa “Fa-Tal: Gal A Todo Vapor”.
Esta pesquisa não poderia parar por aí. O que significa Gita? O que significa Gogóia? O que significa os dois nomes juntos?
Muitos afirmam que a música “Gita” é satânica. Mas seu real significado aparentemente nada tem a ver com Satanás. Para começar, já ouviu falar do Mahabarata? O Mahabarata é o livro sagrado mais importante do hinduísmo e sua autoria é atribuída a Krishna, forma materializada do divino. O Mahabarata é considerado um manual de psicologia evolutiva do ser humano e, com seus 90 mil versos, é a obra com o maior volume de textos da humanidade. Inserido no Mahabarata está o “Bhagavad Gita” (“A Canção do Senhor”), o texto sagrado mais popular do hinduísmo. No “Bhagavad Gita”, Krishna, expõe os pontos mais importantes do hinduísmo, como no trecho: “Aquele cujo coração não se atém às impressões exteriores encontra em si mesmo a felicidade; em união mística com Brahma através da Yoga, desfruta perpétua bem-aventurança.”
Além de realizar síntese filosófica do hinduísmo, Krishna discorre sobre sua universilidade e plenitude. Em um dado momento cita: “Entre as estrelas sou a lua… entre os animais selvagens sou o leão… dos peixes eu sou o tubarão…. de todas as criações eu sou o início e também o fim e também o meio… das letras eu sou a letra A… eu sou a morte que tudo devora e o gerador de todas as coisas ainda por existir… sou o jogo de azar dos enganadores…”. Neste trecho fica evidente a inspiração de Raul Seixas e Paulo Coelho para comporem sua Gita. Gita é, portanto, um hino, um canto que, elevado à significância hindu, é um canto sagrado.
Vamos agora à Gogoia. Gal Costa abre seu ótimo show/álbum de 1971, “Fa-Tal: Gal A Todo Vapor”, com a frase “Eu sou uma fruta gogoia, Eu sou uma moça”. Os dicionários de português dizem que “gogoia” é o nome de uma espécie de melancia de praia, mas esse provavelmente não é o que o cancioneiro popular quer traduzir. Pela observância das autoafirmações da letra desta canção do folclore baiano, é possível arriscar um significado para “gogoia” como algo exuberante, levado, em personificação humana, para um caráter sexual, talvez.
Antes de partir para as conclusões, note a semelhança das construções de “Gita”, “Fruta Gogoia” e “Reconvexo’, perceba a abundancia da afirmação “eu sou”.GITA: “(…) Eu sou a luz das estrelas/ Eu sou a cor do luar/ Eu sou as coisas da vida/ Eu sou o medo de amar/ Eu sou o medo do fraco/ A força da imaginação/ O blefe do jogador/ Eu sou!… Eu fui!… Eu vou!…/ Gita! Gita! Gita! Gita! Gita!/Eu sou o seu sacrifício/ A placa de contra-mão/ O sangue no olhar do vampiro/ E as juras da maldição/ Eu sou a vela que acende/ Eu sou a luz que se apaga/ Eu sou a beira do abismo/ Eu sou o tudo e o nada (…)”

FRUTA GOGOIA: “Eu sou uma fruta gogoia/ Eu sou uma moça/ Eu sou calunga de louça/ Eu sou uma jóia/ Eu sou a chuva que molha/ Que refresca bem/ Eu sou o balanço do trem/ Carreira de Tróia/ Eu sou a tirana bóia/ Eu sou o mar/ Samba que eu ensaiar/ Mestre não olha.”

RECONVEXO: (…) Eu sou a chuva que lança a areia do Saara/ Sobre os automóveis de Roma/ Eu sou a sereia que dança/ A destemida Iara/ Água e folha da Amazônia/ Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra (…) Eu sou um preto norte-americano forte / Com um brinco de ouro na orelha/ Eu sou a flor da primeira música/ A mais velha/ A mais nova espada e seu corte/ Sou o cheiro dos livros desesperados/ Sou Gitá Gogóia/ Seu olho me olha mas não me pode alcançar(…)”
Entender Caetano não é tarefa fácil. Talvez nem ele mesmo se entenda e talvez nem ele saiba o que quis dizer com “Gita Gogoia”. O significado possivelmente pode estar associado à profanação, ou, enxugando ao máximo, simplesmente à exuberância de uma canção. Porém, ao chegar a esta conclusão, me dei conta de que sua veracidade ou o equivoco, não é o que mais importa. Não, essa informação não mudou a minha vida, mas não apenas de life-changings vivem os seres humanos. O número de descobertas, reflexões e conexões que realizei por conta de uma simples palavra, como mostrei acima, foi fantástico. Para terminar, reafirmo o que disse lá no inicio desta história toda. A todo instante estamos sujeitos a um número inimaginável de descobertas e isso é como um combustível para nossa vida intelectual, psicológica e física. Amém!

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