Um agente que comete um delito por incorrer em equívoco não pode sofrer sanções idênticas ao que perpetra a mesma ação criminosa tendo plena ciência de todas as circunstancias fáticas e jurídicas em que se encontra inserido.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa analisar o instituto do erro no Direito Penal.
Tema de bastante complexidade e que causa muita confusão, o equívoco criminal possui diversas espécies, as quais se distinguem, muitas vezes, apenas por pequenas peculiaridades.
Por isso, este assunto precisa ser tratado com muito cuidado, detalhadamente e ilustrativamente.
Para tanto, o método empregado neste trabalho segue a linha da exposição da evolução histórica do instituto, teorias explicativas e estudo de cada espécie de erro separadamente, com exemplos.
O primeiro Capítulo desta obra destina-se à explanação de um breve histórico sobre o surgimento do estudo do equívoco penal.
Tudo isso para contextualizar a análise do erro na sociedade atual.
Nesta primeira parte, será ainda demonstrada a diferença entre erro e ignorância.
No segundo Capítulo, será tratado a respeito das Teorias que se formaram ao longo do tempo, em razão da tentativa de se entender e de uniformizar as análises e as consequências do erro.
Iniciando-se pelas Teorias do Dolo, trataremos, antes de tudo, da Teoria Extremada do Dolo.
Após, será vista a Teoria Limitada do Dolo.
Em seguida, passaremos a nos debruçar sobre as Teorias da Culpabilidade, com enfoque nas principais: Teoria Extremada da Culpabilidade e Teoria Limitada da Culpabilidade.
Por fim, nesta parte do trabalho, será ainda observada a Teoria dos Elementos Negativos do Tipo, a qual tem relevância no contexto das causas de justificação, porque entende que, quando presente alguma delas, resta existente também um elemento negativo do delito.
No Capítulo 3, será estudado o erro de tipo e as suas espécies.
O erro de tipo é o que incide sobre as elementares circunstânciais ou sobre qualquer dado agregado ao tipo.
A partir daqui, veremos a subdivisão entre erro de tipo essencial e acidental.
O primeiro liga-se aos elementos principais do tipo e divide-se em evitável e inevitável, causa que identifica as consequências para o agente (na primeira hipótese, há exclusão do dolo e punição a título culposo, caso haja previsão em lei, e, na segunda, do dolo e da culpa).
O segundo (acidental) liga-se aos dados secundários do tipo e divide-se em erro sobre o objeto, erro sobre a pessoa, erro na execução ou aberratio ictus (por acidente ou por erro no uso dos instrumentos da execução), resultado diverso do pretendido e erro sobre o nexo causal (em sentido estrito ou dolo geral).
Ainda neste Capítulo, será visto o erro sobre as qualificadoras.
No Capítulo 4, analisaremos o equívoco determinado por terceiro.
Após, veremos esta modalidade de erro em confronto com o concurso de pessoas.
No Capítulo 5, trataremos de erro de tipo em comparação ao delito putativo por erro de tipo e crime impossível.
Aqui, será explicado em que consiste o termo “putativo” e as consequências jurídicas para o agente que incide em cada um dos três institutos, os quais configuram situações bem distintas.
A seguir, no Capítulo 6, estudaremos as descriminantes putativas.
É sabido que descriminante é uma causa que exclui o delito, cancelando, desta forma, o caráter ilícito do fato típico perpetuado por um sujeito.
Neste contexto, as causas legais autorizadoras deste resultado são: legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal.
Porém, esta parte do trabalho visa explicar o caso em que o agente, incorrendo em erro sobre a existência fática ou jurídica ou sobre os limites de uma causa de exclusão da ilicitude, acredita estar amparado por uma dessas causas, quando não está realmente.
Posteriormente, no Capítulo 7, observaremos o erro de proibição, com suas diversas espécies.
Neste ponto, será visto o erro de proibição com enfoque nas suas modalidades principais: erro de proibição direto, quando o agente se equivoca a respeito de uma norma proibitiva; e o erro de proibição indireto, quando o indivíduo supõe presente uma norma permissiva (excludente de ilicitude).
Ademais, seguiremos analisando o erro de proibição mandamental ou injuntivo, que é aquele incidente sobre os crimes omissivos próprios ou impróprios, quando o equívoco recai sobre uma norma mandamental.
Ainda, será visto o erro de proibição de validade e o hermenêutico ou de interpretação da norma ou de subsunção.
Após isto, será estudada a diferença entre erro de proibição e delito putativo por erro de proibição.
No Capítulo 8, faremos uma breve exposição do erro de tipo permissivo, o qual será analisado mais profundamente no Capítulo seguinte, quando em comparação com outros institutos.
