Há quem diga que nasce sabendo que quer fazer medicina. Há também
aqueles que escolhem no último ano de escola. Mas mesmo aqueles que
nascem sabendo que serão médicos desconhecem o Curso de Medicina e pouco sabem da realidade do estudante de medicina.
Desde 2009 eu escrevo contando um pouco mais do dia-a-dia de um
estudante de medicina, tentando, de certa forma, matar a curiosidade e
informar os que estão tentando fazer esse curso, um dos mais concorridos
do Ensino Superior no Brasil.
Como
faço Medicina na USP (Universidade de São Paulo) acredito que a minha
visão de como é o curso é um pouco diferenciada de outras faculdades do
país. Contamos com o maior Complexo Hospitalar da América Latina e com o
maior pólo de pesquisas universitárias e corpo docente altamente
especializado. Mas como isso pouco importa para aqueles que querem
primeiro entrar e depois saber um pouco mais da faculdade, vou começar
desde o início: o vestibular.
- Vestibular
Para ingressar na Universidade de São Paulo é necessário primeiro vencer a Fuvest, o vestibular mais concorrido do país.
No meu tempo, a prova da Fuvest era composta de uma primeira fase com 90
questões objetivas e uma segunda fase com quatro provas discursivas,
sendo que para o curso de medicina elas
eram de português, biologia, química e física, com 10 questões cada.
Atualmente a segunda fase mudou, com 3 provas discursivas, sendo elas de
português, conhecimentos gerais do Ensino Médio e a última de
conhecimentos específicos, como física, química e biologia.
A prova é bem difícil, e, por conta da concorrência alta, tem nota de
corte muito alta. A primeira fase acontece no fim de novembro, e a
segunda no início de janeiro. A primeira chamada para matrícula é no
começo de fevereiro.
Ver o nome na lista é um momento indescritível e inesquecível, e uma semana depois sua vida já muda totalmente.
- Matrícula e Semana de Recepção
Na nossa faculdade, temos o costume de receber bem os calouros (e não
bixos). Temos aqui a campanha de apadrinhamento, em que os alunos do
segundo ano, ou os mais velhos também, escolhem um calouro para ser seu
afilhado, dando orientações, materiais, etc., além de levá-lo para
conhecer a faculdade e ao Porão, o subsolo da Faculdade, onde é o Centro
de Vivência dos alunos.
No porão estão os stands das instituições, como o Centro Acadêmico
(CAOC), o Departamento Científico (DC), a Atlética (AAAOC) e outras. Lá,
os calouros recebem milhares de papéis e envelopes com informações
sobre todas as atividades do curso e podem comprar as tradicionais
camisetas da faculdade.
A Semana de Recepção é um monte de eventos que nós alunos organizamos
para que os calouros possam conhecer melhor a faculdade e interagirem
entre si e com os veteranos. É uma semana muito legal, porque os
calouros são mimados dia e noite pelos mais velhos, e tem muitas festas
também!
- Ciclo Básico
O Curso de Medicina é
dividido em três ciclos: o Básico, composto pelos dois primeiros anos; o
Clínico, sendo os terceiro e quarto anos; o Internato, compreendendo os
dois últimos anos. A duração de cada ciclo é variável em cada
faculdade, mas todas seguem o mesmo esquema.
No Ciclo Básico, temos as matérias mais teóricas de todo o curso.
Exemplos como bioquímica, fisiologia e anatomia dão muitas dores de
cabeças para os iniciantes na medicina. É aqui que aprendemos como
funciona o corpo humano no seu estado normal, sem doenças.
Decorar mil nomes pode ser uma grande dificuldade no início, mas após
alguns meses todos já estão habituados a memorizar todos os termos
necessários para sobreviver ao Ciclo Básico.
Entremeadas nessas matérias teóricas temos algumas matérias que têm por
objetivo humanizar o currículo médico. Discussões de casos e
comportamento médico, visitas a postos de saúde e um pouco de
antropologia compõem essas tentativas de humanização na medicina.
- Ciclo Clínico
No Ciclo Clínico, nós aprendemos a como nos portar na frente de um
paciente. Aprendemos mais sobre as doenças e porque elas acontecem, e
finalmente, lá pelo fim desse ciclo, descobrimos como tratá-las.
Passamos a frequentar mais o hospital e aqui finalmente usamos nossos
estetoscópios!
Aqui nós descobrimos as técnicas de exames físicos, as alterações que
encontramos em pacientes doentes e os sinais que estes podem apresentar,
indicando doenças diversas. Desenvolvemos nossas maneiras de lidar com
os pacientes, a conversar com eles e tentar descobrir tudo que interfere
na qualidade de vida deles.
O ciclo tem nome clínico, mas nós temos muitas matérias cirúrgicas
também, como Técnica Cirúrgia e Propedêutica Cirúrgica. Somos
apresentados diretamente às especialidades médicas, mas aprendemos o
máximo possível de todas, para então usarmos esse conhecimento no
próximo ciclo, o internato.
- Internato
O Internato é como se fosse o Estágio dos outros cursos. Passamos o dia
todo no hospital, fazemos plantões e escalas em enfermarias de todas as
especialidades. Aprendemos muito sobre cirurgia e instrumentamos os
cirurgiões frequentemente. Fazemos partos e plantões no pronto-socorro.
A rotina dos Internos é bem puxada, pois, além das aulas, eles têm que
atender pacientes, acompanhar a evolução dos internados e fazer os
plantões noturnos.
Aqui a medicina é exercida na prática e tudo que aprendemos nos quatro
anos anteriores são aplicados tratando e cuidando dos pacientes!
E aí então acaba o Curso de Medicina e todos saem com o título de Médico Generalista! Depois vem a residência, mas isso eu deixo para escrever daqui a uns anos!
97ª Turma da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a minha turma
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