quinta-feira, 19 de novembro de 2020

5G indica que a Terceira Guerra Mundial começou, mas é econômica — e não atômica

 

5G indica que a Terceira Guerra Mundial começou, mas é econômica — e não atômica

A guerra da tecnologia 5G escancara a batalha entre os Estados Unidos e a China pela hegemonia global. O Brasil está no meio da pendenga e pode sair ganhando

“Não sei como será a terceira guerra mundial, mas sei como será a quarta: com pedras e paus”, disse o físico alemão Albert Einstein, certamente o mais famoso da história.

Einstein disse isto porque, com uma guerra nuclear, dependendo de sua extensão, a destruição seria imensa. Então, os homens que sobrassem — poucos, e talvez doentes — teriam de lutar, na Quarta Guerra Mundial, “com pedras e paus”. A humanidade regrediria.

O fato é que a bomba atômica, com sua ampla possibilidade de destruição em massa — como aconteceu em Hiroshima e Nagazaki, no Japão, em 1945 —, no lugar de produzir a Terceira Guerra Mundial, praticamente pacificou o mundo. Estados Unidos e União Soviética, os primeiros a terem a bomba atômica (os soviéticos furtaram a pesquisa americana), no lugar de uma “guerra quente”, optaram pela Guerra Fria. Quer dizer, pela política. Entre as décadas de 1940 e 1980, os dois países brigaram pelo controle do mundo, com ameaças variadas, mas nenhum teve a audácia de dar o primeiro passo. Pode-se dizer, portanto, que a energia nuclear salvou o mundo e consolidou a paz — claro que se está falando de batalhas mundiais, porque guerras localizadas, sobretudo no Oriente Médio, continuaram acontecendo.

Xi Jinping, presidente da China, e Jair Bolsonaro, presidente do Brasil: entre tapas e beijos? | Foto: Alan Santos/PR

Entretanto, se não há uma batalha global com armas nucleares, talvez seja possível falar numa Terceira Guerra Mundial econômica. A Rússia, apesar de seu arsenal nuclear e dos rompantes de Vladimir Putin — uma espécie de czar híbrido, filho tanto do czarismo quanto do stalinismo —, foi superada pela China. Hoje, os chineses são a principal ameaça econômica à hegemonia dos Estados Unidos.

A China se tornou uma potência de primeira grandeza rapidamente. Os comunistas chineses descobriram o que não funcionava no socialismo — o mercado engessado pelo Estado — e adotaram um sistema híbrido, com o Estado forte, mas um mercado relativamente livre. O resultado é uma economia sólida e altamente competitiva. A China conseguiu fazer aquilo que Mikhail Gorbachev quis mas não conseguiu: abrir a economia, mas mantendo o controle comunista.

A China chegou pra ficar

As pessoas que viajam pelo mundo, se forem minimamente observadoras, certamente perceberão que a China inundou quase todos os países de tudo quanto é tipo de bugigangas. Fica-se com a impressão de que o mundo, que já foi inglês (o chá é o símbolo) e é americano (a Coca-Cola e o cinema são símbolos), se tornou ou está se tornando também chinês. Reclama-se que as bugigangas são de baixa qualidade e, por isso, duram pouco. Na verdade, os produtos, quase todos e de todo o mundo, se tornaram ou estão se tornando descartáveis — uns mais, outros menos. O celular de ponta de determinada empresa funciona bem por um determinado período, mas, depois de várias atualizações, “precisa” ser trocado. Às vezes, nem é tão necessário trocá-lo, mas o lançamento de outro celular mais avançado, com adornos que chamam a atenção e ampliam as conexões, praticamente cobra que o consumidor o compre, deixando o anterior de lado. Em termos tecnológicos, o novo deixa de ser novo ao nascer. Já nasce velho. Os olhos do consumidor brilham não para o que já existe, e sim para o que o mercado tecnológico está prometendo. Afinal, tudo que é novo desmancha no ar. É líquido, diria Zygmunt Bauman.

Jair Bolsonaro e Donald Trump: aliados ideológicos, mas negócios são outra coisa | Foto: Reprodução

As bugigangas chinesas “escondem” um fato crucial: foram e são úteis para o processamento do que, na falta de melhores palavras, se pode chamar de “acumulação primitiva” de capital. Os produtos de má ou de qualidade razoável ajudaram, no médio ou longo prazo, a China a modernizar seu parque tecnológico-industrial. Então, se antes fazia produtos ruins, com os recursos financeiros absorvidos de todo o mundo, passou a ter capital para investir em tecnologia refinada. O país fabrica computadores, chips, automóveis, trens de ferro (seus metrôs são avançadíssimos), celulares e muitos outros produtos. A qualidade está cada vez melhor — o que aumenta sua competitividade. Acrescente-se que, com mão de obra barata — baratíssima, ao contrário do custo dos trabalhadores americanos e alemães — e a produção em alta escala, os preços dos produtos chineses são imbatíveis. O resultado é que o país tem o segundo maior PIB do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e à frente de gigantes como Japão, Alemanha, Inglaterra, França, Itália, Índia, Brasil e Rússia.

A China chegou pra ficar — é o novo Império. Não só. Seu objetivo, a médio prazo, é se tornar a potência econômica dominante — superando os Estados Unidos, o Império Romano dos tempos atuais. Vai conseguir? A economia americana é dinâmica, ancorada no que há de melhor em termos de tecnologia — em variados campos —, e a qualidade de vida de seu povo é muito superior à do povo chinês. Mas será muito difícil manter a China atrás por muito tempo. Há economistas — que deveriam ser chamados de “profetólogos” — que chegaram a sugerir que, em 50 anos, a China se tornaria a potência hegemônica. Hoje, dado o avanço dos chineses — a América Latina e a África começaram a ser “absorvidas” pelo gigante asiático —, a possibilidade de hegemonia não é nada remota. Está chegando mais cedo do que se pensava.

A tecnologia 5G é, no momento, o motivo de uma guerra brutal — em termos econômicos e de pressões políticas — entre Estados Unidos e a China. Não se fala em guerra ideológica ou em disputa entre comunismo e capitalismo. A China não está interessada neste debate, que é pueril e infrutífero. Para conquistar mercado para sua tecnologia — na verdade, uma cabeça de ponte para outros produtos —, a China está jogando pesado, oferecendo recursos financeiros para vários países. Os Estados Unidos estão fazendo o mesmo, embora sem tanta volúpia. Mas, como gigante político que é, os Estados Unidos estão dando “broncas” nos outros países — o que, em termos de economia, não funciona. Com a pandemia do novo coronavírus, que está quebrando várias economias nacionais, os gigantes econômicos, como Estados Unidos e China, terão papel crucial nas suas recuperações. Com a vantagem de que os países poderão escolher: inglês ou mandarim?

Donald Trump e Joe Biden

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, às vezes é visto pela imprensa como “causa” das posições geopolíticas e econômicas do país mais rico do mundo. Talvez seja menos inapropriado sugerir que o descabelado dirigente é mais consequência do que causa. Ele não está inventando um Estados Unidos isolacionista (de fato, é menos intervencionista, em assuntos de outros países, inclusive em termos de guerras armadas, do que alguns ex-presidentes democratas, como Bill Clinton e Barack Obama). Na verdade, os Estados Unidos isolacionistas, com o objetivo de combater o avanço dos chineses — que tratam como “novos bárbaros” (leia poema de Caváfis abaixo) —, “inventaram” Trump para proteger os interesses americanos.

Ocorre que o isolacionismo dos Estados Unidos — os americanos para os americanos — não funciona mais num mundo globalizado, que é sinônimo de integração. Se os Estados Unidos querem reforçar a economia interna, para fortalecê-la contra a fúria econômica do Dragão da Ásia, a China está oferecendo parceria — capital e assistência tecnológica (financiada com custo quase “zero”) —, a vários países. A possível volta dos democratas ao poder, nos EUA, têm a ver com o desgaste político de Trump, é certo, mas também com a possibilidade de que os homens do poder econômico do país de Henry James e William Faulkner estejam percebendo que é preciso mudar a política do país em relação ao mundo. Talvez o isolacionismo de Trump não sirva mais. Um Império tem de ser mais aberto aos súditos, aos quase-súditos e aos não-súditos. O pragmatismo americano sabe que salvar o Império americano — e os impérios às vezes tombam quando estão no auge — talvez signifique sacrificar Trump. Joe Biden não é o que há de melhor, mas, teoricamente (na prática, os democratas sempre foram mais protecionistas do que os republicanos), pode, como presidente, retomar o diálogo americano com o mundo, fortalecendo seus negócios, para além das discussões ideológicas (que só interessam mesmo àqueles que vivem o sonho de que o paraíso é palpável e passam ao largo da vida real dos cidadãos comuns que levantam-se às 6 horas da manhã, pegam ônibus lotado, ganham salário mínimo e voltam para a casa para ver um jogo de futebol, uma novela, um filme ou uma série e tomar uma cerveja).

Barack Obama e Joe Biden: democratas são mais protecionistas, mas serão menos isolacionistas? | Foto: Reprodução

Com Joe Biden, os Estados Unidos poderão dizer ao mundo: “O problema não são os EUA, e sim Trump; portanto, estamos removendo-o”. Dará certo? Talvez sim. Talvez não. Porque, como se disse acima, a China não está para brincadeira e tende a superar, a médio ou a longo prazo, os Estados Unidos.

A Terceira Guerra Mundial está no ar, efetiva, e é profundamente tecnológica (o 5G), portanto econômica. E não deixa de ser política. Vencerá o mais realista, e não o mais ideológico.

