Direito Penal do Inimigo
Com o surgimento de novos delitos decorrentes dos riscos pós modernos e a expansão do Direito Penal, como consequência do aumento das tipificações, se criou uma situação em que o Direito tem que acompanhar a evolução dos criminosos e se adequar juridicamente para proteger a sociedade.
1. INTRODUÇÃO
De uma forma sintética, essa Teoria tem como objetivo a prática de um Direito Penal que separaria os delinqüentes e criminosos em duas categorias: os primeiros continuariam a ter o status de cidadão e, uma vez que infringissem a lei, teriam ainda o direito ao julgamento dentro do ordenamento jurídico estabelecido e a voltar a ajustar-se à sociedade; os outros, no entanto, seriam chamados de inimigos do Estado e seriam adversários, inimigos do estado cabendo a estes um tratamento rígido e diferenciado.
Os inimigos perdem o direito às garantias legais. Não sendo capazes de adaptar-se às regras da sociedade, devem ser afastados, ficando sob a tutela do Estado, perdendo o status de cidadão.
Jakobs vale-se dos pensamentos de grandes filósofos como Rosseau, Hobbes, Kant e Fichte para sustentar suas teorias, buscando agregar valor e força aos seus argumentos.
Assim, aos cidadãos delinquentes, terão proteção e julgamento legal; aos inimigos, coação para neutralizar suas atitudes e seu potencial ofensivo e prejudicial.
A sociedade em geral, principalmente aos que sentiram na pele a ação de criminosos, aos imediatistas, aos que, pressionados, precisam de uma solução rápida aos problemas criminais, a teoria de Jakobs poderá parecer, à primeira vista, uma solução quase perfeita.
Os três pilares que fundamentam a Teoria de Jakobs, que são: antecipação da punição do inimigo; a desproporcionalidade das penas e relativização ou supressão de certas garantias processuais e a criação de leis severas direcionadas à indivíduos dessa específica engenharia de controle social (terroristas, supostos líderes de facções criminosas, traficantes, homens-bomba, etc.), poderiam funcionar perfeitamente em uma sociedade que tivesse condições e capacidades especiais para distinguir entre os que mereceriam ser chamados de cidadãos e os que deveria ser considerados os inimigos.
Atente-se, porém, ao fato de que não temos capacidade, condições ou mecanismos para julgarmos com precisão e justiça, tampouco arcarmos com as responsabilidades que esta teoria traria ao mundo.
Esbarramos no mesmo problema, por exemplo, da pena de morte, em que muitos condenados são inocentes e, ainda, no retrocesso que representaria voltarmos à representação da inquisição, onde foram considerados inimigos quem não atendia aos ditames do Estado e da Igreja, e do Holocausto, em que uma nação foi considerada o inimigo e, independentemente de seus atos, os nascidos judeus eram condenados aos maus tratos e à morte.
2. BASES FILOSÓFICAS
A grande base filosófica da teoria de “Jakobs” são os filósofos Rosseau, Fichte, Kant, Hobbes.
Rosseau, afirma que qualquer malfeitor que ataque os direito social deixa de ser membro do Estado, posto que se encontra em guerra com este, como demonstra a pena pronunciada contra o malfeitor. A consequência diz assim “... ao culpado se lhe faz morrer mais como inimigo que como cidadão”.(Noções e Críticas, 2008 p. 25)
De “modo similar argumenta Fichte”. Quem abandona o contrato cidadão em um ponto em que no voluntário ou por imprevisão, em sentido estrito perde todos os direitos como cidadão e como ser humano, e passa a um estado de ausência completa de direitos. (Noções e Críticas, 2008 p. 26)
“Fichte atenua tal morte civil, como regra geral mediante a construção de um contrato de penitência, mas não no caso de assassinato intencional e premeditado: neste âmbito, se mantém a privação de direitos” (Noções e Críticas, 2008 p. 27) ao condenado se declara que é uma coisa, uma peça de gado.
