terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Afrescos do Teto da Capela Sistina


Afrescos do Teto da Capela Sistina


Sónia Cunha
Sónia Cunha 
 
Licenciada em História da Arte 
 
Na Capela Sistina encontra-se uma das obras mais emblemáticas de toda a Renascença Italiana e que hoje é uma das mais famosas do mundo. O teto da Capela Sistina foi pintado com a técnica afresco por Michelangelo Buonarroti, obra que foi encomendada pelo Papa Júlio II (1443- 1513).
Como Michelangelo tinha declarada preferência pela escultura, que considerava como a arte maior, e se reconhecia como um escultor acima de tudo, foi com relutância que ele aceitou a convocatória do Papa.
A obra começou a ser realizada em 1508 e terminou em 1512, naquilo que foi uma impressionante empreitada, tendo em conta que o artista terá feito a totalidade da obra sozinho e deitado.

Análise das Pinturas do Teto

A divisão principal do teto está feita em nove painéis que representam cenas do livro do Gênesis. Esta escolha do tema teológico estabelece uma ligação entre os primórdios da história do homem e a vinda de Cristo, sendo que a figura de Cristo não se encontra presente na composição pictórica do teto.
Teto da Capela Sistina
Teto da Capela Sistina
As figuras, ainda que pictóricas, são influenciadas pela escultura e percebe-se a importância que o desenho tem na obra do artista. Da mesma forma, as imagens revelam o domínio do artista na representação e conhecimento da anatomia humana.
As figuras são predominantemente fortes, enérgicas, poderosas, mas também elegantes. Ao longo do espaço imagens gigantescas e musculadas contorcem-se quase de forma impossível, atribuindo movimento a toda a composição e também uma energia positiva.
Essa vivacidade da composição é certamente um reflexo do momento histórico que a Itália vivia e que em breve se espalharia por toda Europa. Não era apenas a renascença da arte clássica que se respirava, mas também uma redescoberta da filosofia grega e do humanismo romano.
Uma nova Europa estava nascendo, deixando para trás a Idade Média e entrando na Idade Moderna, onde o centro do 'mundo' passa a ser o Homem.
Os nove painéis contam a história da criação. O primeiro representa a luz sendo separada das trevas; o segundo retrata a criação do sol, da lua e dos planetas e o terceiro representa a terra sendo separada do mar.

A criação de Adão

O quarto painel é a criação de Adão, uma das imagens mais difundidas e reconhecidas mundialmente. Aqui Adão está languidamente recostado, como se com preguiça e quase que obrigando Deus a um último esforço para conseguir tocar nos dedos de Adão e assim lhe poder dar a centelha da vida.
Ao contrário da figura "preguiçosa" de Adão, Deus é dotado de movimento e energia e até os seus cabelos se movem com a brisa invisível. Debaixo do seu braço esquerdo, Deus leva a figura de Eva que intimamente segura no seu braço e pacientemente espera que Adão receba a centelha da vida para também ela poder recebê-la.
Criação de Adão
Criação de Adão
Veja a análise mais detalhada da obra A Criação de Adão.
No quinto painel (e central) vemos por fim a criação de Eva; no sexto temos a expulsão do paraíso de Adão e Eva; no sétimo está representado o sacrifício de Noé; no oitavo o dilúvio universal e no nono, que é o último, a embriaguez de Noé.
Ladeando os painéis temos ainda a representação alternada de Profetas (Zacarias, Joel, Isaías, Ezequiel, Daniel, Jeremias e Jonas) e Sibilas (Délfica, Eritrea, Cumana, Pérsica e Líbica). Esta é uma justaposição entre cristianismo e paganismo, naquilo que alguns historiadores consideram ter sido uma forma sutil encontrada pelo artista para criticar a Igreja.
Os painéis, e restante composição pictórica, estão emoldurados por elementos arquitetônicos pintados (incluindo figuras escultóricas) com extremo realismo e com os quais as figuras interagem. Alguns sentam-se, outros recostam-se, nesses elementos de arquitetura falsa.
Nos quatro cantos do teto temos ainda a representação das quatro grandes salvações de Israel, e espalhadas pelo centro da composição, vemos ainda vinte figuras masculinas nuas sentadas, conhecidas como os “Ignudi”, nome atribuído pelo próprio artista.
Estas figuras aparecem em pares de quatro rodeando cinco dos nove painéis do teto, nomeadamente no “embriaguez de Noé”, no “sacrifício de Noé”, na “criação de Eva”, na “separação da terra do mar” e na “separação da luz e da escuridão”. Porém, não se sabe exatamente o que representam nem qual a razão da sua inclusão.