Bolsonaro e os democratas

A imprensa patropi sugere que, se Joe Biden, do Partido Democrata, ganhar a eleição para presidente, em novembro, as coisas vão ficar gris para o Brasil. O presidente Jair Bolsonaro é considerado um peão do jogo de xadrez de Donald Trump. Por apoiá-lo, poderia prejudicar o país na relação com os Estados Unidos? Sim, pode mesmo. Mas, se a China está com duas presas firmes e os EUA continuam com duas presas, mas uma bamba, na prática, um presidente como Joe Biden poderia levar a ferro e fogo uma retaliação contra o país de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Antônio José de Moura e Gabriel Nascente? Talvez não.

A China já é o maior parceiro comercial do Brasil. Não porque ame a música de Noel Rosa, Elis Regina, João Gilberto, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Luiz Melodia, Chico Buarque de Holanda, Gal Costa, Maria Bethânia, Fernanda Takai, Marina de la Riva, Marcelo Barra e Maria Eugênia. Nada disso. A China precisa dos minérios — ferro e aço são fundamentais para sua tecnologia —, da soja e da carne brasileiros. Mais: a China necessita de um mercado de 210 milhões de pessoas, com uma classe média relativamente consolidada, para colocar seus produtos (na área de ferrovias, o gigante asiático avança a passos largos). Quem conquistar o Brasil, lançando bases sólidas em seu território, tende a conquistar a América do Sul e, possivelmente, toda a América Latina.

Portanto, amando ou odiando Bolsonaro, os Estados Unidos terão de recolher os dentes (lembre-se, leitor: uma presa está bamba) e, como Trump ou Joe Biden, aderir, mais uma vez, ao soft power. Os americanos querem e vão lutar pela parceira com um país que tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados — o que significa commodities em grandes volumes —, independentemente se o país estará sob o comando da direita, do centro ou da esquerda (o direitista George Walker Bush se dava muito bem com o esquerdista Lula da Silva). Os Estados Unidos, que têm estrategistas de primeira linha, não vão “entregar” a terra de Bernardo Élis, Edival Lourenço, Afonso Félix de Souza, Maria José Silveira e Miguel Jorge de mão-beijada aos chineses.

Observe-se, por fim, o pragmatismo chinês em ação. Alegando problemas decorrentes da pandemia do novo coronavírus, a China parou de comprar carne de seis frigoríficos brasileiros — entre eles a JBS e a BRF. A causa é mesmo esta? De fato, em alguns frigoríficos, dezenas de funcionários testaram positivo e estão ou estiveram com a Covid-19. Trata-se, claro, de um problema sério. Mas a China não estaria usando isto para tentar impor sua tecnologia 5G ao Brasil? E provável. Num momento de crise, e mesmo sem a crise, o Brasil se tornou “dependente” do mercado chinês para manter sua economia forte e crescendo. Se a China reduz as compras, o crescimento econômico será ainda menor do que o previsto. Aderindo ao 5G da China — da Huawei —, deixando os americanos de lado, o Brasil logo perceberá que o boicote chinês cederá. É, como estamos dizendo, a Terceira Guerra Mundial em ação. A arma não é mais a bomba atômica. A mais letal e precisa tem outro nome: c-a-p-i-t-a-l. Leia de novo: capital — bufunfa, pila, grana, capim, gaita, tutu, dinheiro.

O Brasil, com Trump ou Joe Biden, pode acabar ganhando… Basta, quem sabe, Bolsonaro distensionar um pouco mais sua política exterior — jogando mais do que aderindo… O que se espera do presidente patropi é mais pragmatismo e menos ideologia…

À espera dos bárbaros

Konstantinos Kaváfis

— Que esperamos reunidos na ágora?

 

É que hoje os bárbaros chegam.

 

— Por que tanta abulia no Senado?

Por que assentam os senadores? Por que não ditam normas?

 

Porque os bárbaros chegam hoje.

Que normas vão editar os senadores?

Quando chegarem, os bárbaros ditarão as normas.

 

— Por que o Autocrátor levantou-se tão cedo

e está sentado frente à Porta Nobre da cidade

posto em seu trono, portanto insígnias e coroa?

 

Porque os bárbaros chegam hoje.

E o Autocrátor espera receber

o seu chefe. Mais do que isto, predispôs

para ele o dom de um pergaminho. Ali

fez inscrever profusos títulos e nomes sonoros.

 

— Por que nossos dois cônsules e os pretores saíram

esta manhã com togas rubras, com finos bordados de agulha?

Por que essas braçadeiras que portam, pesadas de ametistas,

e os anéis dactílicos lampejando reflexos de esmeralda?

Por que ostentam hoje os cetros preciosos,

esplêndido lavor de cinzel, amálgama de ouro e prata?

 

Porque os bárbaros chegam hoje,

e toda essa parafernália deslumbra os bárbaros.

 

— Por que nossos bravos tributos não acodem

como sempre, a blasonar seu verbo, a perorar seus temas?

 

Porque os bárbaros chegam hoje,

e eles desprezam a oratória e a logorreia.

 

— Por que de repente essa angústia,

esse atropelo? (Todos os rostos de súbito sérios!)

Por que rápidas se esvaziam ruas e praças

e os antes reunidos retornam atônitos às casas?

 

Porque a noite chegou e os bárbaros não vieram.

E pessoas recém-vindas da zona fronteiriça

murmuram que não há mais bárbaros.

 

E nós, como vamos passar sem os bárbaros?

Essa gente não rimava conosco, mas já era uma solução.

[Tradução de Haroldo de Campos]

Como Boulos usou as mídias sociais para suavizar sua imagem

 

Como Boulos usou as mídias sociais para suavizar sua imagem

Inovadora na esquerda, campanha do candidato do PSOL chega ao segundo turno ao mudar a impressão sisuda de ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto e buscar novos espaços para se comunicar com os jovens.

Boulos votando em São Paulo, cercado de apoiadores

Boulos votando em São Paulo, cercado de apoiadores

Guilherme Boulos, candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo, passou ao segundo turno com 20,2% dos votos válidos e vai disputar o comando da cidade mais rica da América do Sul contra o atual prefeito Bruno Covas, do PSDB, que teve 32,9% dos votos válidos.

Filiado a uma legenda pequena, com quatro deputados federais e pouca verba do fundo eleitoral, e contando com 17 segundos nos blocos de propaganda eleitoral em rádio e TV, o desempenho de Boulos se explica em parte pelo seu bom uso das mídias sociais e da internet.

Para chegar aos eleitores e se apresentar como candidato viável, ele calibrou o tom da comunicação em suas redes para soar autêntico, suavizou a imagem sisuda de ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto e buscou novos espaços para se comunicar com os jovens.

Esse caminho incluiu fazer um reality show com o candidato, transmitindo um dia inteiro de sua campanha ao vivo pelo YouTube, participar de uma partida do jogo de internet "Among Us" enquanto respondia a perguntas de seus oponentes, aderir ao TikTok e brincar com a semelhança da sonoridade de seu sobrenome com a palavra bolos.

Líder em popularidade digital

A estratégia deu resultado. Segundo o ranking de popularidade digital dos candidatos a prefeito da capital paulista, elaborado pela consultoria Quaest para o jornal Folha de S.Paulo, Boulos liderou essa métrica desde o início da campanha. O índice considera variáveis como número de seguidores, comentários, curtidas e compartilhamentos, reações positivas e negativas, presença nas redes sociais e volume de buscas.

Paulo Ferracioli, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia, vinculado à Universidade Federal do Paraná, afirma que a forma de o candidato do PSOL usar as redes sociais se mostrou "efetiva" e colaborou para ele obter mais votos, especialmente entre o eleitor jovem que não o conhecia.

Ferracioli cita como exemplo a participação de Boulos no podcast Flow, que atrai muitos aficionados em videogames. "Não é um público muito ligado à esquerda. E o podcast viralizou no Twitter, com pessoas dizendo que não imaginavam que ele seria capaz de conversar com esse público", diz. Neste domingo (16/11), o vídeo da participação do candidato no podcast registrava mais de um milhão de visualizações no YouTube.

Já a decisão da campanha do candidato de criar e compartilhar memes brincando com o seu nome e a palavra bolos foi uma maneira de mostrá-lo como uma pessoa "acessível, engraçada, que fazia piada com o próprio nome", diz Ferracioli.

Ele lembra o caso de uma jovem que fez uma postagem em rede social perguntando se Boulos iria um dia à casa dela para comer bolo. A equipe do candidato leu a mensagem, entrou em contato com ela e o candidato foi à casa dela comer bolo, com as imagens depois compartilhadas em suas redes.

"Isso serviu para tentar descolá-lo da imagem do PSOL como um partido de esquerda agressivo. Preferiu suavizar, defender as pautas de uma maneira mais leve", diz.

Para Ferracioli, a decisão de Boulos focar o primeiro turno em "conversar com os jovens" também se explica pelo fato da vice na chapa, Erundina, prefeita de São Paulo de 1989 a 1993, já ser melhor conhecida pela população mais velha.

Inspiração para a esquerda

A habilidade no uso de redes sociais para contornar a falta de tempo de TV também foi uma característica da vitória de Jair Bolsonaro na campanha presidencial 2018, e uma fórmula usada por outros candidatos de extrema direita e de direita, como Arthur do Val, o Mamãe Falei, do Patriotas, que terminou em quinto lugar na eleição paulistana com 9,8% dos votos válidos.

