sexta-feira, 19 de julho de 2019

Como se dá a progressão de regime no homicídio qualificado privilegiado? É ele hediondo? E qual a relação com a lei 8.072/90?


Como se dá a progressão de regime no homicídio qualificado privilegiado? É ele hediondo? E qual a relação com a lei 8.072/90?


José Wilson Oliveira Santos, Advogado
há 4 anos

1. Considerações iniciais

A explanação ora engendrada busca entender/ampliar os meandros do tipo penal (homicídio privilegiado qualificado) 'nomem juris', a qual doutrina e jurisprudência convencionou chamá-lo, não se pretendendo, por óbvio, esgotar o debate sobre o tema, ao contrário, busca-se alargar o questionamento em torno da matéria, que a bem de vê, não é pacificado na Jurisprudência dos nossos tribunais.
Importante lembrar que o Código Penal Brasileiro, que a bem da verdade é de 1940 [1], ou seja, foi instituído no inicio da Segunda Grande Guerra Mundial, e portanto, em nosso entender, carregado de um certo “querer punitivo” dado as circunstâncias global da época, não prevê, ao menos de forma expressa, o chamado homicídio privilegiado qualificado, sendo portanto, uma construção doutrinaria e jurisprudencial.
Pois bem, a legislação Penal pátria, nos aponta e criminaliza no artigo 121 caput, a conduta que leva a descrição típica de “matar alguém” (preceito primário) e que por isso, invariavelmente conduz ao resultado ou possível resultado (material), ensejando o preceito secundário (pena).
No âmbito dos crimes contra a vida e que por vezes são julgados pelo tribunal do júri, artigo inciso XXXVIII, linha ‘d’ da CRFB/88 [2] há aqueles que a sociedade reputa como sendo de maior desvalor a conduta do agente, e que por isso, o legislador pátrio entendendo repugnante o elevou a categoria de hediondos.
Importante suscitar também que recentemente o legislador pátrio, incluiu no rol dos delitos hediondos da lei 8.072/90 por meio da lei 12.015.2009, alterando o CPB, o artigo 213 caput e seus parágrafos 1º e 2º, bem como o artigo 217-A e parágrafos 1º, 2º e 3º, atribuindo a este ultimo o nomem júris de “estupro de vulnerável”.
Vale dizer, portanto, que a progressão do regime para os agentes que cometem tal delito submete-se ao preceito do artigo 2º parágrafo 2º da lei regente, bem como fica vedado a concessão de anistia, graça, indulto e fiança, artigo caput. Instituiu-se pois, nesse ponto, a chamada “proteção da dignidade sexual” que por vezes guarda relação direta com o Magno Princípio da Dignidade humana estatuído no artigo inciso III da CRFB/88.

