A bomba do fim do mundo
A incrível história da bomba atômica 3 mil vezes mais potente que a de Hiroshima – e o que aconteceu quando ela explodiu
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12 jun 2018, 17h53 - Publicado em 11 dez 2015, 15h30
A hiperbomba foi detonada no Círculo Polar Ártico, na ilha de Nova Zemlia, um local desabitado que os soviéticos costumavam usar para testes nucleares. A força da Bomba Tsar, de aproximadamente 50 megatons, equivale a 50 milhões de toneladas de dinamite, ou a 3.300 bombas de Hiroshima (cuja detonação completou 70 anos no mês passado). Sozinha, ela é dez vezes mais potente do que todos os explosivos da Segunda Guerra Mundial – somados. O cogumelo nuclear chegou a 64 quilômetros de altura, seis vezes a altitude em que voam os aviões comerciais, e sete vezes o tamanho do Monte Everest. Atingiu a mesosfera, a camada da atmosfera onde os meteoritos entram em combustão.
Ela foi lançada por um bombardeiro Tupolev TU-95, que era comandado pelo major Andrei Durnovtsev, e liberada a uma altitude de 10.500 metros. Um paraquedas retardou a queda da bomba, que pesava 25 toneladas, para que o avião tivesse tempo de se afastar antes da explosão. Quase não deu. O avião voava a 644 km/h, e já estava a 45 quilômetros de distância quando a detonação aconteceu, quatro minutos depois. Mesmo assim, foi atingido pela onda de choque e quase caiu – despencou mil metros de uma vez só. Outras aeronaves observaram e filmaram o momento em que a Bomba Tsar foi detonada. “O espetáculo era fantástico, irreal, sobrenatural”, disse um dos militares que documentaram a operação. Segundo ele, à medida que a bola de fogo crescia, parecia sugar a terra.
Embora a bomba tenha sido detonada no ar, a 4 quilômetros do chão, seus efeitos no solo foram devastadores. “A superfície da ilha foi nivelada, varrida e polida, como se virasse uma pista de patinação. A mesma coisa aconteceu com as pedras. A neve derreteu e suas bordas estão brilhando. Não há um sinal de imperfeição no solo”, disse o relatório soviético sobre a inspeção no lugar, tempos depois. Tudo no local havia sido destruído e derretido. Outros efeitos da explosão foram percebidos muito longe dali. O clarão foi avistado a uma distância de 1.000 quilômetros, mesmo com céu nublado. Um observador a 270 quilômetros de distância viu o lampejo mesmo de óculos escuros e pôde sentir o calor emitido pela explosão. A onda de choque derrubou as casas de madeira e arrancou telhados, janelas e portas de casas de alvenaria. Qualquer pessoa que estivesse num raio de 100 quilômetros do centro da explosão sofreria queimaduras de terceiro grau.
As bombas nucleares causam três tipos diferentes de dano. O primeiro é a onda de choque, que, dependendo da potência da arma, derruba prédios em uma grande área e arremessa as pessoas atingidas. Depois vem a onda de calor, que incinera tudo o que está na região e provoca queimaduras graves. Por último, vem a radiação. O centro da explosão fica altamente contaminado por radioatividade. Mas a bomba também espalha poeira radioativa, que é levantada pelo vento e cai a milhares de quilômetros de distância, junto com a chuva. Isso significa que áreas gigantescas podem ficar contaminadas, por muito tempo. O Atol de Bikini, no Pacífico, onde os americanos fizeram testes nucleares na década de 1950, continua inabitável até hoje.
Uma pequena comparação pode dar uma ideia melhor dos terríveis efeitos daBomba Tsar. Se tivesse sido detonada sobre a Avenida Paulista, no coração de São Paulo, a onda de choque derrubaria quase todas as construções num raio de 9 quilômetros – praticamente toda a região da capital paulista entre os rios Tietê e Pinheiros, o Aeroporto de Congonhas e o início da zona leste. Mas a coisa não pararia aí. Uma cratera de 340 metros de profundidade por 3 quilômetros de diâmetro tomaria todo a área central da metrópole. A bola de fogo, com aproximadamente 5 quilômetros de diâmetro, chegaria quase até o Parque do Ibirapuera, iniciando um grande incêndio que provavelmente se espalharia pela cidade. O calor provocaria queimaduras de terceiro grau até em moradores de Jundiaí, Atibaia, Mogi das Cruzes e Santos. A chuva radioativa poderia chegar ao sul da Bahia, dependendo da direção e velocidade dos ventos.
A hiperbomba russa era incrivelmente forte. Enquanto as armas nucleares americanas tinham potência suficiente para devastar uma cidade, o artefato russo era capaz de varrer do mapa Estados inteiros. Uma quantidade relativamente pequena de Bombas Tsar seria suficiente para arrasar a civilização como a conhecemos. E os russos queriam que todo mundo, em especial os EUA, soubesse disso.
No 22º Congresso do Partido Comunista, o secretário-geral Nikita Kruschev prometeu que os soviéticos criariam uma bomba nuclear de 100 megatons. Os próprios cientistas, no entanto, ficaram com receio do que poderia acontecer. Anos depois, os físicos Viktor Adamsky e Yuri Smirnov, que participaram do projeto, revelaram que uma explosão dessa magnitude teria gerado um tornado de fogo gigante, capaz de engolir uma área de mais de 30 mil quilômetros quadrados (um pouco maior que o Estado de Alagoas). Por isso, os russos acharam melhor reduzir a Bomba Tsar para 50 megatons. Ela tinha essa potência toda graças a uma inovação tecnológica: era umabomba atômica de três estágios.
