sábado, 25 de junho de 2011
Lua sem São Jorge
LUA SEM SÃO JORGE
Rosa Pena
Tomo dois comprimidos de Frontal, porque ainda não existem pílulas de Drummond que me dopem de poesia para continuar levando a vida.
Não sei o exato momento em que comecei a achar que Monalisa precisava de um preenchimento nos lábios.
Quero voltar a acreditar que mertiolate cura feridas e que o morro vai ter vez. Ave Maria... Olhai por nós!
Que vai existir um botox que recrie rostos com expressão de carinho. As caras estão tão iguais no rancor.
Que a amor sempre será uma uva, dai Adão e Eva terem usados folhas de parreiras para deixarem registro.
Que crime vire novidade no cotidiano, atributo de apenas alguns bandidos que tentarão roubar o azul do arco-íris (em vão) e não esse constante e ofuscante pisca-pisca de néon que machuca a minha vista.
Que eu possa dizer para os jovens "cresçam e apareçam". Difícil com tanto apelo, cujo lema é apareçam e cresçam.
Que a gordinha possa ser a melhor bailarina do Bolshoi sem tanto olhar de assombro e sugestão de diet Shake.
Que a Vênus de Millus seja eterna referência de beleza sem precisar turbinar o seio ou virar marca de sutiã.
Que o menino possa desenhar a casa sem telhado, e a arte digital fique apenas em seus dedos.
Que os cadernos voltem a ter o Hino Nacional na contracapa e este seja cantado com os olhos marejados de verde e amarelo.
Que o telefone toque com o único objetivo de trocar saudades e juras de amor. Sem vendas de cartão, apenas créditos de afeto.
Que o pai-herói crie seu filho-moleque não para ser o super-homem, mas apenas humano.
Que eu possa passar no revezamento da existência o bastão da certeza quase olímpica, que se é campeão quem conseguiu nessa vida arar sentimentos de apreço pelo criador e tentou deixar a terra fértil para que cresçam nova parreiras sem agrotóxicos.
Quero só um pouquinho de certeza que meu purgatório não foi em vão. Está difícil ver a rosa sem lembrar de Hiroshima.
Até São Jorge fugiu da lua depois da bandeira fincada lá.
Tanta invenção e não inventaram as pílulas de Drummond.
E agora Carlos, o que deixo para eles deste vasto mundo sem rima e sem solução?
- Do livro Tarja Branca, São Paulo, All Print Editora, 2010, p. 140/141.
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