quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Os princípios norteadores do processo administrativo


Os princípios norteadores do processo administrativo

 

Procura demonstrar se os princípios contidos na Lei Federal nº 9.784/99 são, de fato, princípios do Direito Administrativo ou não.
Introdução
 
Este artigo versará sobre os “princípios” específicos do processo administrativo previstos na Lei Federal nº 9.784/99 e se de fato estes são mesmos princípios.
“Princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces da ciência”. [1]
Como há de se salientar todos os ramos do direito são baseados e fundamentados em normas e princípios. Alguns autores classificam e subdividem esses princípios.
José Cretella Júnior [2], por exemplo, classifia os princípios de quatro formas:
a) onivalentes ou universais, que são os comuns a todos os ramos do saber.
b) plurivalentes ou regionais, que são os comuns a um grupo de ciências, informando-as nos aspectos em que se interpenetram.
c) monovalentes, que são os que se referem a um só campo do conhecimento.
d) setoriais, são os que informam os diversos setores em que se divide determinada ciência.
Demonstrada tal classificação trataremos neste artigo dos princípios setoriais do direito administrativo, mais especificamente do processo administrativo.
Os princípios de que trata a Lei Federal nº 9.784/99 encontram-se no se artigo 2º e são eles: Principio da Legalidade, Princípio da Finalidade, Principio da Motivação, Principio da Razoabilidade, Principio da Proporcionalidade, Principio da Moralidade, Principio da Ampla Defesa, Principio do Contraditório, Principio da Segurança Jurídica, Principio do Interesse Público e Principio da Eficiência.
Dentre todos estes princípios, o da Legalidade e o da Supremacia do Interesse Público são os mais importantes, pois é deles que derivam todos os outros.
 
1. Principio da Legalidade
Começaremos então pelo Princípio da Legalidade, já que este princípio, além de ser um principio administrativo é acima de tudo um principio constitucional, conforme o art. 5º, II e art. 37º da nossa Carta Magna, que estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei”, transformando assim este principio em uma das principais garantias de responsabilidade aos direitos individuais.
Este princípio toma como base a lei e define os limites de atuação da administração publica, ou seja, esta só pode fazer o que a lei permite, não podendo por simples ato administrativo, conceder direitos, criar obrigações ou impor vedações ao administrado.
Conforme o doutrinador Renato Alessi [3]
A consagração da idéia de que a administração publica só pode ser exercida na conformidade da lei, e que, de conseguinte a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consiste na expedição de comandos complementares á lei.
dando assim a entender que este principio é fruto da submissão do Estado á lei.
Neste mesmo sentido também é o entendimento do doutrinador Michel Slassinopolus [4]“A administração publica não pode atuar contra legem ou praeter legem, só pode agir secundum legem”.
 
2. Principio da Supremacia do Interesse Público
O segundo principio mais importante é o Princípio da Supremacia do Interesse Público que além de nortear outros princípios é conhecido também pelos doutrinadores como Principio da Finalidades Publica. Este princípio está presente não apenas no momento da elaboração da lei, mas também no momento da sua execução em concreto.
Visa este, por meio da administração publica, impor, nos termos da lei, obrigações a terceiros, já que a administração publica representa os interesses da coletividade. Tais atos são imperativos e conforme este principio, a administração publica pode exigir o cumprimento de tais atos pelos administrados por meio de sanções ou providencias indiretas toda vez que agir em favor do interesse público.

3. Princípio da Motivação
O Princípio da Motivação significa dizer que a administração pública tem a obrigação de justificar de fato e de direito o motivo de seus atos. Este princípio apesar de não estar expressamente previsto na Constituição Federal, ser um princípio infraconstitucional previsto na Lei 9.784/99, já está amplamente reconhecido na doutrina e na jurisprudência.
A motivação a que se refere tal princípio tem que ser demonstrada previamente ou contemporaneamente a expedição do ato a ser praticado pela administração pública.
Segundo o doutrinador José Roberto Dromi  [5]
Motivação não se confunde com fundamentação, que é a simples indicação da especifica norma legal que supedaneou a decisão adotada. Motivação é uma exigência do Estado de Direito, ao qual é inerente, entre outros direitos do administrados, o direito a uma decisão fundada, motivada, com explicação dos motivos.
 
4. Princípio da Razoabilidade
O Princípio da Razoabilidade trata de impor limites à discricionariedade administrativa, ampliando o âmbito de apreciação do ato administrativo pelo Poder Judiciário. Estabelece que os atos da administração pública no exercício de atos discricionários deve atuar de forma racional, sensata e coerente.
Diogo Moreira Neto [6], ao tratar deste princípio explica que:
O que se pretende é considerar se determinada decisão, atribuída ao Poder Público, de integrar discricionariamente uma norma, contribuirá efetivamente para um satisfatório atendimento dos interesses públicos.
Maria Silvia [7] conclui ser o princípio da razoabilidade “um dos principais limites à discricionariedade da administração pública”.

5. Princípio da Proporcionalidade
Para alguns doutrinadores o Princípio da Proporcionalidade se confunde com o principio da razoabilidade, para outros este princípio é um aspecto do princípio da razoabilidade tendo em vista que é preciso que se tenha proporcionalidade para a execução dos atos administrativos.
Para um terceiro grupo, o princípio da proporcionalidade serve para nortear a administração pública na medida em que esta só poderá ter sua competência validamente exercida se tiver extensão e intensidade proporcionais para o cumprimento da finalidade do interesse público a que estiverem atreladas.