A performance de Boulos nesse quesito é uma novidade na esquerda e aponta que esse campo político também pode ser capaz de usar as mídias sociais com sucesso, diz a cientista política Camila Mont'Alverne, especialista em comunicação política e pesquisadora do Reuters Institute, vinculado à Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Ela lembra que o PT, nos anos em que comandou o governo federal, contava com uma rede ativa e relevante de apoiadores em blogs considerados progressistas, mas que não conseguiram migrar para as redes sociais, enquanto influenciadores digitais de direita tiveram melhores resultados ocupando esse espaço.

"A campanha de Boulos entendeu que cada mídia social requer uma linguagem própria. Ele conseguiu manter um equilíbrio entre usar uma linguagem mais descontraída, mas sem se tornar um personagem falso. A atuação dele parecia mais natural, algo que tanto Covas como [Jilmar] Tatto [candidato pelo PT] não conseguiram", afirma.

Mont'Alverne menciona como exemplo vídeos curtos da campanha de Boulos, editados em cortes rápidos e com efeitos visuais, que mostravam o candidato em seu carro, ouvindo o que outras pessoas falavam dele, e depois indo conversar com elas de forma calma, tentando desconstruir a imagem pré-concebida que tinham dele.

Ela diz que essa estratégia foi importante para moderar a imagem do candidato do PSOL, que iniciou sua militância política como líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, ocupando imóveis abandonados.

"O perfil dele nas redes sociais não é o de um militante do movimento dos sem-teto. Isso faz parte da história dele, mas o perfil é de alguém tentando ocupar o cargo da prefeitura mais importante do país. Eles fizeram a transição de um militante de um grupo específico para um candidato”, diz.

Segundo turno

Boulos não poderá mais alegar que tem pouco tempo de rádio e TV. No segundo turno, os blocos de propaganda eleitoral são divididos igualmente entre os dois candidatos.

Mas como a produção de programas de TV exige muitos recursos financeiros, Ferracioli projeta que o PSOL continuará a priorizar as plataformas digitais. "As redes sociais são mais econômicas, produzem mais resultados com menos recursos”, diz.

Ele acredita que Boulos tentará se apresentar como a antítese de um PSDB que governa o estado de São Paulo há muito tempo e que já ocupou a prefeitura por diversas vezes. Já a oposição a Bolsonaro não deve ocupar tanto espaço, pois Covas também tem feito críticas ao presidente e declarou que não buscará o seu apoio no segundo turno.

Um desafio à frente do candidato do PSOL, diz, é como conquistar o voto da população das periferias e dos mais pobres —  nas pesquisas, ele registra melhor desempenho nas regiões centrais e entre os mais escolarizados.

Para chegar a esse grupo, Ferracioli afirma que a campanha Boulos talvez precise reorientar seus esforços para outras redes, como o Facebook e WhatsApp, que são usados de forma mais ampla pela população.

Segundo Mont'Alverne, se o candidato do PSOL não fizer ajustes no segundo turno para tentar se conectar com o público que ainda não conseguiu conquistar, correrá o risco de acabar como Marcelo Freixo na campanha a prefeito do Rio de Janeiro em 2016, que perdeu no segundo turno para Marcelo Crivella, do PRB.

"A campanha de Freixo foi uma campanha linda para os apoiadores, mas tinha um problema quase de identificação cultural, não tinha jeito de uma campanha a uma candidatura majoritária”, diz.

A Rosa de Sant'Ana


                                                           

(evangelhista da silva)



O sábado amanhecera em flores e cores e amar
 indo à Feira merquei as flores, vivi o amor e colhi rosas
                                     enquanto eu esperava a Princesa do Sertão em carne e flor                                       imaginava esse encontro em eterna paixão
e não via a hora de atravessar o mar da seca
para mergulhar em seu corpo doce de mulher.

Como sempre,
desde há muito tempo
a spero contente e tenso a sua presença em braços meus
a soluçar um desejo inesgotável de eterna paixão.

Ai Ana santa, minha linda Rosa de Sant'Ana
sacana é quem te faz sofrer neste mundo de meu Deus.

Vem Amor meu
vem!

Aqui a espero em meus braços
entre soluços, gemidos, e gritos!

E no silêncio da noite
sentirão o nosso prazer de amar
e despertaremos desejos ofuscados
àqueles casais infelizes.

Por certo irão copiar o nosso gesto dengoso
mas nunca nos alcançarão
em desejo, amor e tesão
visto que o nosso amor é desejo infinito de gozar.

 

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Assistente de acusação - breve resumo e atual entendimento jurisprudencial


 Publicado por Flávia Advogada 

 
O titular e, portanto, autor da ação penal pública, é o Ministério Público (art. 129, I, CF/88). Contudo, o ofendido (vítima) do crime poderá pedir para intervir no processo penal a fim de auxiliar o Ministério Público. A essa figura, dá-se o nome de “assistente da acusação”. O assistente também é chamado de “parte contingente”, “adesiva”, ou “adjunta”. O assistente é considerado a única parte desnecessária e eventual do processo. OBS: Somente existe assistente da acusação no caso de ação penal pública. Qual é o fundamento que justifica a existência do assistente da acusação? Segundo a corrente majoritária (STF e STJ, bem como doutrina majoritária), o ofendido (ou seus sucessores) podem intervir como assistente da acusação não apenas para obter um título executivo (sentença condenatória). O assistente da acusação tem interesse em que a justiça seja feita. Desse modo, o interesse não é meramente econômico. O assistente da acusação poderá recorrer tanto nos casos em que o réu for absolvido, como na hipótese em que desejar apenas o aumento da pena imposta (o interesse não é apenas no título, mas sim na justiça). O instituto da assistência da acusação é compatível com a CF/88. Existe corrente minoritária afirmando que a figura do assistente do Ministério Público seria incompatível com a Constituição Federal. No entanto, tanto a doutrina majoritária como a jurisprudência do STF reputam que não há nada de inconstitucional no referido instituto. Quem pode ser assistente da acusação? Segundo o art. 268 do CPP, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido (pessoalmente ou por meio de seu representante legal, caso seja incapaz). Caso a vítima tenha morrido, poderá intervir como assistente:  O cônjuge; O companheiro; O ascendente; O descendente ou O irmão do ofendido. O corréu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público (art. 270 do CPP). Ex.: Pedro e Tiago foram denunciados por lesões corporais recíprocas. Pedro não pode ser aceito como assistente de acusação do MP porque é corréu no processo. Momento em que pode ocorrer a intervenção como assistente da acusação A intervenção como assistente da acusação poderá ocorrer em qualquer momento da ação penal, desde que ainda não tenha havido o trânsito em julgado, conforme artigo 269 do CPP (O assistente será admitido enquanto não passar em julgado a sentença e receberá a causa no estado em que se achar). Não cabe assistente da acusação no inquérito policial. Não cabe assistente da acusação no processo de execução penal. Como ocorre a habilitação do ofendido (ou de seus sucessores) como assistente: 1) O ofendido (ou seus sucessores) deverá, por meio de um advogado dotado de procuração com poderes específicos, formular pedido ao juiz para intervir no processo como assistente da acusação; 2) O juiz manda ouvir o MP; 3) O MP somente pode se manifestar contrariamente à intervenção do ofendido como assistente da acusação se houver algum aspecto formal que não esteja sendo obedecido (exs.: o sucessor pediu para intervir, mas o ofendido ainda está vivo; o advogado não possui procuração com poderes expressos). O MP não pode recusar o assistente com base em questões relacionadas com a oportunidade e conveniência da intervenção. Preenchidos os requisitos legais, a intervenção do ofendido como assistente é tida como um direito subjetivo; 4) O juiz decide sobre a intervenção, ressaltando mais uma vez que esta somente poderá ser negada se não atender aos requisitos da lei; 5) Da decisão que admitir ou não o assistente não caberá recurso (art. 273 do CPP). No entanto, é possível que seja impetrado mandado de segurança. Por fim, recentemente o STJ entendeu ser possível a intervenção dos pais como assistentes da acusação na hipótese em que o seu filho tenha sido morto, mas, em razão do reconhecimento de legítima defesa, a denúncia tenha imputado ao réu apenas o crime de porte ilegal de arma de fogo. Portanto, os familiares da vítima poderão intervir no processo de porte de arma de fogo mesmo tendo havido arquivamento quanto à imputação de homicídio. Neste sentido entendeu o STJ. 5ª Turma. RMS 43.227-PE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 3/11/2015 (Info 574).  
 
 
 
 
 Flávia Advogada Advogada, formada em Direito pela Centro Universitário (FAG), na cidade de Cascavel - Paraná; inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Paraná - sob o n. 75.923; Pós-Graduada pela Faculdade Damásio, com título de especialista em Direito Penal ("Lato sensu"). Atua prestando serviços de assessoria e consultoria jurídica a pessoas físicas e jurídicas, nacionais e estrangeiras, dos mais variados setores de atividades; jurista no Jusbrasil e possui uma página no facebook (facebook.com/draflaviatortega).

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

AVEH - Acidente Vascular Encefálico Hemorrágio e AVEI - Acidente Vascular Encefálico Isquêmico.

