sábado, 30 de junho de 2018

A GRANDEZA E A MISÉRIA DO SER HUMANO

Enquanto um rapaz de 21 anos é covardemente espancado por proteger um morador de rua, no Rio, outro, também de 21 anos, vitimizado pela drogadição, esfaqueia pai e mãe, em Guarulhos

13 de Fevereiro de 2012 às 18:27

Gabriel Chalita

Dois fatos recentes, veiculados na mídia, remetem-nos a uma reflexão sobre a dualidade humana. Sobre as misérias e as grandezas do ser humano. Pascal, filósofo francês racionalista do século XVII, afirmava que o homem é um ser paradoxal, é um complexo de bem e de mal e cujas ações ora geram desprezo, ora geram respeitabilidade, apreço. Ítalo Calvino, escritor realista da literatura italiana, apresentou-nos, alegoricamente, sua curiosa personagem Visconde de Medrado, na obra O visconde partido ao meio. A história, aparentemente simples, narra a trajetória de Medrado, um homem que, após levar um tiro de canhão, dividiu-se em dois: uma metade completamente boa e outra absolutamente má. A primeira, por onde passava, semeava amor, bondade, grandeza de caráter. A outra, por sua vez, espargia a guerra, a discórdia, a miséria.
Enquanto um rapaz de 21 anos, Vítor Suarez Cunha, é covardemente espancado por proteger um morador de rua dos ataques brutais de outros jovens, na Ilha do Governador, no RJ; outro, o estudante universitário Henrique Ramos Vieira, também de 21 anos, vitimizado pela drogadição, esfaqueia pai e mãe, em Guarulhos, SP, fugindo à responsabilidade da própria vida. Duas histórias. Duas vidas. Duas faces de uma mesma condição: a condição de existir e conviver na sociedade. A justificativa para as atitudes desses dois rapazes, de futuros tão igualmente possíveis, mas de destinos tão distintos – agora – de responsabilidades está, certamente, relacionada às formas como cada um desses jovens foi acolhido e “preparado” para o enfrentamento da vida e de suas escolhas pessoais.
É na família, primeiramente, que somos formados. Os valores vivenciados, os exemplos de nossos pais, o alimento moral que nos é dado, diária e cuidadosamente, nos guiarão – em geral – ao exercício do bem, ao respeito ao próximo, ao prazer da liberdade, ao direcionamento correto de nossas vidas. No entanto, isso não basta. Há famílias que imaginam ter cumprido seu papel de amor e de dedicação integral aos seus filhos e que servem de palco a tragédias, como a do filho que matou os pais, provavelmente tomado pelo desespero e pela alteração de padrões impostos pelo uso da droga.
A escola, como um centro de luz, também é partícipe nessa formação. Educar para a vida. Aprender a ser e a conviver fazem parte do processo de ensino e aprendizagem. As políticas públicas voltadas à juventude precisam fazer a sua parte no acolhimento e na oferta de oportunidades a esses jovens. Jovens que se perdem, desperdiçam vidas, sacrificados pela ausência de regras, de limites, de chances de crescimento íntimo e social. A juventude é terreno fértil em que, lançadas, as boas sementes darão, indubitavelmente, bons frutos. Não há como os gestores se furtarem às suas responsabilidades na construção de um país digno, justo, correto para todos, ficando ausentes ao desolamento, à alienação.
O jovem necessita de um tema para viver, ensina-nos o príncipe dos poetas brasileiros, Paulo Bonfim. É essencial que haja caminhos bons e diversos, que lhes ofereçam apoio na construção de seus futuros e na superação de seus desafios.
A solução que Calvino dá ao leitor, ao final de sua quase fábula, sobre os extremos humanos, a mutilação de personalidades, as vidas fracionadas, está na coerência do equilíbrio, no desenvolvimento do coração, do espírito, da alma humana. É como a história do velho índio que dizia ter, dentro de si, dois cachorros – um bom e um mau –, mas que alimentava apenas o bom, minimizando a força do outro. Os alimentos desses jovens estão no seio familiar, na boa educação, no investimento público em esporte, lazer e cultura. Sem maniqueísmos nem julgamentos precipitados. Colhamos bons valores para que a bondade de Vítor se multiplique. Quanto a Henrique, triste escolha, desamor. “A neutralidade é impossível: é necessário apostar!”, orientava Pascal.

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