Gestantes de Auschwitz: A cruel saga das mães e dos bebês nos campos da morte
Gestantes de Auschwitz: A cruel saga das mães e dos bebês nos campos da morte
Consideradas
como ameaça ao extermínio, nazistas realizaram o "controle da
natalidade de judeus". Inúmeras grávidas foram torturadas até a morte
André Nogueira Publicado em 11/01/2020, às 09h00
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As gestantes no campo de concentração - Dominio Público
Em Auschwitz,
havia um local em que foram erguidos barracões usados como latrina.
Também servia de ponto de encontro para o prisioneiros. No local,
realizavam encontros e faziam sexo rodeados de excrementos, ao cheiro de
carne queimada exalando dos crematórios.
“Era ali que
prisioneiras e prisioneiros se encontravam para ter relações sexuais
furtivas e sem alegria, nas quais o corpo era utilizado como uma
mercadoria com a qual pagar os produtos de que tanto se necessitava e
que os homens eram capazes de roubar dos armazéns”, relata Gisella Perl.
Perl
era uma ginecologista romena que publicou suas memórias do campo de
concentração em 1948, quando divulgou ao mundo seu papel de controladora
da natalidade entre os prisioneiros. Ela conta que, mesmo com o esforço
em inibir o desejo sexual entre os judeus,
ocasionados pelos nazistas perante o acréscimo de nitrato de potássio
na comida, a libido e vontade pelo sexo ainda “era um dos instintos mais
fortes”.
Perl já idosa / Crédito: Dominio Público
O
problema é que muitas mulheres engravidaram. E isso era absolutamente
perigoso - os carrascos nazistas enxergavam nisso uma ameaça ao
extermínio. “Não me parece justificável exterminar os homens [...] e
deixar que seus filhos cresçam e se vinguem de nossos filhos e netos”,
colocou Himmler. Nesse cenário, Perl começou um trabalho de interrupção das gestações, para salvar a vida daquelas mães.
A trágica incumbência
A
jornada de Perl foi resgatada por um artigo de Georg M. Weisz e Konrad
Kwiet publicado na revista Rambam Maimonides Medical Journal, de Israel.
Segundo o trabalho, Perl nasceu em 1907, na Transilvânia e trabalhava
como ginecologista até a invasão da Romênia por Hitler. Em cinco dias,
foi encaminhada para Auschwitz e nunca mais reviu seus familiares.
Na Polônia, ela foi convocada por Mengele
para que reanimasse judias que ficaram inconscientes após sessões de
retirada de sangue. Contraditoriamente, a Wehrmacht estava encaminhando
esse sangue para o front. “A rassenschande, a contaminação com o sangue
judeu inferior, foi esquecida”, lembrou Perl.
A partir de 1943,
por diligência de Himmler, o esforço no controle da natalidade de judeus
foi acirrado e, com isso, mulheres grávidas, mesmo aptas a trabalhar,
eram levadas às câmaras de gás ou aos incineradores. “seus bebês
recém-nascidos eram assassinados com injeção letal ou afogados”,
explicam Weisz e Kwiet.
Em
Auschwitz, as grávidas foram enganadas. Quando eram enfileiradas, as
judias recebiam a informação de que as gestantes seriam encaminhadas
para um local onde receberiam ração dobrada, pela condição, e que,
portanto, deveriam dar um passo a frente para a seleção. A farsa só foi
descoberta quando Perl, em 1944, cumpria uma tarefa a ela estabelecida
perto dos crematórios e presenciou o que realmente acontecia.
Mulheres enfileiradas em Auschwitz / Crédito: Dominio Público
Elas
“eram espancadas com porretes e chicotes, destroçadas por cães,
arrastadas pelos cabelos e golpeadas na barriga com as pesadas botas
alemãs. Então, quando caíam, eram jogadas no crematório. Vivas”. Então, a
médica iniciou seu plano para salvar aquelas mulheres.
A tarefa
era ingrata: na tentativa de abortar ou gerar partos antecipados, sem
condições técnicas se não suas próprias mãos, Perl teve que matar muitas
crianças, o que foi muito sentido por ela. Perl relata uma situação em
que enforcou um bebê de três dias até a morte, para que sua mãe fosse
salva.
Ao fim, centenas de mulheres tiveram suas gestações
interrompidas por Perl, de forma consentida. Como Perl recebeu a missão
de informar Mengele sobre as mulheres grávidas no campo, o controle
nazista já estava fragilizado. “O maior crime que se podia cometer em
Auschwitz era estar grávida”, contou a ginecologista ao The New York
Times em 1982. “Decidi que nunca mais haveria uma mulher grávida em
Auschwitz”.
Libertação
Em 1945, o Exército Vermelho marchou sobre a Polônia
e obrigou os nazistas a evacuarem os campos, rumo a Oeste. Muitos
judeus foram obrigados a seguir numa marcha da morte em meio ao inverno
europeu oriental, que matou mais de 15 mil. Entretanto, Perl foi
encaminhada ao campo de Hamburgo e, depois, a Bergen-Belsen, onde ajudou
mais mulheres a terem partos de sucesso.
Judias com seus filhos, após a libertação de Dachau / Crédito: Dominio Público
Quando
presenciou a libertação de um campo, o perigo de sentenciamento das
crianças e das grávidas pelos alemães fora abolido, e Perl foi
responsável pelo nascimento saudável do primeiro menino judeu nascido
livre no campo onde morreu Anne Frank.
Em 1947, ao descobrir que a
maioria de sua família fora executada, Perl tentou se matar. Sem obter
sucesso, emigrou para os EUA para recomeçar a vida, mas lá foi acusada
de crime de guerra por ter, teoricamente, colaborado com o Anjo da
Morte. “Qualquer um que tenha trabalhado no hospital para os presos
poderia ser acusado disso”, opina Weisz, que enxerga a acusação como
bobagem.
Nos anos que seguiram, Perl colaborou, com depoimentos,
para a condenação de diversos nazistas. Com o tempo, sua reputação foi
se restaurando e o seu papel em Auschwitz na salvaguarda de mulheres
judias foi reconhecido. Então, se especializou em infertilidade e
começou a trabalhar no Hospital Monte Sinai de Nova York. Morreu em
1981, em Israel.
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