“A mão que afaga é a mesma que apedreja”, cem anos da morte de Augusto dos Anjos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
(Versos Íntimos)
Nesta quarta-feira (12) completam-se cem
anos do falecimento do poeta Augusto dos Anjos. Marcado pelos poemas
críticos, Augusto é considerado o escritor que expressou de modo cru o
cotidiano de seu tempo, o que não deixa de forma datada tal olhar,
transcendendo décadas e influenciando poetas subsequentes.
“Eu”, única obra publicada do poeta,
despedaça o padrão literário do período – marcado pelo Parnasianismo e
Simbolismo -, construindo uma linguagem que foi além de sua época, por
isso o livro não foi muito bem recebido pela crítica quando foi lançado.
Com “Versos Íntimos”, Augusto mostra o ceticismo em relação ao amor,
sendo marcado em sua obra o pessimismo. O poema “Versos Íntimos” entrou
no livro Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século, organizado por Ítalo Moriconi.
Por sua influência na literatura
brasileira, o Livre Opinião conversou com poetas e escritores da
atualidade sobre a importância dos poemas de Augusto dos Anjos na
carreira e na literatura contemporânea.
Marcelino Freire
“‘Recife. Ponte Buarque de Macedo. / Eu,
indo em direção à casa do Agra, / Assombrado com a minha sombra magra, /
Pensava no Destino, e tinha medo!’. Todas as vezes em que eu e Lourenço
Mutarelli passávamos em frente à estátua de Augusto dos Anjos, que há
exatamente à boca da Ponte Buarque de Macedo, era lei a gente recitar
todo o soneto do Augusto dos Anjos. Dali, partíamos os dois para as
bebedeiras da noite, abençoados, finalmente, pelos versos dos Anjos. Era
a primeira vez em que Mutarelli estava indo ao Recife. Augusto dos
Anjos virou nosso Anjo protetor. E selou, para sempre, a nossa amizade.
Literária e boêmia. Augusto me levou às sombras. Nossos Ossos
tem muito do ‘osso’ do Augusto. Ninguém passa pelos versos de Augusto
sem ser despertado por eles”. Marcelino é autor do romance Nossos Ossos.
Le Tícia Conde
“Para mim, ler, seja qualquer autor, é
sempre muito bom em termos de poemas. Ele [Augusto dos Anjos] em
específico me foi um alívio porque eu escrevia uns poemas mais obscuros,
também isso envolvendo o eu, a visão única do poeta – que sempre me
agradou muito. Mesmo nas palavras que ele mais comumente usou eu
adorava, e usei muito!”. Le Tícia é autora do livro toda Vulva diz Cus são
Lucimar Mutarelli
“A primeira vez que li Augusto dos Anjos foi na história em quadrinhos Eu te amo Lucimar,
de Lourenço Mutarelli. Lembro de ficar estarrecida com as imagens que a
leitura dos poemas gerava e a contundência dos textos e o fato de não
escrever sobre temas comuns à poesia. Eu dei aulas de Educação Artística
durante 20 anos e lembro como os alunos ficavam fascinados quando
descobriam os textos do Augusto dos Anjos, parecia que ele escrevia para
eles. As minhas aulas de História da Arte, no Colégio Etapa eram
integradas com a disciplina de Literatura e, eu e a professora Thaís
Gasparetti usávamos os poemas do escritor como mais uma forma de chamar a
atenção dos alunos”. Lucimar é autora do livro Entre o Trem e a Plataforma.
Wladimir Cazé
“Conheci sonetos de Augusto dos Anjos na
adolescência, durante o ensino médio, no momento em que eu desenvolvia o
gosto pela poesia, e me interessei pela temática dele. Gostava de
observar o uso de vocabulário técnico-científico em poemas, coisa que me
causava espanto. Anos depois comprei Eu e outras poesias e li
sua obra com mais atenção. Não se trata de uma influência direta, mas
acredito que podem existir traços dessas leituras na série de poemas Microafetos,
que dá título a meu primeiro livro, de 2005. Embora o tom e a linguagem
deles seja muito diferente da angustiada poética augustiana, existe ali
um uso de palavras extraídas dos domínios técnico-científicos que
alguns leitores associam ao que se vê na poesia de Augusto dos Anjos. Um
exemplo de Microafetos: ‘À sombra de palmeiras simbiônicas, /
uma réplica de formiga nanométrica / se conecta ao mosquito
cromossômico: / elo randômico em século inorgânico’.” Wladimir é
autor do livro Microafetos.
Bruno Brum
“Um dos aspectos da poesia de Augusto dos
Anjos que sempre me fascinou é a estranheza. O poeta usa palavras e
formas de construção exteriores ao discurso poético convencional, se
apropriando do vocabulário de outras áreas, como a biologia. Augusto
soube transformar a sensação de deslocamento que sempre o acompanhou em
linguagem poética da mais alta voltagem. Em diversos momentos, na minha
poesia, me aproprio também de cosntruções verbais próprias da ciência,
do discurso jurídico ou midiático. Augusto dos Anjos me ensinou a
transformar estranheza e deslocamento em linguagem”. Bruno é autor do
livro Mastodontes na Sala de Espera.
Vanessa Trajano
“Eu tinha 14 anos e havia começado a
rabiscar alguns versos. Construção ininterrupta desde então,
principalmente porque um amigo meu me deu EU e outras poesias
de Augusto dos Anjos. Foi a ultima vez que tive duvida que poesia era ou
não coisa de doido. E fui me aprofundando de tal forma no “escarra
nessa boca que te beija” que entendi que coisa linda é o amargo e o doce
da vida”. Vanessa é autora dos livros Mulheres Incomuns e Poemas Proibidos.
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