As primeiras bombas atômicas, detonadas em Hiroshima e Nagasaki, tinham apenas um estágio. Grosso modo, elas funcionam da seguinte maneira. Um explosivo tradicional, colocado dentro da bomba, estoura – e comprime o material nuclear (urânio, no caso da bomba de Hiroshima, e plutônio, no caso da bomba de Nagasaki). Isso inicia uma reação de fissão nuclear, ou seja, a quebra dos núcleos dos átomos de urânio ou plutônio. Uma quantidade enorme de energia é liberada, e a bomba explode.
Na década de 1950, os americanos deram um passo além, e inventaram uma versão de dois estágios. É a bomba termonuclear, também conhecida comobomba de hidrogênio. Ela também faz fissão nuclear, como suas antecessoras. Só que não para aí. A energia gerada pela fissão é usada para espremer átomos de hidrogênio, que estão armazenados no segundo estágio da bomba, uns contra os outros. Eles se juntam, e acontece a chamada fusão nuclear – que libera ainda mais energia. É o que ocorre naturalmente em estrelas como o Sol.
Na Bomba Tsar, os cientistas acrescentaram um terceiro estágio – também de fusão de hidrogênio. O design inicial da arma soviética previa 50% de fissão e 50% de fusão para produzir os 100 megatons previstos. Mas, para domar a bomba, os cientistas trocaram parte do urânio por chumbo. Além de diminuir a potência da explosão, isso teve um efeito colateral surpreendente: a Bomba Tsar espalhava muito menos radiação do que seria normal numa explosão daquele tamanho. Isso evitou que ela contaminasse grandes áreas da Europa (e da própria URSS).
Tudo foi feito às pressas, e sob muita pressão política. Foram apenas quatro meses entre o início do projeto, no laboratório ultrassecreto Arzamas-16, e o teste em Nova Zemlia. O design da arma só ficou pronto em 24 de outubro, seis dias antes do lançamento. A equipe, liderada pelo físico nuclear Andrei Sakharov, teve de trabalhar com estimativas e projeções, porque não havia tempo. “Se não criarmos essa coisa, vamos ser enviados para construir ferrovias”, disse Sakharov, na época. A bomba mudaria a vida dele para sempre. Ao perceber a monstruosidade do que tinha inventado, ele se tornou um ativista antiarmas nucleares e, em 1975, recebeu o Prêmio Nobel da Paz.
A explosão da bomba provocou pânico em todo o mundo, e era exatamente isso o que os soviéticos queriam. Em nenhum momento Kruschev manteve segredo sobre o artefato. Pelo contrário. Fez questão de dizer que seria produzido e detonado, e que os americanos ficassem sabendo. É que, no início dos anos 1960, a situação geopolítica era desfavorável para os russos. A tensão em Berlim levou à construção do muro e, pouco tempo antes, a França detonara sua primeira bomba nuclear, transformando-se na quarta potência atômica, depois de Reino Unido, URSS e Estados Unidos. A BombaTsar, muito mais potente do que as armas dos outros países (o máximo que os EUA conseguiram chegar foi a 15 megatons, num teste em 1954), era uma demonstração de força – e também uma cartada dos soviéticos para desacelerar a corrida armamentista. “As bombas nucleares tinham ido muito além do que havíamos imaginado”, diz Andrew Futter, especialista em política internacional da Universidade de Leicester. Mais do que uma ação militar, a Bomba Tsar foi uma manobra política. Numa guerra real, ela não teria grande serventia prática, porque era muito pesada e precisava ser carregada por um avião grande e lento. “O tipo de aeronave necessária para lançá-la provavelmente seria derrubada”, explica Futter. Em suma: além de ser o artefato tecnológico mais destrutivo e assustador já criado pelo homem, a Bomba Tsar também era um blefe geopolítico. Deu certo.
A explosão reverberou pelo mundo e, dois anos depois, EUA e URSS assinaram um tratado para frear a corrida armamentista. A partir dele, ficou proibido testar bombas explodindo-as na atmosfera, sob a água (como nos oceanos) ou no espaço. A explosão da maior de todas as bombas, na prática, serviu para frear a escalada nuclear.
Americanos e russos continuaram se enfrentando e testando artefatos do tipo, mas em explosões subterrâneas e com armas de potência muito menor. (Hoje, os EUA possuem aproximadamente 5 mil armas nucleares, e os russos têm 3 mil – quase dez vezes menos do que nos anos 1960). A Guerra Fria ainda duraria três décadas. Mas a corrida para desenvolver bombas cada vez maiores parou ali. Graças à Tsar.
BOMBA DE NÊUTRONS
Na mesma época em que os soviéticos
desenvolveram a Bomba Tsar, os americanos criaram uma arma nuclear
igualmente assustadora: a bomba de nêutrons (seu nome técnico é
“bomba de radiação aumentada”). Ela é projetada para matar, mas causando
o mínimo possível de dano a prédios e construções em geral. Quando
uma bomba atômica tradicional explode, 5% da energia é liberada na forma
de nêutrons (partículas subatômicas que, junto com os prótons, formam o
núcleo do átomo). Na bomba de nêutrons, é 45%. Ou seja, ela produz
muito mais radioatividade. Isso torna possível a criação de bombas
pequenas, com carga explosiva bem menor (1 kiloton, por exemplo), mas
que mesmo assim matariam muita gente – por envenenamento radioativo.
Além dos EUA, Rússia, França e China possuem essa tecnologia.
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