Pode ser definido como o comprometimento súbito da função cerebral, devido à interrupção do fornecimento de oxigênio e nutrientes ao tecido cerebral, ocasionado por uma obstrução ou ruptura do vaso sanguíneo responsável por este aporte. As Aves podem ser classificadas em duas grandes categorias, de acordo com suas definições: a) AVE isquêmico (AVEI) – resulta da oclusão de uma artéria, privando determinada área do cérebro de nutrientes essenciais e oxigenação. Esta oclusão é provocada pela presença de coágulos, que se desenvolvem dentro da própria artéria (trombose arterial) ou que migraram de outro ponto do organismo (embolia cerebral). Corresponde a 75% dos casos e ainda pode ser classificado segundo sua localização anatômica, como se segue; a.1) AVEI da circulação anterior (ou do território carotídeo) – envolve a região suprida pela artéria carótida; a.2) AVEI da circulação posterior 9ou do território vértebro-basilar) – afeta o território suprido pelo sistema vértebro-basilar e compromete o tronco encefálico e o cerebelo. b) AVE Hemorrágico (AVEH) – é ocasionado pela ruptura de um vaso sanguíneos, com consequente sangramento para dentro do parênquima encefálico (hemorragia intraparenquimatosa - HIP) ou para a superfície do encéfalo (hemorragia subaracnóide- HSA). HAS é a principal causa de hemorragia intraparenquimatosa, porém a angiopatia amilóide também pode constituir-se em importante causa de sangramentos, enquanto que a principal causa de hemorragia subaracnóide é a ruptura de aneurismas. Deve-se suspeitar de AVE quando houver relato de aparecimento súbito de alteração no nível de consciência, com sinal neurológico localizador (hemiparesias, paresias de face e parestesias), tonteira, disfasia, disfagia, disfonia, cefaléia (de intensidade superior e diferente das cefaléias anteriormente sentidas), alterações visuais, alteração da coordenação, etc.; de acordo com o local afetado pela hemorragia, o exame físico deve revelar algum (alguns) dos seguintes sinais e sintomas: a) Comprometimento da circulação carotídea: - Paresia unilateral – fraqueza ou sensação de peso em um hemicorpo, podendo ocorrer assimetria facial. O lado acometido é oposto ao da artéria comprometida; - Parestesia – perda da sensibilidade, formigamento ou sensação anormal em um lado do corpo, que costuma ocorrer simultaneamente e do mesmo lado da fraqueza. Lembrando que o lado acometido é oposto ao da artéria comprometida; - Distúrbios da linguagem – dificuldade em selecionar corretamente as palavras, linguagem incompreensível, dificuldade de compreensão, escrita ou de leitura (disfasia); articulação anormal das palavras (disartria); - Distúrbios visuais – visão borrada em um lado do campo visual e ambos os olhos. O campo visual comprometido é oposto ao da artéria comprometida; - Cegueira monocular – perda visual unilateral e indolor. O olho acometido é do mesmo lado da artéria envolvida. b) Comprometimento da circulação vértebro-basilar: - Vertigem – sensação de estar girando que persiste no repouso e pode ser acompanhada de nistagmo; - Distúrbio da visão – visão borrada em um ou ambos os campos visuais. Acomete ambos os olhos, simultaneamente; - Diplopia (visão de duas imagens); - Paresia ocular – incapacidade de mover os olhos para um determinado lado; - Paresia – fraqueza que envolve um lado do corpo ou os quatro membros. A face pode estar acometida de um lado e os membros, do outro; - Parestesia – perda da sensibilidade, podendo acometer um lado do corpo ou os quatro membros. Costuma ocorrer simultaneamente com os sintomas motores; - Disartria – fala empastada, dificuldade de articulação; - Ataxia – desequilíbrio marcha instável, falta de coordenação em um lado do corpo; - “Drop attack” – consiste em paralisia súbita dos quatro membros, sem perda da consciência, resultando em queda. O exame físico costuma apresentar dados semelhantes nos dois tipos de AVE (isquêmico e hemorrágico). Entretanto, a cefaléia intensa, a rápida deterioração do nível de consciência, a presença de vômitos e a síndrome meníngea sugerem a presença de hemorragia, e o diagnóstico de certeza deverá ser feito com base nos exames complementares, que são: a) Avaliação laboratorial – hemograma completo, com contagem de plaquetas; sódio, potássio, magnésio, uréia e creatinina séricos; glicemia; tempo de tromboplastina parcial ativada; fibrinogênio; b) Tomografia computadorizada cerebral (TCC) – exame inicial, realizado geralmente no atendimento emergencial. Possui alta sensibilidade para o diagnóstico de hemorragia intraparenquimatosa, porém pode não evidenciar pequenas hemorragias subaracnóides ou lesões isquêmicas nas primeiras 48h e hemorragias situadas na fossa posterior; c) Ressonância magnética cerebral – exame mais dispendioso e não disponível em todos os centros de atendimento, porém é o mais sensível para detecção precoce de lesões isquêmicas (sequências de difusão e perfusão) e das lesões da fossa posterior. Requer imobilidade do paciente, o que pode constituir-se num fator limitante principalmente na fase aguda, devido à agitação psicomotora; d) Radiografia de tórax (sempre) e de coluna cervical (nos casos de trauma); e) Eletrocardiograma – utilizado para verificação de arritmias; f) Ultra-sonografia de carótidas – exame não-invasivo, útil para avaliação de estenoses; g) Exame do líquido cefalorraquidiano – quando houver suspeita clínica de HSA, com TC cerebral normal; h) Angiografia digital encefálica – para fazer um estudo detalhado da circulação cerebral, nos casos de suspeita de malformações vasculares, como aneurismas e angiomas; i) Doppler transcraniano – estudo sonográfico bastante prático para controle da reperfusão nos AVEI e de vasoespasmo na HSA. É um exame não invasivo, realizado à beira do leito e pode ser repetido quantas vezes for necessário; j) Ecocardiograma transtorácico – usado na avaliação de lesões estruturais cardíacas e presença de trombos intracavitários. Deve ser considerado caso não se consiga evidenciar as causas de AVEI pelos métodos citados anteriormente; k) Eletroencefalograma – utilizado nos casos de crises convulsivas concomitantes com o AVE e nas monitorações dos pacientes em coma (inclusive o induzido). Com relação ao tratamento, existem algumas medidas gerais, que devem ser aplicadas em qualquer tipo de AVE, como: controle da PA; controle da pressão intracraniana; controle das crises convulsivas; controle da glicemia; controle da temperatura corporal. Entretanto, para cada tipo de AVE existem também medidas específicas: a) AVEI – uso de antiagregante plaquetário, terapia fibrinolítica venosa, procedimentos endovasculares (terapia fibrinolítica intra-arterial, angioplastias); b) AVEH – drenagem de hematomas intraparenquimatosos, correção de malformações vasculares, seja por técnicas cirúrgicas ou por procedimentos endovasculares. É importante lembrar que os AVEs causam de 15 a 30% de incapacidade total e dentre as alterações causadas pela incapacidade motora e funcional, destacam-se as relacionadas ao sistema gastrointestinal: a) Disfagia total ou parcial – na disfagia parcial, há dificuldade de deglutição de alimentos com consistência líquida e/ou sólida. Para a alimentação via oral, os alimentos deverão ser oferecidos na consistência semilíquida (cremes, sopas, purês) ou líquida espessada, com o auxílio de espessantes, de forma a facilitar a diversificação da dieta. b) Paresia de face – A dificuldade para mastigação pode ocorrer, podendo ser mantida a alimentação via oral, desde que a consistência da dieta seja líquida, semilíquida ou pastosa. c) Gastroparesia – a dieta deverá ser administrada por via duodenal ou jejunal, caso a utilização de pró-cinéticos não seja capaz de contornar o problema. d) Diminuição da motilidade intestinal – a constipação intestinal pode estar presente, sendo recomendada a utilização de módulos de fibras e aumento da ingestão hídrica (em média 1ml/Kcal), quando não houver nenhuma co-morbidade (ex: ICC ou insuficiência renal) que limite o volume de líquidos. Caso a hipomotilidade seja severa, o uso de medicamentos laxativos será necessário. 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sábado, 24 de outubro de 2020

Carl Orff: Carmina Burana

Astrid Fontenelle conversa com o Pastor Henrique Vieira | Lives da Quare...

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Caetano Veloso Entrevista Henrique Vieira - Parte 2

Caetano Veloso Entrevista Henrique Vieira

Pastor Henrique Vieira Emociona a todos no comício de Fernando Haddad

Pastor Henrique Vieira analisa como a espiritualidade pode ajudar na pandemia: “Aprender a se amar e ter paciência com nossos limites”

 

Pastor Henrique Vieira analisa como a espiritualidade pode ajudar na pandemia: “Aprender a se amar e ter paciência com nossos limites”

Crédito: Foto divulgação

No Trace Trends desta semana os apresentadores AD Junior e Alberto Pereira Jr. conversaram com o escritor, ator e pastor Henrique Vieira sobre religião, pandemia, política e movimentos sociais.



Nascido no Rio de Janeiro, Henrique é pastor da Igreja Batista do Caminho e acredita no amor como atitude ética e política capaz promover mudanças revolucionárias. “O amor não fica em silêncio diante de nenhuma forma de violência e de opressão. O amor me coloca em movimento de solidariedade diante da vida, num movimento de denúncia, de inquietude diante de tudo aquilo que maltrata a vida”, explica, analisando o atual momento da sociedade.

O religioso fala também da importância do papel da fé e da espiritualidade nesse momento de pandemia. “A espiritualidade é como a arte, uma expressão humana diante da beleza e da fragilidade da vida. Não fica presa em um dogma ou doutrina, ultrapassa religiões”, pondera, exemplificando duas situações em que a fé e espiritualidade podem ajudar.

“A primeira de olhar para dentro, de cuidar de si, de aprender a se amar e ter paciência com nossos limites. Acariciar nossas fraquezas e empoderar ainda mais nossas potências. E a segunda de dentro para fora, de abraçar a humanidade, de sentir-se um com o outro. Não é uma fé heróica, mas sim uma que nos faz caminhar e ter esperança, que nos tira da apatia do medo e nos dá coragem”, conclui.