Hobbes tinha consciência da situação, e nominalmente, é também um teórico do contato social, mas materialmente é preferencialmente, um filósofo das instituições. Seu contato de submissão – junto a qual aparece, em igualdade de direito a submissão por meio da violência não deve entender tanto como um contrato, mas como uma metáfora de que os futuros cidadãos não perturbem o Estado em seu processo de auto-organização.
De maneira plenamente coerente com isso, HOBBES, em princípio, mantém o delinquente, em sua função de cidadão. O cidadão não pode eliminar, por si mesmo, seu status. Entretanto, a situação é distinta quando se trata de uma rebelião, isto é, de alta traição: Pois a natureza deste crime está na rescisão da submissão, o que significa uma recaída no estado de natureza. E aqueles que incorrem em tal delito não são castigados como súbditos, mas como inimigos.
Kant, foi quem fez o uso do modelo contratual como idéia reguladora na fundamentação e na limitação do poder do Estado, situa o problema na passagem do estado, de natureza (fictícia) ao estado estatal.
Na construção de Kant, toda pessoa está autorizada a obrigar a qualquer outra pessoa e entrar em uma constituição cidadã. Imediatamente, coloca-se a seguinte questão: o que diz Kant àqueles que não se deixa obrigar. Em seu escrito “Sobre a paz eterna”, dedica uma extensa nota, ao pé de página, ao problema de quando se pode legitimamente proceder de modo hostil contra um ser humano, expondo o seguinte entretanto, aquele ser humano ou povo que se encontra em mero estado de natureza, priva da segurança necessária, e lesiona, já por esse estado, aquele que está ao meu lado, embora não de maneira ativa (ato), mas sim pela ausência de legalidade de seu estado (status injusto), que ameaça constantemente; por isso, posso obrigar que ameaça constantemente; por isso; posso obrigar que, ou entre comigo em um estado comunitário legal ou abandone minha vizinhança.
Portanto de uma forma geral todos os filósofos praticamente entendem que o Direito Penal do Cidadão é o direito de todos, e o Direito Penal do Inimigo é daqueles que o constituem contra o inimigo: frente ao inimigo, é só coação física, até chegar à guerra.
Esta coação pode ficar limitada em um duplo sentido, em primeiro lugar, o Estado, não necessariamente, excluirá o inimigo de todos os direitos, neste sentido, o sujeito submetido a custódia de segurança fica incólume em seu papel de proprietário de coisas, e em segundo lugar, o Estado não tem por que fazer tudo o que é permitido fazer, mas pode conter-se, em especial para não fechar a porta a um posterior acordo de paz.
Mas isto significa que nada altera o fato de que a medida executada contra o inimigo só coage. O Direito penal do inimigo do cidadão mantém a vigência da norma, já o Direito penal do inimigo em sentido amplo incluído o Direito das medidas de seguranças, combate perigos, que com toda certeza existem múltiplas formas intermediárias.
3.1) Direito Penal de primeira velocidade: trata-se do modelo de Direito Penal liberal-clássico, que se utiliza preferencialmente da pena privativa de liberdade, mas se funda em garantias individuais inarredáveis.
3.2) Direito Penal de segunda velocidade: cuida-se do modelo que incorpora duas tendências (aparentemente antagônicas), a saber, a flexibilização proporcional de determinadas garantias penais e processuais aliada à adoção das medidas alternativas à prisão (penas restritivas de direito, pecuniárias etc.).
No Brasil, começou a ser introduzido o Direito Penal na segunda velocidade com a Reforma Penal de 1984 e se consolidou com a edição da Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099, de 1995).