Portanto, no Capítulo 9, distinguiremos o erro de tipo permissivo e o erro de proibição indireto, além do erro de tipo essencial e o erro de proibição direto.
Ao final, no Capítulo 10, exemplificaremos as hipóteses estudadas através de casos reais retirados da jurisprudência e da imprensa.
Neste contexto, este trabalho procura se aprofundar no estudo do erro no Direito Penal, com enfoque no equívoco que recai sobre as causas de antijuridicidade.
Por isso que, à primeira vista, a ideia desta obra é dar mais amplitude para o estudo do erro de tipo permissivo e do erro de proibição indireto.
No entanto, o tema do equívoco penal é todo interligado, não permitindo que se faça uma análise isolada.
Assim, é necessário analisar outros institutos conexos, para que haja uma melhor compreensão do assunto, sem que ocorra confusão, já que o tema, por si só, é bastante carregado de complexidades.
O estudo do erro justifica-se no fato de que não há como impor consequências jurídico-penais aos agentes que praticam o mesmo fato, quando um estava encoberto pelo equívoco e o outro tinha plena noção da conduta que estava sendo perpetrada.
A fim de se impedir a responsabilidade objetiva, necessário se faz a análise particularizada do caso concreto, avaliando o elemento subjetivo que impeliu o sujeito ativo à prática do ilícito.
Diante disso, a análise do equívoco criminal, apesar de ser cheia de peculiaridades, complexa e trabalhosa, é imprescindível, porque aquele que comete uma conduta delituosa motivado pelo engano possui aspectos subjetivos que necessariamente devem ser apreciados pelo julgador.
Não bastasse isso, também devem ser considerados, além dos aspectos subjetivos (internos do agente delituoso), os fatores externos ou fáticos que o influenciaram na perpetração da infração.
Estes são os motivos pelos quais o estudo do erro não pode ser negligenciado pelos estudiosos do Direito.
1 BREVE HISTÓRICO DO ERRO NO DIREITO PENAL
Para fins de situar o presente estudo no contexto social em que estamos inseridos, é mister analisar o histórico dos institutos a serem abordados.
O estudo do erro é um dos assuntos mais complexos do Direito Penal.
Todos os elementos que compõem a estrutura do crime estão relacionados ao erro.
Na antiguidade, os romanos foram os primeiros a investigar e a tentar compreender o erro.
A primeira tentativa de classificação do equívoco penal esteve atrelada à distinção entre o que seria “erro de fato” e “erro de direito”.
Atualmente, o erro é conceituado como vício da vontade, aquele que causa uma falsa percepção da realidade e tanto pode incidir sobre os elementos estruturais do delito (erro de tipo), quanto sobre a ilicitude (erro de proibição).
Não pode ser confundido com a ignorância, porque “erro é a falsa ideia ou o falso sentido que se tem de alguma coisa. A ignorância é a falta de conhecimento, pelo que é, então, mais ampla que o erro, pois revela a falta total de ideia.”[1].
Cezar Roberto Bitencourt recomenda, para uma melhor compreensão do estudo do erro, no Direito Penal contemporâneo, que se deixe para trás as antigas concepções romanas a respeito de erro de fato e erro de direito, porquanto não guardam necessariamente identidade com as espécies de equívocos penais que temos atualmente[2].
A antiga classificação de erro de fato e erro de direito baseava-se na situação fática. O que temos hoje é um sistema reestruturado com base no equívoco sobre a tipicidade ou a ilicitude.
Não se pode confundir o desconhecimento da ilicitude de um comportamento com o desconhecimento de uma norma legal. A ilicitude de um fato está na relação de contrariedade que se forma entre o fato e o ordenamento jurídico[3].
Importante destacar a explicação de Alcides Munhoz Netto, para quem “a ignorância da lei é o desconhecimento dos dispositivos legislados, ao passo que a ignorância da antijuridicidade é o desconhecimento de que a ação é contrária ao Direito. Por ignorar a lei, pode o autor desconhecer a classificação jurídica, a quantidade da pena, ou as condições de sua aplicabilidade, possuindo, contudo, representação da ilicitude do comportamento. Por ignorar a antijuridicidade, falta-lhe tal representação. As situações são, destarte, distintas, como distinto é o conhecimento da lei e o conhecimento do injusto”[4].
O erro de proibição refere-se à efetiva inexistência, no sujeito ativo, no momento da ação delituosa, da consciência da ilicitude de sua conduta.
No entanto, nem sempre o dever jurídico coincide com a lei moral ou é intuitivo para todas as pessoas.
Por exemplo, nem todos sabem que, ao encontrar tesouro em terras alheias, devem destinar metade do achado ao dono do imóvel (art. 169 do Código Penal).