1.1 Homicídio qualificado privilegiado e progressão de regime

A progressão de regime no crime considerado hediondo bem como nos hediondos propriamente ditos, tipificado na lei 8.072/90, tem sua incidência progressiva de pena diferenciada dos demais delitos.
Assim, tanto para os delitos equiparados a hediondo, leia-se Tortura, Tráfico e Terrorismo, quanto para os propriamente hediondos do artigo da lei 8.072/90 [3], o agente que os comete terá sua progressão de regime condicionada ao cumprimento maior de pena, nos exatos termos do artigo 2º parágrafo 2º da lei regente, é dizer, se for primário terá que cumprir 2/5 da pena e se for reincidente só será beneficiado após cumprir 3/5 no regime fechado, parágrafo 1º do citado dispositivo.
A indagação que se deve fazer é a seguinte: e no chamado homicídio qualificado privilegiado, está o agente sujeito aos ditames do preceituado no citado artigo 2º da lei ora em comento?, e mais: o tipo penal de tal nomem júris – é hediondo ou não?. Certamente que a resposta para a primeira assertiva só pode ser negativa.
O comando encartado no artigo da lei de crimes hediondos não contempla o disposto no artigo 121 parágrafo 1º do Código Penal, e por isso não se pode, em respeito a legalidade estrita, artigo inciso XXXIX da Carta Maior, elevá-lo a repugnância tal que o faça ser inserido naquele rol de crimes.
Na segunda indagação, ser ou não hediondo, (não querendo usar da tautologia) a resposta nos conduz também ao negativo. Não é hediondo o chamado homicídio privilegiado qualificado, exatamente porque o texto da lei 8.072/90 em seu artigo não o previu, e assim, qualquer interpretação contrária levaria a analogia in malam partem e feriria de morte a Constituição Federal de 1988, artigo inciso XXXIX, (estrita legalidade) e inciso XLIII – previsão dos crimes hediondos e equiparados.
Assim sendo, para aqueles que cometem o delito de homicídio privilegiado qualificado artigo 121 parágrafo 1º c/c parágrafo 2º e incisos, o regime de progressão é do artigo 112 da 7.210.84 (LEP), bem como está afastado o caráter hediondez da conduta.
No campo doutrinário, surgiram duas correntes debatendo o tema.
Uma primeira corrente afirmava a possibilidade de o homicídio privilegiado-qualificado configurar no rol dos crimes hediondos, uma vez que as circunstâncias subjetivas somente devem ser levadas em consideração para a quantidade de pena aplicada e não para a natureza do delito e respectiva forma de execução, notadamente frente a lei 7.210/84 artigo [4).
Para a corrente majoritária, onde aí se inclui doutrina e jurisprudência, posição da qual somos partidário, há oposição a primeira corrente.
De acordo com esse posicionamento, não é possível considerar o homicídio privilegiado-qualificado como crime hediondo por duas razões.
Em um primeiro momento, conforme nosso entendimento acima esposado, essa corrente pontua a incompatibilidade do instituto por obediência ao princípio da legalidade penal, vertente taxatividade, porquanto o artigo 1o, inciso I da lei de crimes hediondos trata apenas do homicídio qualificado, nada trazendo sobre o homicídio privilegiado. Dessa feita, bem de vê que, como a legalidade assume contornos de garantia para o réu, não se poderia ampliar a previsão dos crimes hediondos para uma modalidade não prevista pelo legislador, sob pena de analogia em prejuízo do acusado.
A segunda razão que impede o reconhecimento da figura do homicídio privilegiado-qualificado como crime hediondo é de cunho político-criminal.
No ponto, bastaria observamos a intenção legislativa de prevenção geral e especial, a serem perseguidos como finalidades da pena, não se justificando que os crimes com motivos nobres seja submetido a tratamento especialmente gravoso pelo Ordenamento Jurídico Pátrio.
Sob a ótica da prevenção geral, negativa (intimidatória) ou positiva (confiança na proteção de bens jurídicos), a sanção do crime qualificado, com a diminuição da reprovação e a previsão do regime de execução comum já cumprem a finalidade, uma vez que a sanção aplicada ao caso concreto é suficiente.
Certo é que sociedade e legislador (este na condição de poder constituinte, tende a ser “sensível” quando a motivação do crime é considerada moralmente aceita, de maneira que se satisfaz com a quantidade de punição.
No que pertine à prevenção especial por vezes, não é com penas mais gravosas ou não, por si só, que poder-se-ia lograr êxito em diminuir o desvalor dessa ou daquela conduta, faz-se é imperioso que o estado seja presente na vida do cidadão, tanto por meio de políticas publicas quanto por meio de prevenção ao “futuro” delito, data vênia.
1.2 A visão doutrinária quanto a combinar privilegiadora e qualificadora ao crime de homicídio privilegiado qualificado
Como já mencionado, a existência do crime de homicídio qualificado privilegiado é possível quando ocorre a combinação de uma qualificadora objetiva e uma privilegiadora subjetiva. As qualificadoras objetivas restringem-se às formas como o crime foi cometido, a saber: Emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou que possa resultar perigo comum.
Essas qualificadoras ladeada ao privilegio do artigo 121 parágrafo 1º do CPB, (subjetivas,) como: Relevante valor social, Relevante valor moral, Domínio de violenta emoção ou injusta provocação da vítima, conduz invariavelmente ao que se denominou de homicídio qualificado privilegiado.
Acerca disto, alguns dos mais renomados Juristas pátrio, apontam seus raciocínios.
Para Magalhães Noronha [5], “Trata-se de questão bastante controvertida: Pode um homicídio ser, ao mesmo tempo, qualificado e privilegiado?
Embora difícil pode uma qualificadora coexistir com uma circunstância do § 1º, o caso do sertanejo, v. G., que mata de tocaia o estuprador de sua filha: emboscada e motivo moral.
Será esta a opinião do Código? A interpretação dos tribunais é variada: ora decidem negativamente, ora se pronunciam pela admissibilidade”.
Assim, ponderando a visão do mestre Magalhães Noronha, que disserta sobre o assunto, pode-se ver como é controvertido o tema, pois segundo o renomado jurista, a situação jurídica não é pacífica até mesmo nos Tribunais.

