Veja na íntegra o histórico discurso de Martin Luther King
Há 50 anos o pastor e ativista Martin Luther King fazia seu discurso histórico, “Eu tenho um sonho”, contra a segregação racial nos Estados Unidos
São Paulo – Em 28 de agosto de 1963, o pastor e líder do movimento contra a segregação racial nos Estados Unidos Martin Luther King discursou sobre seu sonho de uma América (e um mundo) com igualdade entre negros e brancos.
O discurso foi proferido em Washington, durante uma marcha que reuniu cerca de 250 mil pessoas contra as políticas racistas e pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos.
Suas palavras ecoaram em um contexto de divisão e segregação racial no
país que se colocava como moderno e como liderança mundial. Enquanto os
norte-americanos possuíam as mais avançadas tecnologias e armas, negros
eram impedidos de dividir espaços com brancos, o casamento entre negros e
brancos era proibido e jovens afrodescendentes tinham acesso limitado à
educação. Na Guerra Fria, os Estados Unidos faziam a propaganda de que
aquele era o regime e o país onde todos gostariam de viver – exceto os
negros, que tinham de se limitar aos assentos reservados nos ônibus.
Desde que o pastor proferiu seu discurso há 50 anos, muitas leis
segregacionistas foram derrubadas no país e muitos direitos foram
garantidos aos negros. Ainda assim, as palavras do homem que virou
símbolo da luta por vias não-violentas ainda têm a mesma força e
urgência das décadas passadas.
Confira abaixo o vídeo do evento e o discurso na íntegra. A tradução é de Clara Allain.
//www.youtube.com/embed/HRIF4_WzU1w?rel=0
“Estou feliz em me unir a vocês hoje naquela que ficará para a história
como a maior manifestação pela liberdade na história de nossa nação.
Cem anos atrás um grande americano, em cuja sombra simbólica nos
encontramos hoje, assinou a proclamação da emancipação [dos escravos].
Este decreto momentoso chegou como grande farol de esperança para
milhões de escravos negros queimados nas chamas da injustiça abrasadora.
Chegou como o raiar de um dia de alegria, pondo fim à longa noite de
cativeiro.
Mas, cem anos mais tarde, o negro ainda não está livre. Cem anos mais
tarde, a vida do negro ainda é duramente tolhida pelas algemas da
segregação e os grilhões da discriminação. Cem anos mais tarde, o negro
habita uma ilha solitária de pobreza, em meio ao vasto oceano de
prosperidade material. Cem anos mais tarde, o negro continua a mofar nos
cantos da sociedade americana, como exilado em sua própria terra. Então
viemos aqui hoje para dramatizar uma situação hedionda.
Em certo sentido, viemos à capital de nossa nação para sacar um cheque.
Quando os arquitetos de nossa república redigiram as magníficas
palavras da Constituição e da Declaração de Independência, assinaram uma
nota promissória de que todo americano seria herdeiro. Essa nota era a
promessa de que todos os homens, negros ou brancos, teriam garantidos os
direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca pela felicidade.
É evidente hoje que a América não pagou esta nota promissória no que
diz respeito a seus cidadãos de cor. Em lugar de honrar essa obrigação
sagrada, a América deu ao povo negro um cheque que voltou marcado “sem
fundos”.
Mas nós nos recusamos a acreditar que o Banco da Justiça esteja falido.
Nos recusamos a acreditar que não haja fundos suficientes nos grandes
depósitos de oportunidade desta nação. Por isso voltamos aqui para
cobrar este cheque –um cheque que nos garantirá, a pedido, as riquezas
da liberdade e a segurança da justiça.
Também viemos para este lugar santificado para lembrar à América da
urgência ferrenha do agora. Não é hora de dar-se ao luxo de esfriar os
ânimos ou tomar a droga tranquilizante do gradualismo. Agora é a hora de
fazermos promessas reais de democracia. Agora é a hora de sairmos do
vale escuro e desolado da segregação para o caminho ensolarado da
justiça racial. É hora de arrancar nossa nação da areia movediça da
injustiça racial e levá-la para a rocha sólida da fraternidade. Agora é a
hora de fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.
Seria fatal para a nação passar por cima da urgência do momento e
subestimar a determinação do negro. Este verão sufocante da insatisfação
legítima do negro não passará enquanto não chegar um outono revigorante
de liberdade e igualdade.Mil novecentos e sessenta e três não é um fim,
mas um começo.
Os que esperam que o negro precisasse apenas extravasar e agora ficará
contente terão um despertar rude se a nação voltar à normalidade de
sempre. Não haverá descanso nem tranquilidade na América até que o negro
receba seus direitos de cidadania. Os turbilhões da revolta continuarão
a abalar as fundações de nossa nação até raiar o dia iluminado da
justiça.
Mas há algo que preciso dizer a meu povo posicionado no morno liminar
que conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar nosso lugar
de direito, não devemos ser culpados de atos errados. Não tentemos
saciar nossa sede de liberdade bebendo do cálice da amargura e do ódio.
Temos de conduzir nossa luta para sempre no alto plano da dignidade e
da disciplina. Não devemos deixar nosso protesto criativo degenerar em
violência física. Precisamos nos erguer sempre e mais uma vez à altura
majestosa de combater a força física com a força da alma.