O Trace Trends tem ainda um bate-papo com a especialista em turbantes Thaís Muniz e com as gêmeas Tasha e Tracie Okereke, conhecidas como ‘it girls da quebrada’, além de uma conversa com Djavan.

O programa vai ao ar nas terças-feiras, às 22h30, na RedeTV!.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Zygmunt Bauman - o pensamento do sociólogo da "modernidade líquida"


Zygmunt Bauman - o pensamento do sociólogo da "modernidade líquida"

Para Zygmunt Bauman, ?vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar? - Reprodção/Wikipedia
Para Zygmunt Bauman, ?vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar? Imagem: Reprodção/Wikipedia

Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação

Pontos-chave

  • A modernidade imediata é “líquida” e “veloz”, mais dinâmica que a modernidade “sólida” que suplantou. A passagem de uma a outra acarretou profundas mudanças em todos os aspectos da vida humana. A modernidade líquida seria "um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível".
     
  • Na sociedade contemporânea, emergem o individualismo, a fluidez e a efemeridade das relações.

“Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar”. Essa é uma das frases mais famosas do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, falecido em janeiro de 2017, aos 91 anos. Ele deixou uma obra volumosa, com mais de 50 livros, e é considerado um dos pensadores mais importantes e populares do fim do século 20.

Bauman é um dos expoentes da chamada “sociologia humanística” e dedicou a vida a estudar a condição humana. Ele é visto por muitos como um teórico perspicaz e por outros como um ingênuo pessimista. Suas ideias refletem sobre a era contemporânea em temas como a sociedade de consumo, ética e valores humanos, as relações afetivas, a globalização e o papel da política.

Nascido na Polônia em 1925, Bauman serviu como militar durante a Segunda Guerra Mundial, foi militante do Partido Comunista polonês e professor da Universidade de Varsóvia. Filho de judeus, ele foi expulso da Polônia em 1968 por causa do crescente antissemitismo do Leste Europeu. Emigrou para Israel e se instalou na Inglaterra, onde desenvolveu a maior parte de sua carreira. Desde 1971 atuava como professor emérito de sociologia da Universidade de Leeds.

A modernidade sólida e a modernidade líquida

O tempo em que vivemos é chamado por muitos pensadores como “pós-modernidade”. O termo foi popularizado em 1979 pelo pensador francês Jean-François Lyotard (1924-1998).  Para Lyotard, esse é o período em que todas as grandes narrativas (visões de mundo) entram em crise e os indivíduos estão livres para criar tudo novo.

Bauman não utiliza o termo pós-modernidade. Ele cunhou o conceito de “modernidade líquida” para definir o tempo presente. Escolheu a metáfora do “líquido” ou da fluidez como o principal aspecto do estado dessas mudanças. Um líquido sofre constante mudança e não conserva sua forma por muito tempo.

As formas de vida contemporânea, segundo o sociólogo polonês, se assemelham pela vulnerabilidade e fluidez, incapazes de manter a mesma identidade por muito tempo, o que reforça um estado temporário e frágil das relações sociais e dos laços humanos. Essas mudanças de perspectivas aconteceram em um ritmo intenso e vertiginoso a partir da segunda metade do século XX. Com as tecnologias, o tempo se sobrepõe ao espaço. Podemos nos movimentar sem sair do lugar. O tempo líquido permite o instantâneo e o temporário.

Em seu primeiro livro, “Mal-estar da pós-modernidade”, Bauman parodia Sigmund Freud (1856-1939), autor de “O mal-estar da civilização”. A tese freudiana é de que na idade moderna os seres humanos trocaram liberdade por segurança. O excesso de ordem, repressão e a regulação do prazer gerou um mal-estar, um sentimento de culpa.

Para Bauman, “a modernidade sólida tinha um aspecto medonho: o espectro das botas dos soldados esmagando as faces humanas". Pela estabilidade do Estado, da família, do emprego ou de outras instituições, aceitava-se um determinado grau de autoritarismo. Segundo o sociólogo, a marca da pós-modernidade é a própria vontade de liberdade individual, princípio que se opõe diretamente à segurança projetada em torno de uma vida estável.

Bauman entende que na modernidade sólida os conceitos, ideias e estruturas sociais eram mais rígidos e inflexíveis. O mundo tinha mais certezas. A passagem de uma modernidade a outra acarretou mudanças em todos os aspectos da vida humana. A modernidade líquida seria "um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível".

Bauman entende que a nossa sociedade teve uma maior emancipação em relação às gerações anteriores. A sensação de liberdade individual foi atingida e todos podem se considerar mais livres para agir conforme seus desejos. Mas essa liberdade não garante necessariamente um estado de satisfação. Ela também exige uma responsabilidade por esses atos e joga aos indivíduos a responsabilidade pelos seus problemas.

Na sociedade contemporânea emergem o individualismo, a fluidez e a efemeridade das relações. Se a busca da felicidade se torna estritamente individual, criamos uma ansiedade para tê-la, pois acreditamos que ela só depende de nós mesmos. Para Bauman, somos impulsionados pelo desejo, um querer constante que busca novas formas de realizações, experiências e valores. O prazer é algo desejado e como ele é uma sensação passageira, requer um estímulo contínuo.

À medida em que o futuro se torna incerto, o sentimento coletivo dominante é que se deve viver o momento presente e exclusivamente para si. Dessa instabilidade e ausência de perspectiva também nasce uma angústia. A incerteza diante do futuro pode explicar o aumento do uso de antidepressivos e a intensa busca por entretenimento como formas de afastar essa sensação.

Em muitos casos, essa angústia resulta na paralisia da ação, na incapacidade de agir. Ao lidar com uma insegurança, muitas vezes o indivíduo se recusa a assumir responsabilidades ou assume o discurso do “eu não gosto de tomar decisões”. Somos livres, mas não conseguimos transformar o mundo – temos um sentimento de impotência. Em outros casos, essa frustração pode gerar um ódio intenso a tudo e a todos.

Em entrevista ao jornal argentino Clarín, Bauman declarou: “escolhi chamar de ‘modernidade líquida’ a crescente convicção de que a mudança é a única coisa permanente e a incerteza a única certeza”. Bauman entende a crise como sendo um tempo em que o velho já se foi, mas o novo não tem forma ainda. Em entrevista ao jornal italiano Il Messaggero, o sociólogo sinaliza que buscamos um estado de maior solidez. “Ainda estamos em uma sociedade líquida, mas em que nascem sonhos de uma sociedade menos líquida”, afirmou.

A sociedade do consumo

Bauman observa que o século 20 sofreu uma passagem da sociedade de produção para a sociedade de consumo.  Isso não significa que não exista uma produção, mas que o sentido do ato de consumir ganhou outro patamar.

Se as grandes ideologias, alicerces e instituições se tornaram instáveis, o consumo se tornou um elemento central na formação da identidade. Muito além da satisfação de necessidades, consumir passa a ter um peso primordial na construção das personalidades.  O ter se torna mais importante que o “ser”.

Temos inúmeras possibilidades de escolha e consumimos produtos que identifiquem um determinado estilo de vida e comportamento. Ao transformar tudo em mercadoria, nossa identidade também se constitui a partir da satisfação do prazer pelo consumo. Marcas e grifes se tornam um símbolo de quem somos. Sua compra também significa um status social, o desejo de um reconhecimento perante os outros.

Satisfazer por completo os consumidores, na realidade, significaria não ter mais nada para vender. Consumir também significa descartar. Temos acesso a tudo o que queremos e ao mesmo tempo as coisas se tornam rapidamente obsoletas. “O problema não é consumir; é o desejo insaciável de continuar consumindo”, diz Bauman. Tanto que o descarte do lixo é um grande problema na sociedade.

Bauman escreve: “Rockefeller pode ter desejado construir suas fábricas, estradas de ferro e torres de petróleo altas e volumosas e ser dono delas por um longo tempo [...], Bill Gates, no entanto, não sente remorsos quando abandona posses de que se orgulhava ontem; é a velocidade atordoante da circulação, da reciclagem, do envelhecimento, do entulho e da substituição que traz o lucro hoje – não a durabilidade e a confiabilidade do produto”.

As pessoas também precisam se reinventar para que não se tornem obsoletas. Elas precisam ter identidades fluidas.  Segundo Bauman, “na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável”.

As relações líquidas

Na modernidade líquida, os vínculos humanos têm a chance de serem rompidos a qualquer momento, causando uma disposição ao isolamento social, onde um grande número de pessoas escolhe vivenciar uma rotina solitária. Isso também enfraquece a solidariedade e estimula a insensibilidade em relação ao sofrimento do outro.

Esse tipo de isolamento parece ser uma contradição da globalização, que aproxima as pessoas com a tecnologia e novas formas de comunicação. Mas se tudo ocorre com intensa velocidade, isso também se reflete nas relações pessoais. As relações se tornam mais flexíveis, gerando níveis de insegurança maiores. Ao mesmo tempo em que buscam o afeto, as pessoas têm medo de desenvolver relacionamentos mais profundos que as imobilizem em um mundo em permanente movimento.

Bauman reflete sobre as relações humanas e acredita que os laços de uma sociedade agora se dão em rede, não mais em comunidade. Dessa forma, os relacionamentos passam a ser chamados de conexões, que podem ser feitas, desfeitas e refeitas – os indivíduos estão sempre aptos a se conectarem e desconectarem conforme vontade, o que faz com que tenhamos dificuldade de manter laços a longo prazo.