O Juízo Final

Mais de vinte anos depois, Michelangelo regressou à Capela Sistina para executar O Juízo Final (1536-1541) um afresco pintado na parede do altar da Capela. Este trabalho foi encomendado a Michelangelo pelo Papa Clemente VII (1478- 1534), mas a obra só teria início após a morte desse Papa e já sob o pontificado de Paulo III (1468- 1549).
Contrastando com a vitalidade, o ritmo e a energia radiante dos afrescos do teto, a representação do Juízo Final é sombria e uma composição de corpos sem real estrutura. No total estão representados trezentos e noventa e um corpos, originalmente retratados a nu (incluindo a Virgem).
O Juízo Final
O Juízo Final
A composição é dominada pela figura central de um Cristo juiz implacável e temível. Como fundo temos um céu que se rasgou e na parte inferior vemos como os anjos tocam as trombetas anunciando o Juízo Final.
Ao lado de Cristo a Virgem olha para o lado, como que recusando-se a enxergar o caos, a miséria, o sofrimento e como todos os pecadores vão ser lançados no inferno.
Uma das figuras representadas é São Bartolomeu que em uma mão segura a faca do seu sacrifício e na outra a sua pele esfolada, e na qual Michelangelo decidiu conceber seu autorretrato. Assim, a cara deformada da pele esfolada é a do próprio artista, talvez uma metáfora para representar a sua alma torturada.
São Bartolomeu
São Bartolomeu - Detalhe do Juízo Final
As diferenças entre as pinturas do teto e da parede do altar estarão relacionadas com a diferente contextualização cultural e política na época em que a obra foi realizada.
A Europa vivia uma crise espiritual e política, começavam os anos da Reforma que dariam lugar à cisão dentro da Igreja, e parece que esta composição serve como aviso que os inimigos da Igreja estão condenados. Não há perdão, pois Cristo é implacável.
Como todas as figuras desta obra foram pintadas a nu, nos anos que se seguiram a controvérsia foi aumentando de tom, pois muitos foram os que acusaram a Igreja de hipocrisia e consideravam a pintura de pornografia.
Durante mais de vinte anos os difamadores da obra fizeram questão de espalhar a ideia de que a Igreja estava albergando em uma das suas principais instalações uma obra pornográfica, fazendo também campanha insistente para que as pinturas fossem destruídas.
Temendo o pior, a Igreja, na pessoa do Papa Clemente VII (1478- 1534) encomendou que alguns nus fossem repintados, em uma tentativa de preservar a obra original, impedindo assim a sua destruição. Esse trabalho foi realizado por Daniele da Volterra no ano da morte de Michelangelo.

Trabalhos de Restauração

As mais recentes intervenções (1980 e 1994) de restauração na Capela Sistina, focadas na limpeza dos afrescos, revelaram um lado de Michelangelo que estava sendo ignorado pelos historiadores, não intencionalmente.
Até então apenas a forma e o desenho eram louvados nessa obra, atribuindo-se o foco ao desenho em detrimento da cor. Porém, a limpeza de séculos de sujeira e fumo de velas revelou uma vibrante paleta de cores na obra original de Michelangelo. Dessa forma provando que o artista não só era um gênio do desenho e da escultura, mas também um excelente colorista ao nível do próprio Leonardo Da Vinci.
Restauração
Detalhe do Antes e Depois da Restauração

A Capela Sistina

A Capela Sistina (1473-1481) situa-se na residência oficial do Papa, no Palácio Apostólico no Vaticano, e a sua construção foi inspirada no Templo de Salomão. É lá que o Papa conduz missa pontualmente, e é também aí que o Conclave se reúne para eleger um novo Papa.
A Capela serviu de atelier para alguns dos maiores artistas da Renascença italiana, não só Michelangelo, mas também Rafael, Bernini e Botticelli.
Mas é inegável que hoje a simples menção do nome da Capela nos remete para os seus grandiosos afrescos do teto e altar executados por Michelangelo.
Capela Sistina

Michelangelo Buonarotti

Michelangelo (1475-1564) foi um dos maiores vultos da Renascença e é considerado um dos maiores gênios da arte de todos os tempos. Ainda em vida já assim era considerado, e a si próprio ele atribuía capacidades acima da média.
Alegadamente de trato difícil a sua genialidade foi, no entanto, reconhecida quando ele era ainda muito jovem. Frequentou a oficina de Domenico Ghirlandaio e aos quinze anos Lourenço II de Médici o tomou sob a sua proteção.
Humanista e fascinado pela herança clássica (que à data experimentava o seu mais importante revivalismo artístico), a obra de Michelangelo centra-se na imagem humana como essencial veículo de expressão. Nessa preferência é também evidente a forte influência no artista da escultura clássica.

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