É São João
É um sonho ou um agonizante pesadelo.
Aonde está a fogueira que aquece e
Espanta os maus espíritos nas matas
Queimando o vírus que nos faz chorar.
A fumaça que os olhos ardem saindo lágrimas
Perdeu-se na lembrança e festanças.
E, hoje, como que sem esperança as pessoas
Fogem umas das outras como inimigas.
É um vírus que mata como gente.
Mata tão simples e silenciosamente
A gente. E muita gente se vai e se foi
Ainda agora partem voando aos ceus.
Se 23 de junho de 1966, madrugada, do Vírus
A pandemia existisse, em casa sim e
Por certo, estaria o meu irmão querido.
Não teria sido assassinado naquela
Triste maldita e medonha madrugada.
Mas no meio do caminho tinha um jardim.
Tinha um jardim no meio do caminho
Nele, duas poças grandes de sangue e sapatos.
Foi tudo que me restara de uma manhã
Amarga, triste e sangrenta de uma sexta-feira
De São João dos meus dias de criança.
E até hoje morro ao lembrar daquele instante.
Meu pai, minha irmã e eu fomos ver o corpo
Gélido e enrijecido do meu irmão em uma pedra.
Lá estava parado e só. Calado. Não cantava mais.
Aorta femural foi perfurada à canivete e morte.
São João para mim reflete sangue, agonia e nada mais.
Hoje, um vírus a meu irmão presta-lhe homenagem
Alertando alguns dos mortais que a vida passa
E ao lado dela sempre haverá um adeus.
Santo Antônio de Jesus, 23 de junho de 2020, às 0h10min
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