O sociólogo acredita que as redes sociais significam uma nova forma de estabelecer contatos e formar vínculos. Mas que elas não proporcionam um diálogo real, pois é muito fácil se fechar em círculos de pessoas pensam igual a você e evitar controvérsias.

Para Bauman, a rede é mantida viva por duas atividades: conectar e desconectar. o contato no meio virtual pode ser desfeito ao primeiro sinal de descontentamento, o que denota uma das características da sociedade líquida. “O atrativo da ‘amizade Facebook’ é que é fácil conectar, mas a grande atração é a facilidade de desconectar”, diz Bauman.

Política, segurança e economia

Na modernidade líquida, existe uma maior separação do poder e a política. O Estado perde força, os serviços públicos se deterioram e muitas funções que eram do Estado são deixadas para a iniciativa privada e se tornam responsabilidade dos indivíduos. É o caso do fim do modelo do Estado de Bem-Estar Social na Europa.

Bauman identifica uma crise da democracia e o colapso da confiança na política. “As pessoas já não acreditam no sistema democrático porque ele não cumpre suas promessas”, diz o sociólogo. Para ele, a vitória eleitoral de candidatos como Donald Trump nos EUA é um sintoma de que a retórica populista e autoritária ganha espaço como solução para preencher esses vazios.

No campo econômico, Bauman cita a fluidez dos mercados e o comportamento do consumo a crédito, que evita o retardamento da satisfação. “Vivemos a crédito: nenhuma geração passada foi tão endividada quanto a nossa - individual e coletivamente (a tarefa dos orçamentos públicos era o equilíbrio entre receita e despesa; hoje em dia, os "bons orçamentos" são os que mantêm o excesso de despesas em relação a receitas no nível do ano anterior)”.

Para ele, as desigualdades sociais aumentaram. Ao mesmo tempo em que se aumentam as incertezas, os indivíduos devem lutar para se inserir numa sociedade cada vez mais desigual econômica e socialmente. Os empregos estão mais instáveis e a maioria das pessoas não pode planejar seu futuro muito tempo adiante.

Para o sociólogo, não existe mais o conceito tradicional de proletariado. Emerge o “precariado”, termo que Bauman usou para se referir a pessoas cada vez mais escolarizadas, mas com empregos precários e instáveis. Agora a luta não é de classes, mas de cada pessoa com a sociedade.

No mundo líquido, a sensação de segurança também é fluida. "O medo é o demônio mais sinistro do nosso tempo", alerta Bauman. O medo do terrorismo e da violência que pode vir de qualquer parte do globo (inclusive virtualmente, como os hackers e haters das redes) cria uma vigilância constante, a qual aceitamos nos submeter para ter mais segurança.

"Essa obsessão deriva do desejo, consciente ou não, de recortar para nós mesmos um lugarzinho suficientemente confortável, acolhedor, seguro, num mundo que se mostra selvagem, imprevisível, ameaçador", escreve Bauman no livro “Confiança e Medo na Cidade”. No mundo off-line, a arquitetura das cidades está sendo cada vez mais projetada para promover o afastamento: muros, condomínios fechados e sistemas de vigilância estão em alta.

No livro “Estranhos à Nossa Porta”, Bauman escreve: “a ignorância quanto a como proceder, como enfrentar uma situação que não produzimos nem controlamos é uma importante causa de ansiedade e medo”. Ele relaciona a situação de desemprego dos europeus ao aumento do ódio contra os imigrantes. Ao mesmo tempo, manter esse medo aceso seria uma estratégia de poder para determinados grupos, como políticos de discursos nacionalistas e xenófobos.

PARA SABER MAIS

O mal-estar da pós-modernidade, Zygmunt Bauman. Ed. Zahar, 1998.

Modernidade Líquida, Zygmunt Bauman. Ed. Zahar, 2001.

A condição pós-moderna, Jean-François  Lyotard. Ed. José Olympio, 2002.

Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos, Zygmunt Bauman. Ed. Zahar, 2004.

Confiança e Medo na Cidade, Zygmunt Bauman. Ed. Zahar, 2009.
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Estranhos à Nossa Porta, Zygmunt Bauman. Ed. Zahar, 2017.

Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação

Modernidade líquida


Modernidade líquida

O conceito de modernidade líquida foi desenvolvido pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman e diz respeito a uma nova época em que as relações sociais, econômicas e de produção são frágeis, fugazes e maleáveis, como os líquidos. O conceito opõe-se, na obra de Bauman, ao conceito de modernidade sólida, quando as relações eram solidamente estabelecidas, tendendo a serem mais fortes e duradouras.

Leia também: Mito da caverna – diálogo platônico que sobrepõe o conhecimento racional ao vulgar

O que é modernidade líquida?

Bauman definiu como modernidade líquida um período que se iniciou após a Segunda Guerra Mundial e ficou mais perceptível a partir da década de 1960. Esse sociólogo chamou de modernidade sólida o período anterior.

A modernidade sólida era caracterizada pela rigidez e solidificação das relações humanas, das relações sociais, da ciência e do pensamento. A busca pela verdade era um compromisso sério para os pensadores da modernidade sólida. As relações sociais e familiares eram rígidas e duradouras, e o que se queria era um cuidado com a tradição. Apesar dos aspectos negativos reconhecidos por Bauman da modernidade sólida, o aspecto positivo era a confiança na rigidez das instituições e na solidificação das relações humanas.

O contato pessoal e os relacionamentos foram banalizados, sendo intermediados por aparelhos eletrônicos e pela internet na modernidade líquida.
O contato pessoal e os relacionamentos foram banalizados, sendo intermediados por aparelhos eletrônicos e pela internet na modernidade líquida.

A modernidade líquida é totalmente oposta à modernidade sólida e ficou evidente na década de 1960, mas a sua semente estava no início do capitalismo industrial, durante a Revolução Industrial. As relações econômicas ficaram sobrepostas às relações sociais e humanas, e isso abriu espaço para que cada vez mais houvesse uma fragilidade de laço entre pessoas e de pessoas com instituições.

A lógica do consumo entrou no lugar da lógica da moral, assim, as pessoas passaram a ser fortemente analisadas não pelo que elas são, mas pelo que elas compram. A ideia de compra também adentrou nas relações sociais, e as pessoas passaram a comprar afeto e atenção.

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Nesse contexto, as instituições ficaram estremecidas. O emprego tornou-se um empreendimento completamente individual no momento em que o indivíduo tornou-se um “empreendedor” de si mesmo. Se alguém não obtém sucesso nessa lógica da modernidade líquida, a responsabilidade é completamente individual.

Assim sendo, a modernidade líquida tem instituições líquidas, pois cada pessoa é uma instituição. A exploração capitalista deixou de ser vista como exploração e passou a ser vista como uma relação natural em que o sujeito, empreendedor de si mesmo, vende a sua força de trabalho ao sujeito empreendedor que possui o capital.

A modernidade líquida é ágil, pois ela acompanha a moda e o pensamento de época. A ciência, a técnica, a educação, a saúde, as relações humanas e tudo mais que foi criado pelo ser humano para compor a sociedade são submetidos à lógica capitalista de consumo.

Veja também: Instituições sociais – corpos sociais que visam à integração dos membros da sociedade

Modernidade líquida e relações humanas

As relações humanas ficaram extremamente abaladas com o surgimento da modernidade líquida. Bauman usa o termo “conexão” para nomear as relações na modernidade líquida no lugar de relacionamento, pois o que se passa a desejar a partir de então é algo que possa ser acumulado em maior número, mas com superficialidade suficiente para se desligar a qualquer momento. A amizade e os relacionamentos amorosos são substituídos por conexões, que, a qualquer momento, podem ser desfeitas.

As redes sociais mudaram completamente as relações humanas.
As redes sociais mudaram completamente as relações humanas.

As redes sociais e a internet serviram de instrumento para a intensificação do que Bauman chamou de amor líquido: a relação pseudoamorosa da modernidade líquida. Não se procura, como na modernidade sólida, uma companhia afetiva e amorosa como era na modernidade sólida, mas se procura uma conexão (que pode ser sexual ou não, sendo que a não sexual substitui o que era a amizade) que resulte em prazer para o indivíduo. O imperativo da modernidade líquida é a busca por prazer a qualquer custo, mesmo que utilizando pessoas como objetos. Aliás, na modernidade líquida, o sujeito torna-se objeto.

As conexões estabelecidas entre pessoas são laços banais e eventuais. As pessoas buscam um número grande de conexões, pois isso se tornou motivo de ostentação. Mais parceiros e parceiras sexuais, mais “amigos” (que, na verdade, não passam, na maioria dos casos, de colegas ou conhecidos), pois quanto mais conexões, mais célebre a pessoa é considerada. Basta fazer uma breve análise das relações sociais em redes sociais como o Facebook: quanto mais “amigos” (que, na verdade, são apenas contatos virtuais) a pessoa tem, mais requisitada ela se torna.

O sexo também se reduziu a mero objeto de prazer. É verdade que, enquanto impulso fisiológico do corpo, o lado animal do ser humano busca o sexo pelo prazer, e não pela reprodução em si. O prazer é uma isca da natureza para atrair o animal para a relação sexual, pois, assim, a natureza consegue que os animais se reproduzam e as espécies sejam mantidas.

O sexo, para as sociedades humanas e na modernidade sólida, deixou de ser somente instrumento de prazer e foi considerado mais que somente meio de reprodução. O sexo passou a ser visto como compartilhamento de emoções, de amor, símbolo de confiança entre duas pessoas. Na modernidade líquida, o sexo é mero instrumento de prazer e não deve ser medido qualitativamente, mas quantitativamente: quanto mais frequente e com o maior número de pessoas possíveis, melhor. Quanto menor o vínculo entre parceiros sexuais, melhor.