3.3) Direito Penal de terceira velocidade: refere-se a uma mescla entre as características acima, vale dizer, utiliza-se da pena privativa de liberdade (como o faz o Direito Penal de primeira velocidade), mas permite a flexibilização de garantias materiais e processuais (o que ocorre no âmbito do Direito Penal de segunda velocidade). Essa tendência pode ser vista em algumas recentes leis brasileiras, como a Lei dos Crimes Hediondos, Lei n. 8.072, de 1990, que, por exemplo, aumentou consideravelmente a pena de vários delitos, estabeleceu o cumprimento da pena em regime inicialmente fechado com lapso temporal mais rigoroso para a progressão de regime e suprimiu, ou tentou suprimir, algumas prerrogativas processuais (exemplo: a liberdade provisória), e a Lei do Crime Organizado (Lei n. 9.034, de 1995), dentre outras.
4. CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO
Na Teoria pura do Direito Penal do Inimigo, o inimigo é considerado uma coisa e é anulado, não é considerado mais um cidadão e nem mesmo um sujeito processual. Contra ele não se justifica um procedimento penal (legal), mas sim um procedimento de guerra.
Quem não oferece segurança suficiente de um comportamento pessoal não deve ser tratado como pessoa, pois se assim fosse, o Estado vulnerária o direito à segurança das demais pessoas, e por isso deverá ser punido observando o perigo e a ameaça que este representa no futuro, com uma medida preventiva, e prospectiva.
Muitas são as críticas acerca desta Teoria, se remetendo a um Direito Penal nazista, que não se adequa com o Estado Democrático de Direito, a não observância dos princípios e garantias penais, ou ainda que este seja também inconstitucional, mas não se quer aqui, exaurir todos os argumentos a favor desta teoria, e sim, demonstrar que é possível sim aproveitar reflexos desta, diante do aumento e desenfreado da violência em nosso país e no mundo.
Lamentoso dizer que o sistema penal do nosso Estado de Direito é feito apenas para os “powerless” (impotentes), e não para os “powerful” (poderosos). O conjunto de garantias e princípios fundamentais previstos na Constituição Federal foi criado para um seleto grupo de pessoas moldadas pelo patriotismo, que não atentarão contra o Estado, e não para os essencialmente criminosos.
O Estado, na busca constante de proteger princípios e garantias constitucionais, penais e processuais do agente infrator, acaba por negligenciar a segurança dos cidadãos não infratores acerca daquele criminoso. Quando estupram criancinhas ou as fazem de instrumento do tráfico, ou ainda quando desviam milhões dos cofres públicos ou atiram aviões em prédios infestados de pessoas inocentes, não se pensam ou questionam princípios, dignidade ou Estado Democrático de Direito, e porque agora, em defesa dos cidadãos corretos, trabalhadores e não criminosos condenam friamente os poucos reflexos dessa teoria no sistema penal brasileiro?
Aqui no Brasil, O Regime Disciplinar Diferenciado é um reflexo significativo do Direito Penal do Inimigo, sendo considerado pela grande maioria inconstitucional. Com o advento da lei nº. 10.792/2003, que alterou a Lei de Execuções Penais e inseriu entre nós o Regime Disciplinar Diferenciado, e trouxe a possibilidade de “abrigar o preso, provisório ou condenado, sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando”.
O §1º do art. 52 desta lei, também caracteriza quase expressamente traços da Teoria do Direito Penal do Inimigo: in verbis: “(...) O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade“ (grifo nosso).
Trata-se, portanto, tal situação específica da punição não pelo fato criminoso, regra do nosso ordenamento jurídico, mas pela análise do autor acerca de seu grau de periculosidade, aplicando um direito penal prospectivo.
Basta observar o rol de internos no RDD e suas respectivas infrações para perceber o quanto se faz necessária a adoção de certas medidas para que se instaure a paz social.
São nomes como Marcos Willians Herbas Camacho o popularmente conhecido como “Marcola”, e Luiz Fernando da Costa o “Fernandinho Beira-Mar”, dentre outros que são facilmente conhecidos de todos os brasileiros. São os chamados chefões do tráfico de entorpecentes. Figuras da mais alta periculosidade e que precisam ser isolados.
