Friedrich Wilhelm Nietzsche
Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) nasceu em Röcken, na Saxônia,
filho de uma família de pastores protestantes. Seu pai e seus dois avôs
eram pastores. Aos dez anos já fazia suas primeiras composições musicais
e aos quatorze tornou-se professor numa Escola Rural em Pforta. Nessa
época fez seu primeiro exercício autobiográfico, sinalizando a vinda doEcce homo, trinta
anos depois. “Da minha vida” é o título da obra de um autor que, em
rala idade, já se sabia destinado a grandes tarefas. Mais tarde
Nietzsche estudou Filologia e Teologia nas Universidades de Bonn e
Leipzig.
Aos vinte anos, Nietzsche conheceu de perto a obra de uma de suas
influências mais caras: Schopenhauer. Pouco depois prestou o serviço
militar e entrou em contato – fascinado – com a música de Wagner. Aos
vinte e quatro anos – e isso apenas confirma um gênio que se manifestou
sempre precoce – Nietzsche foi chamado para a cadeira de Língua e
Literatura Grega na Universidade de Basiléia, na Suíça, ocupando-se
também da disciplina de Filologia Clássica. O grau de Doutor –
indispensável nas universidades alemãs – seria concedido a Nietzsche
apenas alguns meses depois, pela Universidade de Leipzig. Sem qualquer
prova e com um trabalho sobre “Homero e a filologia clássica”,
Nietzsche assumiu o título e mudou-se definitivamente para Basiléia.
Com vinte e seis anos, em 1870, Nietzsche desenvolveu os aspectos
teóricos de uma nova métrica na poesia, para ele, “o melhor achado
filológico que tinha feito até então”. Em 1872, escreveu sua primeira
grande obra, O nascimento da tragédia, sobre a qual Wagner disse:
“Jamais li obra tão bela quanto esta”. O ensaio viria a se tornar um
clássico na história da estética. Nele, Nietzsche sustenta que a
tragédia grega surgiu da fusão de dois componentes: o apolíneo, que
representava a medida e a ordem; e o dionisíaco, símbolo da paixão vital
e da intuição. Segundo a tese de Nietzsche, Sócrates teria causado a
morte da tragédia e a progressiva separação entre pensamento e vida ao
impor o ideal racionalista apolíneo. As dez últimas seções da obra
constituem uma rapsódia sobre o renascimento da tragédia a partir do
espírito da música de Wagner. Daí que, elogiando Nietzsche, Wagner
estava, na verdade, elogiando a si mesmo.
Logo a seguir, Nietzsche entrou em contato com a obra de Voltaire e,
depois de uma pausa na produção, escreveu e publicou, em 1878, Humano, demasiado humano – Um livro para espíritos livres. Terminou,
ao mesmo tempo, a amizade com o casal Wagner. As dores que Nietzsche já
sentia há algum tempo progridem nessa época, e o filósofo escreve numa
carta a uma amiga: “De dor e cansaço estou quase morto”. Daí para diante
a enxaqueca e o tormento nos olhos apenas fariam progredir.
Em 1882, Nietzsche publicou A gaia ciência e conheceu Paul Rée e
Lou Salomé, com os quais manteve uma amizade a três, perturbada por
constantes declarações de amor da parte dos dois homens a Lou Salomé. Os
três viajaram e moraram juntos em várias cidades da Europa. Em 1883,
Nietzsche publica Assim falou Zaratustra (Partes I e II), sua
obra-prima. Em 1884 e 1885, viriam as partes restantes. Sob a máscara
do lendário sábio persa, Nietzsche anuncia sua filosofia do eterno
retorno e do super-homem, disposta a derrotar a moral cristã e o
ascetismo servil.
Em 1885, Nietzsche leu e estudou as Confissões de Santo Agostinho, e, em 1887, descobriu Dostoiévski. Em 1888, produziu uma enxurrada de obras, entre elas o Ecce homo e O Anticristo. Em
janeiro de 1889, sofreu um colapso ao passear pelas ruas de Turim e
perdeu definitivamente a razão. Em Basiléia, foi diagnosticada uma
“paralisia progressiva”, provavelmente originada por uma infecção
sifilítica contraída na juventude.
Em 1891 – aproveitando-se da fraqueza de Nietzsche –, a irmã faz o
primeiro ataque à obra do filósofo, impedindo a segunda edição do Zaratustra.
A partir de então, Elisabeth (que voltara à Alemanha depois de viver
durante anos no Paraguai com o marido, o líder anti-semita Bernhard
Förster, que se suicidou depois de ver malogrado seu projeto de fundar
uma colônia ariana na América do Sul; Nietzsche sempre foi
terminantemente contra o casamento) passou a ditar as regras em relação
ao legado de Nietzsche. E assim seria até 1935, quando veio a
falecer. Nacionalista alemã fanática, assim como o marido morto,
Elisabeth chegou a escrever uma biografia sobre o irmão. Na biografia,
deturpou – a serviço dos ideais chauvinistas – os fatos biográficos e as
opiniões políticas de Nietzsche, atribuindo caráter nacionalista às
investidas do filósofo contra os valores cristãos e seus conceitos da
“vontade de poder” e do “super-homem”. A obra póstuma A vontade de poder,
abandonada por Nietzsche, foi organizada pela irmã. Elisabeth reuniria
arbitrariamente notas e rascunhos de Nietzsche, muitas vezes infiéis às
idéias do autor. Antes de publicar uma versão “definitiva” do Ecce homo, a
irmã faria fama citando-o em folhetins e ensaios polêmicos, bem como na
já referida biografia (1897-1904). Elisabeth chegou a falsificar
algumas cartas do filósofo, responsáveis em parte pela má fama que
cairia sobre ele anos mais tarde, como profeta da ideologia alemã que
veio a culminar no nazismo. (Erich Podach diz que a irmã malversou,
sim, o legado de Nietzsche, mas mostra-se coerente ao dizer que ela
jamais teria alcançado ludibriar o mundo acadêmico e letrado da Alemanha
inteira se esse mesmo mundo não estivesse preparado, e inclusive não
sentisse uma espécie de “necessidade” disso.)
Em 1895, os sinais da paralisia avançam definitivamente e Nietzsche
passa a apresentar sinais visíveis de perturbação nos movimentos dos
membros. Em 25 de agosto de 1900, depois de penar sob o jugo da dor e da
irmã, o filósofo falece em Weimar, cidade para a qual a família o
levara junto com o arquivo de suas obras e escritos.
Fundamentais na reavaliação recente da obra de Nietzsche foram a
biografia escrita pelo professor da Universidade de Basiléia Curt Paul
Janz, em três volumes (que desvendou, através de uma intensa pesquisa
genética, aspectos da vida e da obra de Nietzsche até então
desconhecidos), as investidas polêmicas de Erich Podach (ver ADENDO) e
sobretudo a edição de suas Obras Completas encaminhada por Giorgio Colli
e Mazzino Montinari, em 1969.
Texto de Marcelo Backes. Em Ecce Homo (L&PM POCKET, v.301).
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