sábado, 27 de julho de 2013

Chacina do Carandiru não fica impune

Chacina do Carandiru não fica impune

Vinte e três PMs foram condenados a 156 anos de prisão pela morte de 13 presos do Carandiru Cristina Christiano
cristinamc@diariosp.com.br
Arquivo / Diário SPTropa de Choque foi à Casa de Detenção para conter rebelião em 1992Tropa de Choque foi à Casa de Detenção para conter rebelião em 1992


Quase 21 anos depois da maior chacina do país, 23 policiais militares foram condenados a 156 anos de prisão pela morte de 13 dos 15 presos do segundo pavimento do Pavilhão 9, em 2 de outubro de 1992. Ao todo, 111 detentos morreram durante o Massacre do Carandiru. Os jurados absolveram outros três PMs a pedido do Ministério Público porque nenhum deles se encontrava no local.
A sentença foi lida à 1h15 deste domingo pelo juiz José Augusto Nardy Marzagão, ao final de seis longos e cansativos dias de trabalhos no Fórum da Barra Funda. Os réus foram condenados por homicídio qualificado por emprego de recurso que dificultou a defesa das vítimas e inobservância da regra técnica da profissão, combinado com os artigos 29 (concorrer ao crime) e 69 (quando, por ação ou omissão, se pratica dois ou mais crimes). O magistrado, porém, considerou “absurdo” falar em crime continuado.
O juiz calculou a pena de cada réu pelo mínimo de 12 anos, porém, multiplicada 13 vezes (o número de vítimas). “Não há nada que desabone a conduta dos réus para não ser aplicada a pena mínima”, disse.
Em sua sentença, o magistrado determinou que a pena seja cumprida em regime inicialmente fechado. Contudo, apesar do longo tempo, os réus poderão recorrer em liberdade porque se encontravam soltos. O mandado de prisão contra eles só será expedido após o trânsito em julgado da sentença, ou seja, quando se esgotarem todas as possibilidades de recursos em instâncias superiores. Mesmo assim, as leis brasileiras só permitem que a pessoa fique, no máximo, 30 anos na cadeia. No caso deles, após cumprir um sexto poderão pedir progressão de regime.
Os jurados entenderam que os PMs não tiveram participação na morte de outros dois presos atingidos a facadas.
Especialistas divergem sobre a sentença do Tribunal do JúriPara o deputado estadual e major da PM Olímpio Gomes (PDT), a condenação foi lamentável e contraria à expectativa da população. Ele espera que seja revertida em segunda instância. “Quem ganhou foram os bandidos, que estão comemorando.”
O deputado criticou o perito Osvaldo Negrine, a quem qualificou de novelista. “Me envergonho de tê-lo como policial.  Ele fez uma perícia equivocada e cheia de incongruência.”  Ele também reclamou dos promotores por terem colocado sob suspeita as decisões da Justiça Militar.
Na opinião do advogado Ariel de Castro Alves, do Movimento Nacional de Direitos Humanos,  apesar de tardia e com poucos efeitos práticos em relação ao cerceamento de liberdade dos réus, a sentença é um importante recado da sociedade e da Justiça de que não é aceitável que policiais promovam fuzilamentos .
Para ele, a sentença tem efeitos pedagógicos no sentido de demonstrar que polícia eficiente não é a que executa pessoas, independente de quem seja, mas a que promove contenção em rebelião, previne e apura crimes.
Advogada diz que condenação não reflete a opinião do povo
A advogada Ieda Ribeiro de Souza, que defendeu os  26 réus, saiu do tribunal nitidamente surpresa com a decisão. “Não esperava nenhuma condenação.  Vejo o resultado com frustração porque  não reflete o pensamento da sociedade. Foram quatro votos a um.  Um único jurado definiu sozinho o futuro desses homens”, disse. E anunciou que já recorreu.
Ieda afirmou que vai pedir  anulação do júri, sob alegação de que a decisão  contraria as provas dos autos.  Para ela,  a partir de agora os PMs vão pensar mais antes  de agir após uma ordem.
Já os promotores  Fernando Pereira  da Silva e Márcio Friggi se disseram “muito satisfeitos”  com a sentença.  “É uma resposta que a sociedade dá no sentido de reconhecer  que houve uma massacre  na Casa de Detenção”, acredita Pereira.
Para Márcio Friggi, a condenação é um indicativo de que a sociedade não pactua com os maus profissionais.  “O policial militar que age de forma criminosa deve ter a sua conduta apurada e ser responsabilizado”, comentou. Friggi e Pereira não acreditam na possibilidade de anulação do júri.
OS 28 RÉUS
CondenadosCapitão Ronaldo Ribeiro dos Santos
Tenente Aércio Dornelas Santos
Sargento Wlandekis Antônio Cândido da Silva
Sargento Marcos Antônio de Medeiros
Sargento Antônio Luiz Aparecido Marangoni
Cabo Marcelo José de Lira
Soldado Joel Cantílio Dias
Soldado Pedro Paulo Oliveira Marques
Soldado Gervásio Pereira dos Santos Filho
Soldado Paulo Estevão de Melo
Soldado Haroldo Wilson de Mello
Soldado Roberto Yoshio Yoshikado
Soldado Fernando Trindade
Soldado Salvador Sarnelli
Soldado Argemiro Cândido (foragido)
Soldado Elder Tarabori
Soldado Antonio Mauro Scarpa
Soldado Roberto do Carmo Filho
Soldado Zaqueu Teixeira
Soldado Osvaldo Papa
Soldado Reinaldo Henrique de Oliveira
Soldado Sidnei Serafim dos Anjos
Soldado Marcos Ricardo Poloniato
AbsolvidosMaurício Marchese Rodrigues
Eduardo Espósito
Roberto Alberto da Silva
Já falecidosLuciano Wukschitz Bonani
Valter Ribeiro da Silva
Comandante absolvido por desembargadoresO homem que deu a ordem para a Rota invadir o Pavilhão 9, o coronel Ubiratan Guimarães, foi condenado a 632 anos pelo Tribunal do Júri, mas absolvido por unanimidade em segunda instância, em 2006.  No mesmo ano foi assassinado.
Mais quatro julgamentos previstos até dezembroAs 111 mortes no Pavilhão 9  estão previstas para serem julgadas a cada três meses.  Os próximos júris  serão o dos 78 mortos do terceiro pavimento, sendo que um PM responde por cinco delas e será julgado sozinho, oito do quarto e dez do quinto.
Condenações abrem jurisprudência no casoJuristas acreditam que a  condenação de 24 dos 79  envolvidos no massacre cria uma jurisprudência no Tribunal do Júri que deverá ser seguida nos próximos julgamentos.  Dificilmente, a partir de agora, os acusados  conseguirão a absolvição.

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