sexta-feira, 26 de setembro de 2014

DA SÍNDROME DE MISOGINIA INVOLUNTÁRIA.



Dentro de minha modesta produção, este é um dos escritos que mais gosto. Após anos de observação atenta dos complexos rituais de acasalamento da espécie humana, em 2002 escrevi a pequena peça que se segue. Não lembro se já foi publicado em algum lugar, de repente está por aí a vagar pela internet – quem souber, por favor assinale nos comentários.
A história que relatarei a seguir é verídica.
Lá pelos idos de 1992, nos meus loucos anos de faculdade, conheci um cara que até hoje é um dos meus melhores amigos. (Vamos por isso preservar sua identidade; digamos que ele se chame… Jake Barnes). Esse rapaz era estudante de cinema, um sujeito boa-praça, inteligente, tímido e sensível. E, claro, um tanto inexperiente no trato com o sexo oposto. Ele travou contato com uma colega de sala (vamos chamá-la… Lady Brett) e não demorou muito para que os interesses em comum entre os dois gerassem uma singela amizade. Ou algo mais. Papo vai, papo vem, conversa daqui, conversa dali, Jake resolve – em uma festa, já devidamente aditivado alcoolicamente – abrir seu coração para Brett. Não foi a primeira vez, nem será a última, que ouviu-se numa pista de dança as clássicas palavras: “Não, que isso, você tá confundindo as coisas…” A rejeição pegou o rapaz desprevinido. Em sua cabeça, ele não tinha confundido pitomba alguma. Como poderia? A garota era carinhosa com ele, gostava de falar sobre as mesmas coisas, eles tinham opiniões e gostos parecidos, passavam muito tempo juntos no campus… É claro que ela só poderia estar correspondendo ao visível interesse afetivo dele.
Mas não estava. E assim, amigos e amigas, instala-se no coração de mais um incauto a SMI – Sindrome da Misoginia Involuntária.
Misoginia, como vocês sabem (ou não, sei lá), é o termo que define a aversão e /ou desprezo masculino pelas mulheres – não confundam como viadagem, por favor! É uma patologia, um distúrbio mental no qual o camarada, mesmo mantendo sua sexualidade, não consegue controlar seu ódio ao sexo oposto. Cogita-se, por exemplo, que Jack, o Estripador tenha sido um misógino radical.
Mas há uma forma muito mais branda, porém não menos nociva, da misoginia. É a SMI, que geralmente ataca rapazes tímidos e sensíveis e se manifesta depois de decepções amorosas. Não qualquer decepção, claro; tem de ser traumática, humilhante, daquelas que escorcham com a auto-estima do cidadão. O requinte final, que enraiza a SMI mais fundo na alma, são os discursos femininos do tipo “Ah, Fulano é como se fosse meu irmãozinho…”, “Eu gosto de você, mas não ‘desse’ jeito…” e o clássico “Mas a gente é só amigo…”. Destroçado qual um personagem de letra de bolero, o rapaz sente um desejo atávico de mandar à merda tudo quanto é mulher que cruzar seu caminho.
Dois componentes têm de ser analisados nesse processo. Um: o acometido pela SMI não chega, efetivamente, a odiar a mulherada. Uma feijoada de sentimentos contraditórios – tristeza, ressentimento, frustração e dor-de-cotovelo – é o que cria essa aversão ao sexo oposto. Mas é só na superfície. Por dentro, o coitado ainda abriga todo o amor do mundo… só não tem quem o receba. É como o suicida, que se mata não por odiar a vida, mas sim por não conseguir viver a vida do jeito que queria. Dois: que ninguém fique pensando que a mulherada se comporta assim de propósito. Na maioria das vezes, elas simplesmente não têm noção do estrago que fazem na psique do seu ex-futuro pretendente. E muitas vezes, o rapaz, na sua inexperiência, interpreta como “jogo de sedução” (heheh) um comportamento que, para a menina, é absolutamente normal. Ainda mais se a moça for amiga, tiver algum tipo de intimidade, e não for apenas um “alvo”. Atire a primeira pedra o rapaz que nunca achou que aquela mãozinha dada, aquele papinho furado a dois, aquele afago ligeiro no rosto eram sinônimo de: “Ôpa, deu mole, tá doidinha pra que eu pule em cima”… E acabamos todos aprendendo, da pior maneira possível, como interpretar os sinais femininos.
A Síndrome da Misoginia Involuntária não costuma durar para sempre. Em geral, acomete os homens na adolescência e, dependendo do grau de maturidade emocional do indíviduo, persiste até uns 20 e poucos anos. A coisa melhora quando o camarada aprende a encarar o “doce esporte” da maneira correta. Para o pobre e sensivel misógino involuntário, a regra é se apaixonar primeiro e só DEPOIS demonstrar o interesse na mina. A chance de ele se decepcionar amargamente aumenta muito assim. Se ele inverte a equação – demonstrando de cara que está a fim, para depois ver o que rola – tudo flui de modo muito mais simples. (Eu sei disso, por experiência própria.) Persistem seqüelas, entretanto. Eu, por exemplo, jurei para mim mesmo: da próxima vez que eu ouvisse uma garota dizendo “A gente é só amigo” pra mim, a porrada iria comer. Nunca pude por o juramento em prática, graças a Deus.
E o que foi feito de Jake Barnes e Lady Brett? Ele, como eu disse, é meu amigão. E carrega até hoje um profundo ressentimento em relação à rapariga que partiu seu coração – o suficiente para provocar algumas idas ao divã de uma psiquiatra. Sobre ela, soube que se juntou com um professor da faculdade, depois largou-o, depois engordou… enfim. Pior foi saber que, na mesma época em que nosso Jake suspirava por ela (e afogava suas mágoas em conhaque Dreher), ela também suspirava. Mas por outro colega de turma, que, na verdade, era homossexual enrustido. (Ei, será que também existe um equivalente feminino da SMI?). Mulheres, bah.

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