Do tipo objetivo no crime de Ameaça
O verbo do tipo do artigo 147, CP é “ameaçar”. No caso, ameaçar alguém de um mal injusto e grave. Como diz claramente a lei, o mal prometido há que ser “injusto”, ou seja, não configurará o crime a ameaça de um mal “justo”. Por exemplo, não configura crime de ameaça o fato de alguém dizer que irá pleitear seus direitos na justiça ou registrar ocorrência policial contra outrem. Além disso, o mal deverá ser “grave”. Esse elemento do crime deve ser analisado de acordo com o caso concreto, aferindo se o mal prometido atinge um interesse de considerável importância para a vítima.
A ameaça é crime de forma livre, podendo ser perpetrada de diversas maneiras: oralmente, por escrito, por telefone, por gestos etc.
A doutrina costuma classificar a ameaça em algumas espécies:
a) Ameaça direta – aquela que incide sobre a pessoa ou patrimônio da vítima;
b) Ameaça indireta – aquela que incide sobre pessoas próximas à vítima devido a laços familiares, amorosos, de amizade etc.
c) Ameaça explícita – feita diretamente, de maneira clara, sem sutilezas. Por exemplo, dizer a alguém que vai agredi-lo ou matá-lo.
d) Ameaça implícita – aquela feita sutilmente, indiretamente, de forma velada. Por exemplo, dizer a alguém que ela ficaria muito feia com os dois olhos inchados ou dizer a outra pessoa que naquela região costuma-se resolver as questões na faca.
e) Ameaça condicional – quando a ameaça do mal está condicionada a alguma ação ou omissão da vítima. Por exemplo: se você repetir o que disse lhe dou um tiro.
Deve-se lembrar que para a configuração do crime o mal ameaçado deve ser daqueles que se encontram na esfera de ação do autor. Se a ocorrência ou não do evento não está vinculada à atuação do agente, desconfigura-se o ilícito. Exemplo disso são as pragas e maldições. Se alguém diz para outrem que “vá para o inferno” ou que quer que a vítima morra, não ocorre o crime de ameaça, embora possa eventualmente caracterizar-se a injúria (artigo 140, CP).
Questão controversa na doutrina é aquela que versa sobre a necessidade de que o mal prenunciado na ameaça seja futuro. Alguns autores entendem que o crime somente se configura quando o mal ameaçado é futuro. Se o mal for presente ou iminente (“ameaça em ato”), descaracterizado estaria o crime de ameaça. Neste sentido: Celso Delmanto[1], Rogério Greco [2] e Guilherme de Souza Nucci [3]. No entanto, há quem entenda que o mal pode ser futuro ou mesmo presente ou iminente, já que o tipo penal não faz nenhuma distinção ou restrição. Neste sentido: Ney Moura Teles [4], Damásio E. De Jesus [5], Flávio Augusto Monteiro de Barros [6], Luiz Regis Prado, [7] Manzini, Piromallo, Nelson Hungria [8], Agnes Cretella, [9] dentre outros.
Parece-nos mais correto o segundo entendimento, o qual inclusive predomina. Apenas deve-se ter em conta o devido cuidado com a acepção que se pretenda imprimir à palavra “presente”. Note-se que acaso um mal, por exemplo, de agressão física, seja ameaçado contra alguém em meio a uma discussão, sendo que neste mesmo momento a dita agressão se concretize, ocasionando lesões na vítima, ficará afastado o crime de ameaça, o qual será absorvido pelas lesões corporais. É claro que qualquer ameaça é sempre de um mal “futuro”, senão não seria uma ameaça e sim um ato concreto. Quando se fala em caracterização do crime de ameaça, referindo-se a ameaças presentes pretende-se referir-se a situações em que o autor do crime promete agir naquele momento ou muito próximo no tempo. Nestes casos não há por que afastar o crime de ameaça. Inclusive se o mal for muito remoto, aí sim é que estará descaracterizado o ilícito sob comento.[10]
Cezar Roberto Bitencourt é bastante claro sobre o tema de acordo com nossa linha de pensamento:
“Só a ameaça de mal futuro, mas de realização próxima, caracterizará o crime, e não a que se exaure no próprio ato; ou seja, se o mal concretizar-se no mesmo instante da ameaça, altera-se a sua natureza, e o crime será outro e não este. Por outro lado, não o caracteriza a ameaça de mal para futuro remoto ou inverossímil, isto é, inconcretizável”.[11]
No mesmo diapasão leciona Mirabete:
“Entende-se que somente haverá o crime se a ameaça for da prática de mal iminente e não do prenunciado para futuro remoto. Por outro lado, discute-se se o prenúncio de mal a ser executado no curso de entrevero ou de contenda caracteriza o crime de ameaça (...) ou se deve ser de um mal ‘futuro’ (podendo ser próximo ou iminente) e que não se confunde com a simples etapa de um mesmo complexo material ou verbalmente agressivo (...). Mais correta se nos afigura a conclusão de que haverá ameaça com a promessa de mal iminente, mas que será ela absorvida pela concretização do mal ou pela tentativa de causá-lo”.[12]
Vale ainda lembrar que predomina na doutrina o entendimento de que a ameaça, para configurar o tipo penal, precisa ser marcada pela seriedade e idoneidade, razão pela qual são encontráveis diversas decisões jurisprudenciais apontando a não configuração de crime quando a ameaça é produto de ato impensado, “em momento de cólera, revolta ou ira”; estando o autor ébrio; ou quando a vítima não lhe confere maior relevância. [13]
Por derradeiro deixe-se consignado que o crime de ameaça é subsidiário, de modo que quando compõe o “iter criminis” de outros ilícitos, é por estes absorvido. Por exemplo, nos casos de estupro, roubo, extorsão, tortura etc.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Crimes contra a pessoa. São Paulo: Saraiva, 1997.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 2. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
CRETELLA, Agnes. A ameaça. Revista dos Tribunais. São Paulo: vol. 470, p. 299 – 304, dez., 1974.
DELMANTO, Celso, “et al.” Código Penal Comentado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume II. 2ª ed. Niterói: Impetus, 2006.
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 2º Volume. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Volume II. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 3ª ed. São Paulo: RT, 2003.
PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 2ª ed. São Paulo: RT, 2003.
TELES, Ney Moura. Direito Penal. Volume II. São Paulo: Atlas, 2004.
[1] DELMANTO, Celso, “et al.”Código Penall Comentado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 316.
[2] Curso de Direito Penal. Volume II. Niterói: Impetus, 2006, p. 570. Greco faz uma abordagem interessante do assunto fundamentando com esmero seu entendimento, merecendo a consulta mais detida do leitor.
Código Penal Comentado. 3ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 466. [4] Direito Penal. Volume II. São Paulo: Atlas, 2004, p. 293.
[5] Direito Penal. 2º Volume. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 254.
[6] Crimes contra a pessoa. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 237.
[7] Comentários ao Código Penal. 2ª ed. São Paulo: RT, p. 608.
[8] Apud, JESUS, Damásio Evangelista de. Op. Cit., p. 254.
[9] A ameaça. Revista dos Tribunais. São Paulo: vol. 470, dez., 1974, p. 301.
[10] Neste ponto a doutrina é pacífica.
[11] Tratado de Direito Penal. Volume 2. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 449.
[12] MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Volume II. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 162.
[13] Sobre o tema, ver por todos: DELMANTO, Celso, “et al.” Op. Cit., p. 316.
Delegado de Polícia aposentado, Consultor Jurídico e Professor Universitário
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