Modernidade líquida e consumismo

O consumo tornou-se um imperativo na modernidade líquida. Criou-se todo um aparato para que o capitalismo consiga progredir desenfreadamente por meio do consumo irracional. Para além do que o filósofo e sociólogo alemão Karl Marx observou em sua época, um fetiche pelo consumo, criou-se um fetiche pelas marcas, deixando de importar o produto em si, mas a sua fabricante e o seu preço.

Consumo sempre foi sinônimo de status, mas, na modernidade líquida, o consumo e o status são expressivamente dotados de uma carga simbólica muito mais intensa do que era na modernidade sólida. O sujeito é objetificado pelo capitalismo, tornando-se apenas o que ele consome, e não mais o que ele é. Na lógica da modernidade líquida, o sujeito é aquilo que ele consome.

 
Na modernidade líquida, ter é mais importante do que ser. A banalização da amizade e do namoro são reflexos desse modo de vida que prioriza o consumo e objetifica as pessoas.

O modo pelo qual o capitalismo consegue efetuar essa mudança de perspectiva é pela promessa de felicidade: os sujeitos estão cada vez mais ansiosos, tristes e sobrecarregados. Associa-se então o prazer momentâneo oferecido pelo consumo à felicidade. Como esse prazer é rapidamente passageiro, o sujeito sente a necessidade de buscá-lo constantemente, na tentativa de alcançar a felicidade.

Leia também: Cultura de massa – uma vitrine que incentiva o consumismo

Zygmunt Bauman e a modernidade líquida

Bauman nasceu na Polônia, em 1925, em uma família judia. Em 1939, a sua família fugiu da Polônia para a União Soviética por causa da invasão e anexação do território polonês pelos nazistas. Durante todo o período da Segunda Guerra Mundial, Bauman viveu na Polônia e chegou a trabalhar para o serviço secreto polonês, controlado pelo exército soviético.

Continuou como membro do exército polonês até 1954, quando foi demitido em razão de uma aproximação de seu pai com a embaixada israelense com vistas a conseguir um visto para Israel. Como havia uma restrição dos comunistas com o sionismo judeu, o exército polonês demitiu Bauman. O governo polonês era de orientação socialista soviética após o fim da guerra.

Em 1954, Bauman resolveu cursar seu mestrado em Sociologia, dando continuidade à sua graduação. No mesmo ano, tornou-se professor assistente na Universidade de Varsóvia. Nessa instituição, o sociólogo iniciou uma carreira que seria, mais tarde, promissora no campo da produção intelectual contemporânea.

Em 1968, pressões políticas conduzidas por um ato chamado de “expurgo” levaram à saída de vários judeus comunistas da Polônia. Nessa época, Bauman foi demitido da Universidade de Varsóvia e foi exilado da Polônia. Durante um tempo, o sociólogo viveu em Israel e lecionou na Universidade de Tel Aviv.

Em 1971, a sua carreira acadêmica cresceu exponencialmente, pois Bauman recebeu um convite para lecionar na Universidade de Leeds, na Inglaterra. Sua pesquisa social e política começou a produzir grandes frutos, que resultaram em livros que passaram a ser difundidos no mundo todo.

Foi nesse período também que Bauman começou a analisar os efeitos da globalização e da modificação das relações sociais e políticas após o fim da Segunda Guerra Mundial. Estava aqui plantado o gérmen do que viria a ser o conceito de modernidade líquida, que surgiria com força e distinção na obra de Bauman em 1990.

Zygmunt Bauman, o sociólogo polonês que desenvolveu o conceito de modernidade líquida.[1]
Zygmunt Bauman, o sociólogo polonês que desenvolveu o conceito de modernidade líquida.[1]

Bauman era um estudioso da chamada pós-modernidade. A Filosofia e a Sociologia contemporâneas convencionaram chamar o período contemporâneo, que se iniciou na década de 1960, de pós-modernidade ou pós-modernismo.

Um grupo de pensadores e filósofos intelectualmente filiados a uma corrente intelectual chamada de pós-estruturalismo enxergavam o pensamento de uma maneira diferente das tradicionais filosofias de tradição moderna. Entre esses pensadores, estavam os filósofos franceses Michel Foucault, Gilles Deleuze, Guy Debord e Jean-François Lyiotard. O grande público e os círculos intelectuais europeus tradicionais começaram a ver o trabalho de Bauman como uma obra “pós-moderna”, sendo que o que Bauman fazia era apresentar uma perspectiva crítica à pós-modernidade.

Em primeiro lugar, Bauman percebeu que a nova época vivida não era uma cisão com a modernidade, portanto não era algo que vinha após a modernidade, mas uma continuação da modernidade traçada de maneira diferente. Por isso, o sociólogo deu a esse tempo o título de modernidade líquida. Em segundo lugar, o termo surgiu para que Bauman não fosse associado a algo que ele queria criticar, ou seja, para que ele não fosse mais chamado de pós-moderno, mas fosse reconhecido como um crítico da pós-modernidade.

Crédito da imagem

[1] Michał Nadolski/Commons

Publicado por: Francisco Porfírio

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

TSE: recursos para negros devem ser proporcionais às candidaturas a partir de 2022

 

Desigualdade

TSE: recursos para negros devem ser proporcionais às candidaturas a partir de 2022

A Corte eleitoral deve editar resolução para regulamentar e tornar efetiva a medida e garantir participação de negros


O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou, nesta terça-feira (25/8), que a distribuição de recursos do fundo eleitoral e do tempo gratuito de rádio e TV seja proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar. Aí estão incluídos os recursos públicos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o tempo de rádio e TV para propaganda eleitoral gratuita. A alteração terá validade a partir das eleições gerais de 2022. 

A Corte concluiu julgamento, iniciado em em 30 de junho, de consulta feita pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), com suporte da Associação Educafro — Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes. Benedita indaga sobre a possibilidade de reserva de vagas, bem como de distribuição proporcional do fundo eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral para candidatos negros, nos mesmos termos do que ocorreu com as mulheres candidatas. 


Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Sérgio Banhos e Alexandre de Moraes formaram maioria no sentido de determinar a proporcionalidade entre os recursos financeiros e de tempo de campanha ao número de registros de candidaturas. A consulta tratava das cotas de gênero, mas o TSE deu uma resposta mais ampla, no sentido de que vale tanto para mulheres quanto para homens o requisito.

Moraes ainda propôs uma regra de transição, caso a regra valesse para as eleições deste ano. O ministro Tarcísio Vieira de Carvalho ficou vencido por entender que a pauta deve ter o protagonismo do Legislativo.

“Este é um momento muito importante na vida do tribunal e do país. Há momentos da vida em que cada um precisa escolher de que lado da história precisa estar. Hoje o Tribunal Superior Eleitoral afirmou que estamos do lado dos que combatem o racismo, dos que querem escrever a história do Brasil com tintas de todas as cores”, disse o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, na proclamação de resultado. Ele é também o relator do caso. 

Primeiro a votar nesta sessão, o ministro Og Fernandes afirmou que para mitigar os efeitos indesejados que a cota por gênero produziu na população negra, é necessário dar interpretação no sentido estabelecido pelo relator. Ele, no entanto, apresentou a proposta de que a aplicabilidade da norma se desse a partir de 2022, mediante a edição de resolução da Corte. Neste ponto, foi acompanhado nos votos seguintes, ficando vencidos os ministros Barroso, Fachin e Moraes. 

Dados desta própria Corte indicam que um terço dos partidos políticos já cumpriu o citado dispositivo e encontram-se aptos a receber recursos do FEFC e, de certo, não levaram em consideração na definição dos critérios a distribuição entre negros. Nesse contexto, alterar as regras relativas à distribuição de recursos do FEFC e Fundo Partidário, a uma semana do início das convenções partidárias, enseja um efeito surpresa e severa instabilidade. Em alusão a uma partida de futebol, mudar as ‘regras do jogo’ após o ‘apito inicial’, implica em ofensa à segurança jurídica”, disse o ministro. 

O ministro Luis Felipe Salomão apresentou compreensão semelhante à de Fernandes. Para ele, promover uma alteração tão próxima ao próximo pleito poderia ser problemático. O ministro também ponderou que o Judiciário deve agir com cautela nestes casos.

“Embora o campo seja vasto, deve-se ter igual atenção que a atuação buscando a mitigação das omissões estatais e sociais não descambe para o ilegítimo e indesejável ativismo judiciário. Como foi dito, o Judiciário pode e deve avançar, sobretudo em situação contramajoritária de modo a garantir direitos fundamentais. Mas entendo que deve se autoconter e não pode substituir a sociedade e seus representantes nos debates e implementação de políticas públicas”, ressaltou.

No mesmo sentido entendeu o ministro Sérgio Banhos. Ele reafirmou a importância da questão, apontando o racismo como “uma das mais graves mazelas da sociedade brasileira, decorrente, mas não só, de processo de abolição de escravatura sem inclusão social, culminando no abandono de gerações de concidadãos negros à própria sorte”.

Mas apontou que a atuação da Corte tem limites. Banhos disse que, na consulta, não há propriamente dúvidas, mas uma pretensão nos quatro quesitos formulados. “É curioso notar que os dispositivos legais citados não têm sequer correlação com o tema da igualdade racial por meio de candidaturas. O que se percebe é que a provocação feita a esta Corte superior não é a de interpretação de preceito jurídico existente, mas da criação de norma.” 