A nova e maravilhosa militância que tomou conta da comunidade negra não
deve nos levar a suspeitar de todas as pessoas brancas, pois muitos de
nossos irmãos, conforme evidenciado por sua presença aqui hoje, acabaram
por entender que seu destino está vinculado ao nosso destino e que a
liberdade deles está vinculada indissociavelmente à nossa liberdade.
Não podemos caminhar sozinhos.
E, enquanto caminhamos, precisamos fazer a promessa de que caminharemos
para frente. Não podemos retroceder. Há quem esteja perguntando aos
devotos dos direitos civis ‘quando vocês ficarão satisfeitos?’. Jamais
estaremos satisfeitos enquanto o negro for vítima dos desprezíveis
horrores da brutalidade policial.
Jamais estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados da fadiga
de viagem, não puderem hospedar-se nos hotéis de beira de estrada e nos
hotéis das cidades. Não estaremos satisfeitos enquanto a mobilidade
básica do negro for apenas de um gueto menor para um maior. Jamais
estaremos satisfeitos enquanto nossas crianças tiverem suas
individualidades e dignidades roubadas por cartazes que dizem ‘exclusivo
para brancos’.
Jamais estaremos satisfeitos enquanto um negro no Mississippi não puder
votar e um negro em Nova York acreditar que não tem nada em que votar.
Não, não estamos satisfeitos e só ficaremos satisfeitos quando a
justiça rolar como água e a retidão correr como um rio poderoso.
Sei que alguns de vocês aqui estão, vindos de grandes provações e
atribulações. Alguns vieram diretamente de celas estreitas. Alguns
vieram de áreas onde sua busca pela liberdade os deixou feridos pelas
tempestades da perseguição e marcados pelos ventos da brutalidade
policial. Vocês têm sido os veteranos do sofrimento criativo. Continuem a
trabalhar com a fé de que o sofrimento imerecido é redentor.
Voltem ao Mississippi, voltem ao Alabama, voltem à Carolina do Sul,
voltem a Geórgia, voltem a Louisiana, voltem aos guetos e favelas de
nossas cidades do norte, cientes de que de alguma maneira a situação
pode ser mudada e o será. Não nos deixemos atolar no vale do desespero.
Digo a vocês hoje, meus amigos, que, apesar das dificuldades de hoje e de amanhã, ainda tenho um sonho.
É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Tenho um sonho de que um dia esta nação se erguerá e corresponderá em
realidade o verdadeiro significado de seu credo: ‘Consideramos essas
verdades manifestas: que todos os homens são criados iguais’.
Tenho um sonho de que um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os
filhos de ex-escravos e os filhos de ex-donos de escravos poderão
sentar-se juntos à mesa da irmandade.
Tenho um sonho de que um dia até o Estado do Mississippi, um Estado
desértico que sufoca no calor da injustiça e da opressão, será
transformado em um oásis de liberdade e de justiça.
Tenho um sonho de que meus quatro filhos viverão um dia em uma nação
onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo teor de seu
caráter.
Tenho um sonho hoje.
Tenho um sonho de que um dia o Estado do Alabama, cujo governador hoje
tem os lábios pingando palavras de rejeição e anulação, será
transformado numa situação em que meninos negros e meninas negras
poderão dar as mãos a meninos brancos e meninas brancas e caminharem
juntos, como irmãs e irmãos.
Tenho um sonho hoje.
Tenho um sonho de que um dia cada vale será elevado, cada colina e
montanha será nivelada, os lugares acidentados serão aplainados, os
lugares tortos serão endireitados, a glória do Senhor será revelada e
todos os seres a enxergarão juntos.
Essa é nossa esperança. Essa é a fé com a qual retorno ao Sul. Com esta
fé poderemos talhar da montanha do desespero uma pedra de esperança.
Com esta fé poderemos transformar os acordes dissonantes de nossa nação
numa bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé podemos trabalhar
juntos, orar juntos, lutar juntos, ir à cadeia juntos, defender a
liberdade juntos, conscientes de que seremos livres um dia.
Esse será o dia em que todos os filhos de Deus poderão cantar com novo
significado: “Meu país, é de ti, doce terra da liberdade, é de ti que
canto. Terra em que morreram meus pais, terra do orgulho do peregrino,
que a liberdade ressoe de cada encosta de montanha”.
E, se quisermos que a América seja uma grande nação, isso precisa se tornar realidade.
Então que a liberdade ressoe dos prodigiosos picos de New Hampshire.
Que a liberdade ecoe das majestosas montanhas de Nova York!
Que a liberdade ecoe dos elevados Alleghenies da Pensilvânia!
Que a liberdade ecoe das nevadas Rochosas do Colorado!
Que a liberdade ecoe das suaves encostas da Califórnia!
Mas não só isso –que a liberdade ecoe da Montanha de Pedra da Geórgia!
Que a liberdade ecoe da Montanha Sentinela do Tennessee!”
Que a liberdade ecoe de cada monte e montículo do Mississippi. De cada encosta de montanha, que a liberdade ecoe.
E quando isso acontecer, quando deixarmos a liberdade ecoar, quando a
deixarmos ressoar em cada vila e vilarejo, em cada Estado e cada cidade,
poderemos trazer para mais perto o dia que todos os filhos de Deus,
negros e brancos, judeus e gentios, protestante e católicos, poderão se
dar as mãos e cantar, nas palavras da velha canção negra, “livres,
enfim! Livres, enfim! Louvado seja Deus Todo-Poderoso. Estamos livres,
enfim!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário