quinta-feira, 16 de julho de 2020

Safo e as lésbicas da ilha de Lesbos

Literatura e cultura do Oriente Médio e do Mediterrâneo

 publicado em literatura por

 

Cassandra Gomes Hochberg

Safo e as lésbicas da ilha de Lesbos

Safo de Lesbos revolucionou a visão grega sobre como se comporta a mulher, dando origem aos termos lesbianismo e safismo. Na antiguidade estes termos carregavam conotações diferentes das de hoje, que foram manchadas por pensamentos e sentimentos medievais
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Safo, uma das primeiras poetisas do mundo ocidental e a mais conhecida da Grécia antiga, nasceu por volta do ano 630 AC na ilha de Lesbos, na Grécia. Foi considerada por Platão como a mais sábia e a musa grega. Seu nome e reputação deram origem aos termos safismo e lesbianismo. Na Grécia antiga, o termo lésbica se referia a ‘mulheres da ilha de Lesbos’ e o verbo no grego antigo lesbiar, significava ‘imitar as mulheres de Lesbos.’
O que faziam estas mulheres?
As mulheres de Lesbos ganharam notoriedade devido à mais ilustre figura da ilha, a poetisa Safo. Integrante da alta sociedade e extremamente culta, Safo organizou a primeira academia de mulheres, onde ensinava música, dança e poesia. Nestas sociedades, as mulheres eram consideradas hetaira, companheiras, e não meramente estudantes. Estas se ocupavam em estudar, compor e declamar poesias, atividades estritamente masculinas para a época. Safo e suas companheiras se inspiraram nas grandes obras, como o Ilíada e a Odisséia de Homero, e criaram um novo ponto de vista na obra grega: aquele da mulher.
As obras gregas são marcadas por grandes figuras femininas, como as deusas Atenas e Afrodite, e as mortais Penélope, Helena, Andrômaca e muitas outras. Mas todas são construídas sob a ótica masculina. O mundo feminino da Grécia Antiga é um mundo entre quatro paredes, domiciliar, ao lado do tear, a espera do retorno do marido ou lamentando pela morte de entes em batalhas. Safo, por outro lado, fala sobre a experiência de ser mulher e mostra o mundo dos sentimentos, da cultura, da admiração à natureza, aos homens e às mulheres. Lesbiar, ou imitar as mulheres de Lesbos, significava deixar o ambiente domicilar e adentrar o mundo da cultura, debate e sexualidade restrito apenas aos homens.
“Alguns homens dizem ser as cavalarias, outros dizem ser os soldados, e outros dizem ser as naus a coisa mais bela sobre a terra negra. Mas eu digo que o mais belo é o que amamos” - Safo - safo best 2.jpg
Safo, a lésbica
Safo e suas companheiras eram lésbicas, pois nasceram na ilha de Lesbos. Agora, se mantinham relações sexuais com outras mulheres é uma pergunta muito debatida por historiadores da Grécia antiga. Os poemas de Safo continham descrições eróticas e declarações de amor às suas companheiras, principalmente Átis, que foi retirada da academia por seus pais devida à reputação cada vez mais liberal e até rebelde que o grupo recebia. Porém, o grupo também era conhecido por compor poemas para os casamentos das integrantes, assim que terminassem seus estudos.
Safo e suas companheiras lésbicas não ganharam notoriedade na época devido apenas à homossexualidade. Os habitantes da Grécia Antiga não se chocavam com declarações homoeróticas, pois estas eram normativas. Na idade média, devido às íntimas descrições, Safo foi tachada primeiro como prostituta, como uma louca que só pensa em sexo, e grande parte dos seus textos foram queimados por monges e padres medievais. Podemos responsabilizar o pensamento atrasado medieval não apenas pela destruição dos trabalhos de quem Platão chamava A Musa Sábia, mas também pela conotação negativa que foi dado às mulheres que amam e se relacionam sexualmente uma com as outras, e à homosexualidade em geral. A triste realização de que em pleno século XXI ainda nos deparamos com opiniões fortemente baseadas em construções medievais não é novidade. Mas o retorno a raiz dos conceitos ajuda a quebrar dogmas e sentimentos construídos independente de razão.
A notoriedade de Safo na antiguidade foi devida ao fato de ser uma mulher muito ousada e independente, que escrevia abertamente sobre o sexo e que admirava as mulheres.
"Quantos pensamentos inquietos me lembram A estéril Átis e eu desejo a esbelta Tristeza devora minha alma. De longe chega à nós O som do seu choro agudo, e não é Ignorado, pois a noite os que ouvem levam À nós pelos mares correntes” - Safo - Safo1.jpg
Safo no contexto da Grécia Antiga
Mesmo que Safo, sendo mulher, conseguiu se destacar entre os sábios da Grécia Antiga, a mesma era ainda uma sociedade machista e relativamente misoginia. As mulheres eram consideradas muitas vezes como uma maldição, um mal necessário. Obras como Teogonia, de Hesíodo, uma espécie de Genesis da Grécia Antiga, reconta a criação das mulheres com o mito de Pandora. Pandora, a primeira mulher da humanidade, foi criada como um castigo para os homens que tentaram roubar a tocha de fogo de Zeus. Zeus então amaldiçoou os homens da forma mais perversa de todas: criando as mulheres. Antes os homens viviam em paz e serenidade, Hesíodo conta, até o surgimento de Pandora, que abriu a sua caixa e espalhou apenas sofrimento, tirando dos homens o sossego, gastando suas reservas, fazendo fofocas e os obrigando a ter que trabalhar o resto da vida. A visão mais positiva das mulheres que podemos encontrar nas obras gregas clássicas como Homero é aquela da boa esposa, a mulher submissa que não discute com o marido e não sai de casa, que o objetivo principal é organizar o domicílio e economizar.
Portanto, Safo revolucionou o mundo grego primeiramente por ser ousada e culta e devido à criação da nova mulher: uma mulher que também pode estudar as obras clássicas, criar poemas, organizar sociedades que debatem algo além das obrigações domiciliares e principalmente, apreciar a existência das mulheres, as colocando como um presente, e não uma maldição, dos deuses gregos
Cassandra Gomes Hochberg é engenheira por formação, escritora e nômade por vocação. Mas o que gosta mesmo é de ler, de bater boca sobre política e do Oriente Médio. Tenta ser romancista e escreve sobre literatura e cultura..
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