Para ele, no entanto, por mais justo que fosse a criação dessa norma, há risco que, se criada pelo Judiciário, os magistrados tivessem a imparcialidade afetada, visto que há questões que chegariam à Justiça Eleitoral, nos registros de candidaturas. “Somente se torna possível mediante certa atribuição livre do texto legal pelo magistrado, atividade que deve ser encarada com muita cautela, para que não se mude o paradigma dos Estados modernos, construído a partir de sofisticado sistema que contempla normas e princípios. Mesmo em face de problemas graves, como racismo e subrrepresentatividade, entendo que a posição jurídica deve preferencialmente decorrer de decisões políticas do Congresso Nacional, verdadeira Câmara de ressonância dos anseios sociais”, disse. 

Para o ministro Tarcísio Vieira de Carvalho, a situação das cotas de gênero é diferente das de negros, já que quanto ao segundo grupo não há na legislação base normativa que garanta reserva de recursos financeiros para as candidaturas. “Cenário que forçosamente deságua na conclusão de que tal matéria é adstrita ao âmbito interno de cada partido político como genuína matéria interna corporis a partir da análise da viabilidade de cada candidatura para distribuição para fins de distribuição de recursos.”

De acordo com ele, uma leitura apressada do entendimento dele poderia ensejar interpretação de que seria indiferente à questão, o que ele defende não ser verdade. “O Brasil dispõe de instrumentos legais materializadores das ações afirmativas necessárias referentes ao tema”, disse, citando normas como a Lei 12.990, que reserva aos negros 20% das vagas em concursos públicos, e a Lei 12.712, que dispõe sobre ingresso nas universidades federais e IFs. 

“Compreendo inviável a criação de cotas ou reservas financeiras pela via jurisprudencial, sobretudo diante da ausência de demonstração omissiva do órgão constitucionalmente destinado à tarefa. É de se notar neste contexto, e como bem pontuado no parecer da área técnica deste tribunal, projetos de lei em tramitação no Parlamento”, disse. Para ele, então, o tema já está em debate na seara própria, de forma que eventual resposta da poderia provocar uma solução per saltum. Assim, ele foi o único a votar  de forma contrária à consulta.

No caso do pedido de reserva de 30% das candidaturas de cada partido para pessoas negras, nos mesmos termos da cota de gênero, da Lei nº 9.504/1997, a Corte considerou inadequado o estabelecimento pelo Judiciário da política. 

Votos anteriores

De relatoria do ministro Barroso, o presidente do TSE afirmou que o tema é complexo, mas que já há maturidade para que seja enfrentado. No voto, ele traçou um perfil da desigualdade no Brasil, em que, da educação à segurança pública, pessoas negras são negativamente afetadas, o que é evidenciado nas estatísticas de cada setor. 

O ministro citou um estudo  da  FGV Direito sobre a eleição  para  Câmara  dos  Deputados  que apontou  que mulheres  brancas  candidatas receberam percentual  de  recursos   dos  partidos (18,1%)  proporcional às candidaturas  (também de 18,1%).  No  entanto,  candidatos negros continuaram  a  ser  subfinanciados  pelos  partidos.  Embora mulheres  negras representassem 12,9% das candidaturas, receberam apenas 6,7% dos recursos.  Também os homens negros receberam dos partidos recursos (16,6%) desproporcionais em relação às  candidaturas  (26%).  Apenas  os  homens  brancos  foram  sobrefinanciados  (58,5%) comparativamente ao percentual de candidatos (43,1%)

No mundo contemporâneo, a igualdade se expressa particularmente  em  três dimensões:  a  igualdade  formal,  que  funciona  como  proteção  contra  a  existência  de privilégios  e tratamentos  discriminatórios;  a  igualdade  material, que corresponde às demandas por redistribuição de poder, riqueza e bem — estar social; e a igualdade como reconhecimento,  significando  o  respeito  devido  às  minorias, sua identidade e suas diferenças. A ordem constitucional não apenas rejeita todas as formas de preconceito e discriminação, mas também impõe ao Estado o dever de atuar positivamente no combate a esse tipo de desvio e na redução das desigualdades de fato”, disse o ministro.

O relator defendeu que a representação dos diferentes grupos sociais no Parlamento é   essencial para a democracia e para o aumento da legitimidade das decisões tomadas. “Quando a representação política é excludente, afeta-se a capacidade de as decisões e políticas públicas refletirem as vontades e necessidades das minorias subrepresentadas. Para além do aumento do impacto na agenda pública, o aumento da representatividade política negra tem o efeito positivo de desconstruir o papel de subalternidade atribuído ao negro no imaginário social e de naturalizar a negritude em espaços de poder.”

Para o ministro, a não consideração de mulheres negras enquanto categoria produziu efeito desproporcional contra elas. Diante do racismo estrutural, as cotas de gênero teve, como consequência, manter as candidaturas negras sub financiadas e, elas, sup-representadas.

Da mesma forma, o ministro Luiz Edson Fachin, ressaltou a relevância do tema e o entendimento de que é preciso reconhecer a necessidade de ampliar o acesso da população negra aos espaços de poder, reduzindo os obstáculos impostos. 

Desse modo, é necessário e oportuno problematizar a concepção de cidadania que é parâmetro para o exercício dos direitos políticos fundamentais, e todo regramento constitucional e infraconstitucional que lhe dá respaldo. Para tanto, a questão da racialidade como “ significante sociológico da diferença humana não pode ser ignorada”, disse o ministro. Assim, de acordo com ele, ações em prol da igualdade racial e de  gênero devem  ser  respeitadas e buscadas como um fim preconizado pela ordem constitucional vigente.

O ministro Alexandre de Moraes deu o terceiro voto neste sentido, mas sugeriu que a verba do fundo público eleitoral para candidatos negros deveria ser, neste ano, minimamente no mesmo percentual de candidaturas negras que cada partido teve nas eleições municipais de 2016. A proposta, explicou o ministro, seria para evitar que partidos diminuíssem a quantidade de candidatos negros para que a fatia de recursos para os candidatos brancos não seja diminuída. No entanto, o colegiado decidiu para a validade para as eleições de 2022.

TSE suspende julgamento que discute distribuição de recursos e tempo de TV a candidatos negros

 

TSE suspende julgamento que discute distribuição de recursos e tempo de TV a candidatos negros

Três ministros já votaram a favor da distribuição proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar

Sessão administrativa por videoconferência

Um pedido de vista do ministro Og Fernandes suspendeu, nesta quinta-feira (20), o julgamento que discute a distribuição de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão para candidatas e candidatos negros.

Até o momento, três ministros - Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Alexandre de Moraes - já responderam afirmativamente a uma das questões da consulta feita pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ). Eles entenderam que a distribuição de recursos do FEFC e de tempo de TV deve ser proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar.

Benedita perguntou ao Tribunal se uma parcela dos incentivos às candidaturas femininas que estão previstos na legislação poderia ser reservada especificamente para candidatas negras. Também indagou se 50% das vagas e da parcela do FEFC – no mínimo 30% dos recursos – destinadas às candidaturas femininas poderiam ser direcionadas para candidatas negras.

A deputada questionou, ainda, sobre a possibilidade de reservar vagas - uma espécie de cotas - para candidatos negros, destinando 30% do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV para atender a essa finalidade.

O julgamento teve início na sessão de 30 de junho, quando o relator, ministro Barroso, e o ministro Fachin foram a favor da distribuição proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar.

Alexandre de Moraes havia pedido vista e votou nesta quinta (20). Moraes também acompanhou o relator e apresentou diversos argumentos com base na discriminação racial existente em nosso país.

Ao fazer um panorama histórico sobre a luta por igualdade racial, Moraes destacou que permitir a paridade do voto entre brancos e negros não se mostrou suficiente, sendo necessário garantir que os candidatos negros também alcancem igualdade de oportunidades para serem eleitos.

Para o magistrado, se o TSE não se posicionar nesse sentido, corre o risco de manter uma “acomodação discriminatória” para novamente favorecer as candidaturas de brancos. “Esse histórico funcionamento do nosso tradicional sistema político eleitoral perpetua a desigualdade social estruturada numa sociedade lamentavelmente racista”, afirmou, ao destacar que a neutralidade do ordenamento jurídico produz resultados prejudiciais a determinados grupos e indivíduos, reduzindo as oportunidades de realização pessoal

Diante disso, Alexandre de Moares defendeu a necessidade de gerar igualdade de condições na disputa eleitoral. Segundo o ministro, a sub-representação e o racismo estrutural são os principais instrumentos de perpetuação de desigualdade racial.

Regra de transição

A novidade que o ministro Alexandre de Moraes acrescentou ao voto do relator é uma regra de transição a ser estabelecida pelo TSE para impedir que o partido reduza o número de candidatos negros com o objetivo de repassar menos dinheiro.

Segundo ele, cada legenda deve destinar em 2020 recursos e tempo de TV no percentual mínimo correspondente à quantidade de candidatos negros que apresentou nas Eleições Municipais de 2016. Ou seja, se o partido teve 20% de candidatos negros em 2016, obrigatoriamente deve repassar 20% do Fundo e do tempo de rádio e TV a candidatos negros, independentemente do número de candidaturas que apresente neste ano.

Moraes argumentou que não seria um percentual mínimo fixado subjetivamente pelo Tribunal, nem tampouco de forma genérica a todos os partidos políticos, mas sim corresponderia aos idênticos percentuais dessas candidaturas concretizadas pelas próprias agremiações nas últimas eleições municipais.

Para o ministro, essa regra de transição evitará o surgimento de qualquer mecanismo de “acomodação compensatória”.

Confira a íntegra do voto do ministro Alexandre de Moraes.

CM/MO, LC