Conforme pondera Cesare Beccaria:
Enquanto o texto das leis não for um livro familiar, como um catecismo, enquanto elas forem redigidas em língua morta e não conhecida do povo, e enquanto forem, de maneira solene, mantidas como oráculos misteriosos, o cidadão que não puder aquilatar por si próprio as consequências que devem ter os atos que pratica sobre a sua liberdade e sobre seus bens estará dependendo de um pequeno número de homens que são depositários e intérpretes das leis. Ponde o texto sagrado das leis nas mãos do povo e, quantos mais homens o lerem, menos delitos haverá[5]
Este problema levou Welzel a reestruturar o conceito de consciência da ilicitude, introduzindo-lhe um novo elemento: o dever de informar-se.
Neste contexto, a culpabilidade passou a exigir a potencial consciência da ilicitude, sendo necessário questionar se houve negligência ou falta do dever concreto de o agente procurar informar-se sobre a ilicitude da conduta perpetrada.
Outra vem a ser a culpabilidade, a partir da concepção do homem como um ser responsável (autodeterminação conforme a um sentido). Com o finalismo se opera um giro copernicano na sistemática jurídica do delito: o atuar humano é uma atividade ordenada finalisticamente, o que exige o exame de seu conteúdo subjetivo (vontade), não se tratando de simples processo de natureza casual, objetivo e “cego”; a tipicidade inclui elementos objetivos (tipo objetivo) e elementos subjetivos (tipo subjetivo); a ilicitude tem conteúdo objetivo e subjetivo, sendo o injusto pessoal (desvalor da ação e desvalor do resultado); e a culpabilidade entendida como normativa pura (imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência da ilicitude).[6]
Nesta etapa, a introdução do dolo no elemento subjetivo do tipo facilitou muito a compreensão do crime e, graças à Teoria Finalista, ficou clara a diferença entre “erro de tipo” e “erro de proibição”, os quais serão estudados mais profundamente em tópicos específicos deste trabalho.
2 TEORIAS QUE SE DESENVOLVERAM NA TENTATIVA DE EXPLICAR O ERRO
Para que haja uma melhor compreensão do erro no Direito Penal, assunto de grande complexidade na disciplina, imprescindível se faz o estudo das teorias que se desenvolveram na tentativa de explicar o instituto.
2.1 TEORIA EXTREMADA DO DOLO
É a mais antiga das teorias.
Aqui, o dolo está inserido na culpabilidade e a consciência da ilicitude (que precisa ser atual) no próprio dolo.
Para esta corrente, há o dolo normativo, que compõe-se de vontade, previsão e conhecimento da realização de uma conduta proibida.
Defende que o erro, exclui sempre o dolo, quando inevitável (por anular o elemento normativo, que é a consciência da ilicitude, ou por anular o elemento intelectual do dolo, que é a previsão) não importando se o caso enquadra-se em erro de tipo ou de proibição. Não distingue as hipóteses e este é o problema desta teoria.
2.2 TEORIA LIMITADA DO DOLO
Na busca de preencher as lacunas deixadas pela teoria anterior, esta afirmou que o “conhecimento atual da ilicitude” equivaleria à “cegueira jurídica” ou à “inimizade ao Direito”.
Para Mezger, haveria situações em que o infrator (em geral, um delinquente habitual) demonstraria tamanho desprezo ou indiferença com os valores apresentados pelo ordenamento jurídico, que, mesmo não sendo possível provar que conhecia a ilicitude de sua conduta, deveria ser castigado por crime doloso.
Aqui, Mezger substituiu o “conhecimento atual da ilicitude” pelo “conhecimento presumido” e deu origem ao combatido Direito Penal do Autor.
Seria, portanto, presumido o dolo quando a ignorância da ilicitude decorresse de “cegueira jurídica” ou “animosidade com o Direito”, conceitos cuja incerteza jurídica impossibilitaram a aceitação desta teoria[7].
As teorias do dolo foram expostas neste trabalho apenas pelo valor histórico que apresentam, em virtude do fato de que, com o surgimento das teorias da culpabilidade, perderam importância.
2.3 TEORIA EXTREMADA DA CULPABILIDADE
Neste pensamento, o dolo resta separado da consciência da ilicitude. O dolo é transferido para o injusto, passando a fazer parte do tipo penal.
A consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa passam a fazer parte da culpabilidade.
Em conclusão: se o erro incidir sobre elemento intelectual do dolo, certamente o excluirá e, como consequência, o tipo penal também será anulado (erro de tipo); e, se o erro for sobre a potencial consciência da ilicitude, será afastada a culpabilidade (erro de proibição).
