Era fevereiro de 1996. Explodiam na vida real e no noticiário da mídia os fatos que ficaram conhecidos como "a tragédia da hemodiálise", que deixou mais de 100 pacientes intoxicados em Caruaru, contaminados pela água utilizada em sessões de filtragem de sangue, por efeito da microcistina. Muitos morreram. Houve um conjunto de fatores negativos no caso, em que se misturam negligência, má-fé, despreparo, incompetência, desonestidade, omissão de socorro, entre outros. Depois de algum tempo sob holofotes da imprensa, o caso caiu no esquecimento, deixando os responsáveis pela tragédia tranqüilos.
Para quebrar esse olvido e tentar retomar o estabelecimento de responsabilidades, o Jornal do Commercio iniciou uma série de reportagens, que prosseguem e estão trazendo novamente à discussão fatos, pretensas explicações, omissões. A apuração foi tão negligente e incompetente que, até hoje, ignora-se até o número exato de vítimas fatais e quantos conseguiram escapar à tragédia. Seriam 50, 40 ou apenas 15 os sobreviventes? As autoridades da área de Saúde Pública não sabem informar com exatidão. Nossa repórter Veronica Almeida está levantando dados que esclareçam a respeito.
Como se serviços de saúde constituíssem apenas um negócio, como outro qualquer, e não uma questão vital, o Estado omitiu-se, e não houve indenizações nem condenações. Isso não é aceitável. Os responsáveis pelas clínicas de hemodiálise IDR e Inuc denunciados pelo Ministério Público foram absolvidos pela Justiça em 2002, e podem continuar com seus negócios na área de saúde. O processo ético aberto no Conselho Regional de Medicina contra os médicos Bráulio Coelho e Antônio Bezerra foi arquivado. A única atitude positiva que o poder público tomou, nestes dez anos, foi instalar em Caruaru o Centro Regional de Hemodiálise do Agreste, do Estado, após o fechamento das clínicas responsáveis pelas intoxicações e pelos óbitos.
Fora o atendimento público, os sobreviventes que se conhecem recebem tratamento de máquinas mais modernas de hemodiálise, com água controlada, mas não contam com benefícios garantidos por lei como transporte gratuito para quem mora fora da cidade e também medicamentos de graça. A hemodiálise é um tratamento muito dispendioso e consome muito dinheiro do SUS. Daí que o poder público esteja procurando montar um esquema de prevenção de males renais. Concomitantemente, as autoridades da área de saúde estão exigindo das clínicas especializadas melhor qualidade da água empregada na hemodiálise. Aqui em Pernambuco, a partir de março, a Compesa terá que divulgar, nas contas enviadas aos consumidores de água, dados sobre a qualidade do produto fornecido.
Especialistas que trabalharam, por ocasião da tragédia, para desvendar a causa da intoxicação daqueles doentes renais, em 1996, estão novamente em Pernambuco. Os professores Sandra Neiva e Victorino Spinelli (UFPE), Sandra Azevedo (UFRJ) e Wayne Carmichael (Wrigth State University, EUA) pretendem organizar um estudo dos efeitos da microcistina nas pessoas que sobreviveram à contaminação. Um trabalho muito útil, pois poderá definir se a toxina deixou seqüelas no fígado dos pacientes. O estudo vai acumular conhecimentos que podem fundamentar a prevenção de novos casos no futuro.
Tragédias como a da hemodiálise não deveriam acontecer. E elas não ocorrem somente em países menos desenvolvidos. Na civilizada França aconteceu um rumoroso caso de contaminação por Aids, através de transfusão de sangue. A diferença, em relação à tragédia ocorrida em Caruaru há dez anos, é que lá os responsáveis foram julgados e punidos, e rolaram cabeças na administração pública.
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