Uma pergunta muito comum que ouço com
frequência no consultório é a respeito do fim da terapia. A avaliação de
quanto tempo vai durar a terapia ou o que a terapia vai proporcionar em
termos de mudança e autoconhecimento é tão variável quanto são os
indivíduos.
Quando nós acumulamos uma vasta
experiência clínica, como a que tive nestes mais de oito anos atendendo
pessoas de todas as idades e lugares do Brasil e do mundo, não podemos
de deixar de nos espantar como as pessoas são extremamente diferentes.
Frequentemente nos esquecemos disso e achamos que “todo homem é igual”,
que “toda mulher faz ou pensa assim” ou então pensamos que existem tipos
ou grupos de pessoas parecidas.
A verdade é que a individualidade é um
fato. Mesmo alguém perdido, que mais imita os outros do que tem sua
própria perspectiva, ainda assim tem a sua imitação própria.
Voltando à nossa questão sobre as razões
para se fazer uma terapia e – igualmente – de que modo termina ou para
que fim vai, pesquisei em livros de diversos autores. Como sou um
estudioso da obra de C. G. Jung, não podia deixar de escolher um trecho
de seu livro “A Psicologia e a Alquimia” (no qual ele analisa mais de
800 sonhos de um paciente de sua clínica). Neste trecho, ele diz o
seguinte:
“No processo analítico, isto é, no
confronto dialético do consciente e do inconsciente constata-se um
desenvolvimento, um progresso em direção a uma certa meta ou fim cuja
natureza enigmática me ocupou durante anos a fio. Os tratamentos
psíquicos podem chegar a um fim em todos os estágios possíveis do desenvolvimento, sem que por isso se tenha o sentimento de ter alcançado uma meta. Certas soluções típicas e temporárias ocorrem:
1) depois que o indivíduo recebeu um bom conselho;
2) depois de uma confissão mais ou menos completa;
3) depois de haver reconhecido um
conteúdo essencial, até então inconsciente, cuja conscientização imprime
um novo impulso à sua vida e às suas atividades;
4) depois de libertar-se da psique infantil após um longo trabalho efetuado;
5) depois de conseguir uma nova adaptação racional a condições de vida talvez difíceis ou incomuns;
6) depois do desaparecimento de sintomas dolorosos;
7) depois de uma mudança positiva do destino, tais como exames, noivado, casamento, divórcio, mudança de profissão, etc;
8) depois da redescoberta de pertencer a uma crença religiosa ou de uma conversão;
9) depois de começar a erigir uma
filosofia de vida (“filosofia”, no antigo sentido da palavra”). Se bem
que a esta enumeração possam ser introduzidas diversas modificações, ela
define de um modo geral as principais situações em que o processo
analítico ou psicoterapêutico chega a um fim provisório, ou às vezes
definitivo (JUNG, p. 18).
Podemos notar então 9 razões e 9 fins
para a terapia. Como ele mesmo menciona, poderíamos fazer modificações a
respeito de cada um destes pontos. Neste texto, pretendo comentar cada
uma destas 9 razões com as minhas palavras e com a minha experiencia
clínica.
Razão 1: Um conselho
No dia-a-dia é muito comum ouvirmos que o
psicólogo pode dar um conselho que vai ajudar a resolver uma situação. A
verdade é que os psicólogos não gostam muito de falar que dão
conselhos, seja porque “se conselho fosse bom, não se dava…” ou porque a
ideia de aconselhar é antiga e indica uma prática não científica.
Poderíamos colocar uma outra palavra no lugar como uma dica, uma
indicação, uma sugestão.
Um exemplo pessoal pode ajudar a deixar
claro. Pouco antes de fazer psicologia, eu sentia dúvidas de qual
faculdade fazer, pois todas pareciam muito interessantes. Em uma única
consulta de Orientação Profissional, a psicóloga me deu o seguinte
“conselho”: pense em cada uma das faculdades que você quer fazer e
imagine se você gostaria de acordar pela manhã e ir trabalhar como sendo
aquele profissional, digamos, psicólogo, jornalista, historiador,
professor de literatura…
Este conselho bastou para que eu visse
que, embora gostasse de todas aquelas disciplinas das ciências humanas, o
lado profissional era fundamental para a minha decisão.
Razão 2: Uma confissão
Jung traz o termo confissão que era
muito utilizado no contexto religioso (ainda é no meio católico). Para
não misturarmos a religião aqui, podemos dizer que o que ele quer
expressar é o que chamamos de desabafo: quando passamos por uma situação
difícil emocionalmente e precisamos desabafar, ou seja, contar para
alguém o que está se passando. Como em muitos casos é complicado contar
para parentes ou amigos, o psicólogo pode cumprir este papel de ouvinte
de um desabafo mais ou menos completo.
Após relatar tudo o que está passando em
seu relacionamento, uma de minhas pacientes sentiu um alívio imenso e
pode entender uma série de questões que a fizeram mudar o seu
comportamento. De modo que ter colocado para fora (é sempre melhor para
fora do que para dentro) foi fundamental para que ela melhorasse a sua
qualidade de vida naquele momento.
Razão 3: Conscientização
O inconsciente é o desconhecido, ou
seja, é o que nós não sabemos de nós mesmos, mas que, ainda assim, nos
afeta diariamente e à noite nos sonhos. Em certas ocasiões da vida, como
na adolescência, na passagem para a vida adulta e na metade da vida,
notamos uma atividade do inconsciente que é maior do que outros períodos
mais calmos. Isto não quer dizer que o inconsciente fique inativo por
longos anos, mas apenas que os conflitos entre o consciente e o
inconsciente são maiores ou menores.