O que se deve, portanto, é proporcionalizar a Teoria do Direito Penal do Inimigo, na tentativa de proteger a nossa sociedade daqueles criminosos que cometem o delito não por causa de uma deficiência decorrente dos distúrbios sociais, mas pela necessidade de se tornar efetiva a simples e pura essência do ato.
5.1) O Direito Penal do Inimigo ofende a Constituição, pois esta não admite que alguém seja tratado pelo Direito como mero objeto de coação, despido de sua condição de pessoa (ou de sujeito de direitos).
5.2) O modelo decorrente do Direito Penal do Inimigo não cumpre sua promessa de eficácia, uma vez que as leis que incorporam suas características não têm reduzido a criminalidade.
5.3) O fato de haver leis penais que adotam princípios do Direito Penal do Inimigo não significa que ele possa existir conceitualmente, como uma categoria válida dentro de um sistema jurídico.
5.4) Os chamados "inimigos" não possuem a "especial periculosidade" apregoada pelos defensores do Direito Penal do Inimigo, no sentido de praticarem atos que põe em xeque a existência do Estado. O risco que esses "inimigos" produzem dá-se mais no plano simbólico do que no real.
5.5) A melhor forma de reagir contra o "inimigo" e confirmar a vigência do ordenamento jurídico é demonstrar que, independentemente da gravidade do ato praticado, jamais se abandonarão os princípios e as regras jurídicas, inclusive em face do autor, que continuará sendo tratado como pessoa (ou "cidadão").
5.6) O Direito Penal do Inimigo, ao retroceder excessivamente na punição de determinados comportamentos, contraria um dos princípios basilares do Direito Penal: o princípio do direito penal do fato, segundo o qual não podem ser incriminados simples pensamentos (ou a "atitude interna" do autor).
6. O DIREITO PENAL DO INIMIGO NO BRASIL
De uma maneira mais branda do que a teoria prevê, pode se perceber alguns reflexos do direito penal do inimigo no Brasil como, por exemplo, o Regime Disciplinar Diferenciado instituído pela Lei n. 10.792, de 31 de Dezembro de 2003, a Infiltração policial, e também o flagrante, que é controlado e regulamentado pela lei nº 9.034/95.
O Direito Penal do Inimigo é uma Teoria que prevê punições mais severas e uma tutela jurisdicional penal mais célere ao indivíduo, que segundo a teoria após passar por alguns estágios, se torna inimigo do Estado a teoria prevê a separação de delinquentes e criminosos em duas categorias, o primeiro continuaria a ter status de cidadão, já no segundo caso seriam chamados de inimigos do Estado cabendo a estes um tratamento rígido e diferenciado.
Os inimigos perderiam os direitos e as garantias previstas em lei, e sofreria uma punição mais rápida e rígida, o exemplo mais esclarecedor de inimigo, seria a prática do terrorismo, que infelizmente está se tornando cada vez mais comum na atualidade.
Alguns doutrinadores criticam a teoria, alegando dentre inúmeros motivos a falta de observância aos Direitos Humanos, no Brasil essa teoria não é aceita por causa do art 5º da Constituição Federal, que dispõe que todos são iguais perante a lei sem diferenciação de inimigo ou cidadão, mas de uma maneira subentendida, tem seus reflexos inseridos no ordenamento jurídico, como o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).
Portanto concluímos que existem duas correntes Doutrinárias, uma majoritária desfavorável, alegando como motivo principal a falta de observâncias aos Direitos Humanos e o conflito com o art 5º, da Constituição Federal. E outra, minoritária, com conteúdo favorável a Teoria de Jakobs, concordando que para se instaurar a ordem social, em alguns casos específicos, deve aplicar-se um tratamento diferenciado a indivíduos criminosos.
JAKOBS, Günter, MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo - Noções e Críticas. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 3ª ed. 2008. 25-40 p.
Lei nº. 10.792, de 1º de Dezembro de 2003.
JESUS, Damásio E. de. Direito penal do inimigo. Breves considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1653, 10 jan. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10836>. Acesso em: 24 mar. 2009
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