sábado, 7 de maio de 2016
Crise de abstinência pode mesmo levar à morte, dizem especialistas
Jornal do Brasil
Recentemente, os pais de Amy Winehouse declararam que suspeitavam que a cantora havia morrido durante uma forte crise de abstinência, por ter interrompido muito bruscamente o uso do álcool.
O método supostamente usado pela cantora é correto, pois, para quem procura se curar de um vício, o corte deve ser total. A suspeita dos pais, confirmada pelo médico de Amy, também. Infelizmente, uma intensa crise de abstinência pode levar à morte, mas apenas se a pessoa não estiver tendo um acompanhamento médico. Neste caso, essas consequências mais graves, podendo chegar ao desfalecimento, podem ser evitadas.
A intensidade de uma crise de abstinência depende de algumas variáveis, como a droga em que o usuário é viciado, o tempo de vício e o estado físico da pessoa. Os sintomas e as sensações sentidas durante o processo, que leva em média uma semana, também dependem do tipo de droga. Em geral, a abstinência provoca uma reação inversa ao uso da droga, segundo explica o coordenador da área técnica de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, Marcos de Miranda Gago.
“Existem drogas sedativas e drogas estimulantes. Na ausência de drogas depressivas, a pessoa fica mais acelerada, agitada, com insônia, taquicardia. O inverso acontece quando a pessoa é viciada em drogas estimulantes, como moderadores de apetite. Quando o uso é interrompido, a pessoa fica deprimida. Mas isso fica muito complexo porque as pessoas, normalmente, usam polissubstâncias”, esclarece o psiquiatra.
Esse período da reabilitação pode ser extremamente agressivo, no qual o usuário apresenta um quadro típico de uma doença grave, com queda do estado geral e aparência de doente. Sintomas como confusão mental, dores fortes, alterações graves do pensamento, dificuldades de percepção, sensação de perseguição, entre outras coisas aparecem com frequência. Pela alta gravidade da situação, é imprescindível que o viciado esteja sendo acompanhado por uma equipe médica, tanto para não sanar a grande vontade de usar a droga quanto para não cometer atos extremos, como o suicídio.
“Essas reações físicas e psíquicas são causadas pela interrupção do uso da droga. A abstinência por si só até pode matar, mas normalmente isso ocorre em pessoas mais idosas ou com quem tem outras patologias clínicas, como doenças cardíacas. As drogas devem ser interrompidas, sem redução, e existem medicamentos para mitigar a crise”, diz Marcos, que afirma que a sensação de abstinência acontece nos mais diversos níveis, como uma ressaca depois de uma bebedeira.
O psiquiatra Jorge Jaber explica a razão de alguns usuários sem observação médica chegarem à morte durante esta fase.
“Se você retirar abruptamente o álcool da pessoa ela pode chegar a um quadro gravíssimo que leva à morte. Isso porque as funções vitais de um organismo funcionam através de transmissões por vias nervosas e, para que isso aconteça, precisa-se de neurotransmissores. As drogas alteram a produção e a absorção dos neurotransmissores e o álcool acaba substituindo-os, o que leva a uma falência quando a substância não está mais no organismo”, diz.
Ele lembra que, na época em que ainda fazia residência, o professor normalmente mandava os alunos darem algumas gotinhas de álcool aos pacientes que apresentavam um quadro de abstinência alcoólica.
“A gente comprava uma garrafa de cachaça e ia dando em colherzinha, e a crise passava. Mas hoje em dia existe medicação que faz a pessoa se libertar do risco de desenvolver uma crise de abstinência grave”, garante.
Algumas famílias, no desespero das circunstâncias, acabam tomando decisões sem pensar, como trancar o viciado em um quarto, para que ele não possa usar nem comprar a droga. Isso porque, quando o dependente está descontrolado, esse sentimento acaba contagiando os demais membros de sua família. Esta atitude é compreensiva, mas não é indicada. O ideal é que a família do viciado procure ajuda profissional, pois ela não está preparada para enfrentar um processo de reabilitação sozinha. Jorge Jaber oferece um serviço gratuito de alta qualidade na Câmara Comunitária da Barra da Tijuca. Mesmo na primeira ligação (o telefone para conta é (21) 3325-2323) a pessoa começa a ser atendida por um profissional, que já pode começar a ajudar quem está do outro lado da linha.
A reabilitação na saúde pública
No Brasil, a Política de Saúde Mental adotou, a partir de 2003, um modelo de atenção integral aos pacientes, estruturada nos princípios da Reforma Psiquiátrica, que mudou o foco da hospitalização como única possibilidade de tratamento aos dependentes químicos. Por isso, o Ministério da Saúde, além de ampliar o acesso à assistência hospitalar, introduziu medidas complementares de tratamento para dependentes químicos.