Nestes períodos, reconhecer o que está
faltando no ponto de vista da consciência é fundamental para a cura. Um
de meus pacientes, depois do início da terapia, começou a conseguir
conscientizar aspectos de sua personalidade que demonstravam uma grande
tendência homossexual. Reconhecer este fato – que era visto de forma
desagradável – foi o que lhe possibilitou aumentar o seu
autoconhecimento e tomar a decisão que mudaria a sua vida.
Outra paciente, sempre fingindo ser a
“boazinha”, a pessoa perfeita, mantinha dentro de si a sua própria
sombra (sua raiva, seus desejos sexuais reprimidos, sua angústia). A
tensão entre a perspectiva consciente e inconsciente estava tão grande
que a estava incapacitando. Com isto, só a terapia pode fazer com que
ela reconhecesse aspectos de si mesma que só via nas outras pessoas,
pejorativamente.
Razão 4: Libertar-se da infância
Atualmente, vemos em nossa sociedade
ocidental diversas pessoas que são adultas apenas na idade.
Psiquicamente são tão crianças (no melhor dos casos adolescentes) que
não assumem responsabilidades nem querer definir que rumo vão seguir. É
neste sentido que Jung diz “libertar-se da psique infantil após um longo
trabalho efetuado”, ou seja, conseguir seguir o desenvolvimento
psíquico normal, que exige mais cedo ou mais tarde que rompamos a
ligação simbiótica com os pais – e, mais frequentemente, com a mãe.
É muito comum vermos a diferença na
maneira de lidar com o complexo familiar em uma família com 3, 4 irmãos.
Alguns saem de casa rápido, casam-se logo e desligam-se da família de
forma saudável e tranquila, enquanto outros nunca vão conseguir sair. A
questão aqui não é que a pessoa tem que sair, mas a capacidade ou
incapacidade de fazê-lo. Por exemplo, uma pessoa que quer ir fazer uma
faculdade em outro estado (tem todas as condições) mas não faz por medo.
Razão 5: Sair de uma condição difícil
Muita gente procura o consultório porque
está em um momento complicado. Podemos citar aqui muitas situações que
causam sofrimento como o término de um relacionamento, o falecimento de
alguém querido, mudança de cidade ou país, ou qualquer sofrimento
psíquico que seja tão grande que paralise.
Uma de minhas pacientes perdeu um filho
de apenas 8 anos. O garoto sofria de uma doença grave e o seu
adoecimento foi rápido e imprevisível. Neste período, sem saber o que
fazer (já que até o conforto de sua religião era indiferente), ela
buscou a terapia para superar o processo de luto.
Razão 6: Livrar-se de sintomas incômodos
Ao ler livros de psicologia clínica, com
relatos clínicos, podemos ver centenas de exemplos de sintomas
estranhos, esquisitos, bizarros e até pouco comuns. Mas no dia-a-dia do
consultório os sintomas psíquicos são frequentes e parecidos. Porém,
para quem está com um sintoma, o sinto-mal (como diz Lacan) é muito ruim
e atrapalha em muitas áreas, como na área profissional, de
relacionamentos, área espiritual, etc.
Um sintoma comum que vemos no
consultório nos dias de hoje são os pensamentos obsessivos, pensamentos
repetidos e repetitivos, com os quais a pessoa não consegue lidar nem se
safar. Quando, ao fazer a terapia, a pessoa finalmente consegue se
livrar destes sintomas terríveis, a terapia chega ao seu fim.
Razão 7: Mudança no destino
Destino aqui não quer dizer nada
místico. Podemos mudar tranquilamente para uma mudança nas condições de
vida. Por exemplo, um paciente procura a terapia porque não sabe o que
quer fazer em sua profissão. Não quer continuar na carreira, está
desempregado e não sabe como se reencontrar. Quando (por uma mudança do
“destino”) surge uma novíssima oportunidade – dentro da mesma carreira –
mas com outras formas de atuação, a terapia está concluída. Neste caso,
não quer dizer que são situações externas que vão fazer com que o
processo terapêutico acabe, mas, ao ter a sua situação mudada, a nova
possibilidade de vivência exterior acaba com a tensão interna anterior.
Razão 8: Encontrar ou reencontrar sua religião
Jung, ao contrário de muitos
pesquisadores mais céticos, acreditava que todo ser humano tinha uma
tendência a se encontrar espiritualmente. Falei sobre esta questão em
outro texto. Você pode ler aqui – Psicologia e Deus
Um grande problema que aparece na
clínica é a respeito do sentido da vida, do sentido da existência, sobre
o que acontece depois da morte e outras perguntas do gênero. Como é a
religião o âmbito que oferece respostas a tais perguntas, quando, por si
mesmo, o paciente encontra ou reencontra sua própria orientação
religiosa, ele encontra o sentido para a sua vida. É muito comum, nestes
momentos, vermos sintomas antigos ou que estão difíceis de serem
reparados, desaparecerem por completo.
Razão 8: Encontrar a própria filosofia
Esta última razão é muito próxima da
anterior. A diferença reside que encontrar a própria filosofia faz com
que a dependência de uma instituição externa (como uma religião, um
credo ou uma seita) não seja mais necessária. Pode ser que uma filosofia
individual, um modo de encarar a vida e a relação com os demais se
encaixe perfeitamente em uma orientação já existente em práticas ou
ensinamentos religiosos. Nem sempre é o caso e é por isso que Jung o
cita.
Por exemplo, um paciente, perdido em
todos os sentidos, pode encontrar sua filosofia de vida na arte. Sendo
um artista ou vivenciando a arte de outras pessoas, ele pode encontrar
um jeito, uma ética ligada à estética, que será adequada para si mesmo.
De modo que estas são as principais causas e os principais fins que vivenciamos no nosso dia-a-dia como psicólogos clínicos.
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