1.3 Relação com a Lei dos crimes Hediondo 8.072/90

Como já pontuado alhures, não querendo para isso ser tautológico, (aqui com um viés mais crítico), para alguns autores, a lei dos crimes hediondos é uma resposta jurídica para satisfazer a sociedade e por vezes aos crimes de impacto midiático.
Tal visão critico penal é por muitos autores compartilhada. Entretanto, a Lei dos Crimes Hediondos tem a sua eficácia e finalidade. Entendemos que tratar com mais rigor crimes de maior potencial ofensivo parece plausível, (se antes o estado estiver presente socialmente), para tanto, se isso surtirá na sociedade /cidadão, efeito positivo ou negativo, é questão que ainda não foi visualizada pelo legislador Brasileiro..
Dissertando sobre adequação do homicídio qualificado privilegiado, pontua o mestre Bittencourt [6],
“O concurso entre causa especial de diminuição de pena (privilegiadora) 121 § 1 e as qualificadoras objetivas, que se referem aos meios e modos de execução do homicídio, a despeito de ser admitido pela doutrina e jurisprudência, apresenta graus de complexidade que demandam alguma reflexão."
Em algumas oportunidades o Supremo Tribunal manifestou-se afirmando que as privilegiadoras e as qualificadoras objetivas podem coexistir pacificamente; mas o fundamento desta interpretação residia na prevalência da privilegiadora subjetivas sobre as qualificadoras objetivas, seguindo por analogia, a orientação contida no artigo 67 do Código Penal, que assegura a preponderância dos motivos determinantes do crime.”
Para o mestre Damásio de Jesus, [7],
“Se no caso concreto, são mesmo reconhecidas ao mesmo tempo a circunstância do privilégio e outra a forma qualificada do homicídio, de forma objetiva, aquela sobrepõe-se sobre esta, uma vez que o motivo determinante do crime tem preferência sobre a outra. De qualquer forma que, para efeito de qualificação legal do crime, o reconhecimento do privilégio descaracteriza o homicídio qualificado”.
Em linhas gerais conclusivas, forçoso notar que tanto doutrina quanto jurisprudência não chegaram a um consenso final quanto a inclusão no rol dos crimes hediondos, do chamado “homicídio qualificado privilegiado”, notadamente porque não resta previsto na lei regente, bem como não se quer ferir comando Imperativo Constitucional, que nada prevê ou previu sobre ser ou não passível de inserção o privilegio do artigo 121 parágrafo 1º do CPB no elenco Constitucional do artigo 5º inciso XLIII. Certo é que, muito se ouvirá e se discutirá acerca do tema, notadamente no âmbito dos Tribunais Superiores.


José Wilson Oliveira Santos, Advogado
Advogado Criminal - Pós graduação em Ciências Penais (especialista).
Não é muito Fácil Advogar na área Criminal, seja pelo risco que corremos seja pelos percalços com os quais nos deparamos diuturnamente junto aos sistema Judiciário. Entretanto, me sinto realizado Advogando , raciocinando juridicamente em favor daqueles que de uma forma ou de outra, cometeu um "deslize" no curso da vida e por vezes infringiu um comando legal. Sou perfeccionista, tudo deve está organizado, vejo nisso, o primeiro passo ao sucesso na carreira jurídica. Dr. José Wilson Oliveira Santos é pós graduado em Ciências Penais (especialista), pós graduado em Processo Penal - com Formação para Magistério Superior (FMS) -, Especialista em colaboração premiada (lei 12.850/2013) - Doutorando em Direito Penal - Buenos Aires - Argentina - Advogado militante também no Tribunal do Júri Popular.

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