Para assistir aos dependentes estão os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), as Equipes de Saúde da Família, os Consultórios de Rua e as Casas de Acolhimento Transitório (CATs), todos aliados à terapia ocupacional e, para casos necessários, o tratamento medicamentoso e a internação. Essas possibilidades estão incorporadas no Sistema Único de Saúde (SUS).
Depoimento de um ex-viciado
Antônio Tomé tem hoje 58 anos e vive uma vida saudável como conselheiro em uma clínica para dependentes químicos. Mas a harmonia e a tranquilidade só fazem parte da vida de Tomé, como é chamado, há pouco mais de dez anos (dez anos, dois meses e 20 dias, como ele bem lembra). Antes disso, ele foi viciado em "todo tipo de droga", mas as mais presentes eram a cocaína, o álcool e a maconha. Ele conta ao JB como foi seu processo de reabilitação e o que o motivou a ter sucesso depois de 19 internações.
Com quantos anos você começou a usar drogas?
Comecei a beber com 11 anos, a fumar maconha com 13 e a usar cocaína com 17 anos. Fui dependente por 35 anos, mas já estou sóbrio há dez anos, dois meses e 20 dias.
Por que você conta cada dia?
Faço parte da irmandade de narcóticos anônimos, e nós temos esta cultura de contar os dias limpos. Começa pelo primeiro dia, que é o mais importante, embora eu diga que estou limpo só por hoje. Vivemos um dia de cada vez.
Quantas vezes você foi internado?
Tive 19 internações. Sempre fui um paciente muito rebelde, resistente a mudanças, queria parar de usar drogas, mas não queria mudar meus comportamentos. E para se recuperar totalmente, não se pode escolher, tem que mudar totalmente o estilo de vida. Eu já não acreditava mais, não queria mais ser internado. E quando minha família me internava à revelia, ficava com muita raiva, mas depois compreendia que era um ato de amor, que isso salvava minha vida.
E de onde você tirou forças para não desistir na 19ª vez?
Na realidade todas as internações foram importantes, desde a primeira, pois a semente ficou plantada. Tive mais forças para mudar quando entrei em contato com o meu próprio sofrimento. Eu olhava muito para o sofrimento da minha família, o que não é suficiente. Resolvi mudar. Percebi que, já que do meu jeito não dava certo, eu tinha que tentar o jeito que os psiquiatras me aconselhavam. Parei com todos os comportamentos destrutivos e me afastei de todas as amizades que me influenciavam.
Você lembra do que sentia durantes as crises de abstinência?
A crise de abstinência é bastante dolorosa, ela passa do momento da vontade até o ponto da fissura, que é a pior parte. A fissura é uma vontade que parece insuportável. A gente sente que tem que usar ou vai morrer, dá taquicardia, suor. No entanto, aprendi que essa fissura passa em até sete minutos. Em outros momentos, quando me dava essa vontade eu usava a droga e ficava tudo bem.
Qual foi o papel de sua família nesta mudança?
Minha família foi importantíssima. Minha irmã (a atriz Luiza Tomé) foi muito presente, financiou todas as minhas internações. Minha mãe, minha mulher e meus dois filhos foram fundamentais, sempre me deram apoio. Mesmo eu agredindo, humilhando, abandonando a família, eles sempre foram presentes, peças importantes para que minha recuperação desse certo.
Você tem vontade de usar drogas até hoje?
Não. No primeiro ano, nos primeiros meses, de vez em quando dava vontade de usar, mas eu sabia que a vontade ia passar. Há muito tempo não tenho nenhuma vontade de usar nenhum tipo de droga.
E como você chegou a conselheiro em uma clínica?
Eu introduzi um irmão ao mundo das drogas que também não aceitava a recuperação. Ele, infelizmente, acabou morrendo de overdose. E, mesmo com a morte dele, eu não parei, continuei usando. Quando eu entrei em recuperação, era muito criticado, as mães e esposas de muitos amigos meus os proibiam de andar comigo. E, depois que eu me recuperei, comecei a perceber que essas mesmas famílias que me criticavam me ligavam pedindo ajuda, pedindo para eu conversar com a pessoa que enfrentava o vício. Fiz então um curso de conselheiro em dependência química em um a clínica onde trabalho há cinco anos. Faço também um trabalho muito importante sobre tabagismo lá, pois também parei de fumar neste meio tempo.
Fonte:ABEAD(Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas)
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