No erro de tipo, o erro vicia elemento intelectual do dolo (previsão) e será excluído o dolo, porém, por restar a culpabilidade ilesa, poderá ser configurado crime culposo, caso haja previsão do delito na modalidade imprudente.
No erro de proibição, o erro atinge a consciência da ilicitude, que agora está localizada na culpabilidade, logo, quando inevitável, exclui a culpabilidade e impede a condenação.
Porém, quando evitável, atenua a pena, mas a condenação se impõe ainda por crime doloso.
O problema é que, para a Teoria Extremada, qualquer erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação deveria ser tratado como erro de proibição, da mesma forma que um erro sobre uma justificativa relacionada aos limites ou à existência de uma norma.
2.3 TEORIA LIMITADA DA CULPABILIDADE
O dolo permanece situado no tipo e a consciência da ilicitude na culpabilidade.
Continua a adotar o erro de tipo como excludente do dolo e aceita, quando for o caso, o crime culposo, além de defender o erro de proibição inevitável como causa de exclusão da culpabilidade e consequente impossibilidade de punição a qualquer título (por dolo ou culpa).
No entanto, quando comparada à corrente anterior, esta implica em profundas divergências no referente à hipótese em que o erro recai sobre uma causa de justificação.
Esta teoria distingue o erro que incide sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação e o classifica como erro de tipo permissivo e o erro que atinge a existência ou a abrangência de uma causa de justificação e o categoriza como erro de proibição.
O erro de tipo permissivo tem o mesmo efeito do erro de tipo: exclui o dolo, mas permite a punição culposa, caso haja previsão.
O erro de proibição anula a culpabilidade, se inevitável, ou atenua a pena, se evitável, conforme já visto.
Esta é a corrente adotada pelo sistema penal brasileiro:
O código penal brasileiro de 1984, no seu art 20 § 1, deixou expressa a adoção da teoria limitada da culpabilidade, não obstante, os defensores da teoria estrita da culpabilidade tentaram promover uma releitura do texto legal. De qualquer forma, há um grande continente doutrinário que reconhece a opção legislativa, especialmente porque está explícita no item 17 da exposição de motivos do projeto.[8]
Como já dito, o Código Penal adota a Teoria Limitada da Culpabilidade, onde temos a potencial consciência da ilicitude como elemento da culpabilidade e dentro da potencial consciência da ilicitude temos o erro de proibição como gênero.
O dolo está no tipo e a conduta passa a ser dolosa ou culposa.
2.4 TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO
Outra corrente que se esforçou na tentativa de entender melhor e explicar o instituto do equívoco no Direito Penal, foi a Teoria dos Elementos Negativos do Tipo.
Os seguidores deste pensamento criaram o chamado “tipo total de injusto”, o qual abrangeria também as causas de justificação, como “elementos negativos do tipo”.
Neste contexto, sendo o crime um “injusto tipificado”, tudo que anule o injusto acarretará, também, o desaparecimento da tipicidade.
Há críticas de que esta teoria faz uma identificação inadequada de tipicidade e de antijuridicidade.
Isso porque, se as causas de justificação excluem o injusto, passam a ser características negativas do tipo.
Neste sentido, o dolo abrangeria não somente os elementos constitutivos do tipo incriminador, mas também a ausência de causas de justificação.
Explica-se: não há dolo, quando presente uma causa justificante; assim, o erro nas descriminantes putativas fáticas seria erro de tipo e como tal, excluiria o dolo[9].
No entanto, é muito difícil que, durante a ação, o agente tenha representação além dos elementos estruturais do tipo penal.
Ainda, é pouco defensável que o sujeito ativo da infração tenha plena noção de que, na hipótese, ausentes estão a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito.
Jescheck ensina que:
Se os elementos de justificação fossem elementos negativos do tipo, o dolo deveria referir-se também à sua ausência. Na grande maioria dos casos, o autor não pensa nisso, nem sequer no sentido de uma vaga consciência concomitante (Mitbewusstsein). Tampouco pode dizer-se que mediante a consciência da justificação desapareça já o desvalor da ação do fato delituoso, já que o mesmo não desaparece enquanto o autor crê subjetivamente atuar com apoio no Direito, mas somente quando se unem a consciência da justificação e a situação justificativa.[10]
Assim, pode-se concluir que diversos estudiosos se debruçaram no estudo do erro para o Direito Penal e, ante a complexidade do tema, diversas foram as teorias criadas.
Contudo, para o Brasil, maior relevo deve ser dado ao estudo da Teoria Limitada da Culpabilidade, vista no item anterior, eis que é a adotada pelo ordenamento jurídico vigente, conforme já explanado.
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