6. Princípio da Moralidade
De acordo com o Princípio da Moralidade os agentes da administração pública tem que atuar em consonância com a moral, os bons costumes e os princípios éticos da sociedade, não fazendo configurar-se a ilicitude e invalidade do ato.
Este princípio porém não tem sua existência pacificada entre os doutrinadores, já que alguns deles acreditam ser o conceito de moralidade administrativa vago e impreciso, e que este princípio acaba sendo absorvido pelo princípio da legalidade.

7. Principio da Ampla Defesa
Este princípio além de ser um princípio constitucional contido no art. 5º da CF também é um principio infraconstitucional contido na Lei Federal nº 9.784/99.
Baseado neste principio o acusado ou qualquer pessoa que se faça uma acusação a respeito tem o direito de se defender previamente antes de qualquer decisão que venha a prejudicá-lo.
Celso Bandeira de Mello [8] acredita que
Segundo este principio o sujeito tem que ter um processo formal regular para que sejam atingidas a liberdade e a propriedade de quem quer que seja e a necessidade de que a administração pública, antes de tomar qualquer decisão gravosa a um sujeito, ofereça-lhe a oportunidade da ampla defesa, no que se inclui o direito de recorrer das decisões tomadas.
Este princípio é aplicável a qualquer tipo processo que envolva situações de conflito ou de sanção do Estado contra as pessoas físicas ou jurídicas.

8. Princípio do Contraditório
O principio do contraditório serve para que a parte contrária possa rebater os fatos alegados em seu desfavor.
Adilson Abreu Dallari afirma que
O princípio do contraditório exige um diálogo; a alternância das manifestações da partes interessadas durante a fase instrutória. A decisão final deve fluir da dialética processual, o que significa que todas as razões produzidas devem ser sopesadas, especialmente aquelas apresentadas por quem esteja sendo acusado, direta ou indiretamente, de algo sancionável.
Vale ressaltar que para alguns autores este não chega a ser um principio, tendo em vista que ele é inerente ao principio da ampla defesa e deriva da bilateralidade do processo.

9. Princípio da Segurança Jurídica
O Princípio da Segurança Jurídica também conhecido por alguns doutrinadores como Princípio da Estabilidade das Relações Jurídicas serve para impedir a desconstituição injustificada de atos ou situações jurídicas, mesmo ocorrendo algum tipo de inconformidade com o texto legal durante sua constituição.
A doutrinadora Weida Zancaner [9] chegou à conclusão que
Existem duas formas de recompor a ordem jurídica violada pela pratica de alguma ilicitude na produção de um ato jurídico: a invalidação e a convalidação, que é, exatamente, a manutenção do ato viciado. Uma dessas formas deve ser utilizada quando não for possível a utilização da outra.
Este princípio tem muita relação com a boa-fé, pois se a administração adota uma determinada interpretação como correta e a aplica em casos concretos não pode depois vir a anular atos anteriores, sob o pretexto de que os mesmos foram interpretados de forma incorreta. Isso não significa que a interpretação da lei não possa mudar, o que não é possível é fazer a nova interpretação retroagir de modo a atingir casos já decididos com base em interpretações anteriores, tidas como validas no momento em que foram adotadas.

10. Princípio da Eficiência
Este princípio estabelece que todo processo administrativo chegue ao seu final, ou seja, tenha uma decisão conclusiva afirmando ou negando um direito, que solucione a controvérsia.
No entendimento de Cândido Rangel Dinamarco [10]
O processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio-político-jurídica, atingindo em toda a plenitude todos os seus escopos institucionais, na medida do que for praticamente possível, o processo deve proporcionar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter.
Vale dizer que o principio da eficiência apesar de não ser um principio constitucional soma-se aos demais princípios da administração pública, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, em especial ao princípio da legalidade, sob pena de causar sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito.

Conclusão
Neste artigo foram abordados os princípios contidos na Lei Federal nº 9.784/99, seus conceitos e posicionamentos doutrinários.
Ficou demonstrado que nem todos os doutrinadores pesquisados têm a mesma opinião sobre os princípios, pois para alguns nem todos os princípios administrativos contidos na lei supra citada são de fato princípios.
Alguns autores como Hely Lopes Meirelles acredita que o princípio da Proporcionalidade não é de fato um princípio tendo em vista que este se confunde com o princípio da Razoabilidade. Afirma este doutrinador que o objetivo do princípio da proporcionalidade nada mais é do que proibir excessos desarrazoados, por meio da aferição de compatibilidade entre os meios e os fins da atuação administrativa, a fim de se evitar restrições abusivas ou até mesmo desnecessárias.
Maria Silvia ao tratar do princípio da razoabilidade segue o mesmo caminho de Hely Lopes, chegando a conclusão de que este nada mais é do que um desdobramento do princípio da razoabilidade.
O princípio da moralidade não é tido por muito dos doutrinadores como princípio, pois estes alegam ser o conceito de moralidade administrativa um conceito vago e impreciso causando assim nos doutrinados uma grande dificuldade de ter este princípio como princípio de fato.
O princípio do contraditório também não é aceito como princípio para alguns doutrinadores como Adilson Dallari, Alexandre de Moraes dentre outros, pois este princípio está inserido dentro do princípio da ampla defesa, ou seja, nada mais é do que um desdobramento deste já que para que exista o contraditório, ou seja, o “diálogo” entre as partes é preciso que ambas possam se amparar na ampla defesa.
Conclui-se assim que doutrina majoritária acredita serem os princípios administrativos contidos na Lei Federal nº 9.784/99, objeto deste artigo, princípios de fato, devendo estes serem respeitados e obedecidos. Outros doutrinadores, mas em sua minoria, apesar de acreditarem na força dos princípios, discordam da existência de alguns “princípios” como, por exemplo, o princípio da moralidade, da proporcionalidade e do contraditório por acharem que estes não tem autonomia própria, estão sempre dependendo de outro princípio ou derivando deles.

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