sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Irã dispara mísseis contra bases do Iraque que abrigam militares dos EUA

Irã dispara mísseis contra bases do Iraque que abrigam militares dos EUA

Teerã promete atingir "dentro da América", se Trump revidar. Para professor Reginaldo Nasser, da PUC-SP, "terrorismo de Estado" dos EUA, que iniciou crise, é jogada de risco. Ataque deixa 80 mortos, diz imprensa local
00:10
Compartilhar:   
   
Reprodução
Imagem da TV Sima News, do Irã, mostra foguete lançado contra alvos no Iraque
São Paulo – A Guarda Revolucionária do Irã reivindicou ataques com dezenas de mísseis que atingiram duas bases iraquianas (Assad e Erbil) usadas por militares norte-americanos. Analistas internacionais não alinhados aos Estados Unidos enfatizam que não existem bases americanas no Iraque, mas bases iraquianas que abrigam militares norte-americanos. Sendo assim, o Irã acaba de atacar instalações militares do Iraque com o objetivo de atingir americanos.
Ainda não números oficiais sobre mortos e feridos. A imprensa internacional tem informações desencontradas, que vão de nenhuma vítima militar americana a várias. A agência iraniana Iribnewsa fala que cerca 80 pessoas morreram em decorrência dos ataques.
Os ataques foram desfechados no início da madrugada desta quarta-feira (8), no horário iraniano, inicio da noite de terça (7) em Brasília. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, estaria reunido com assessores militares, para decidir sobre uma eventual resposta.
Em seu canal pelo Telegram, a Guarda Revolucionária prometeu que, se o governo americano voltar a responder militarmente, atacará os Estados Unidos dentro de seu território. Segundo a mensagem, “o Pentágono reporta que os EUA responderão aos ataques do Irã”. E acrescenta: “desta vez a resposta será na América”.  O Irã alerta ainda que aliados norte-americanos também podem ser alvos.
Para Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o ataque ordenado por Trump no primeiro dia útil do ano (manhã dia 3 na data local, noite do dia 2 no horário de Brasília), e o assassinato do general Qassem Soleimani no Iraque, “foi uma jogada de muito risco, interna e externamente”.
Para ele, não há dúvida de que o ataque do Trump foi terrorismo de Estado. “Mas eles acham que não. Mais do que isso, o Irã e os Estados Unidos estavam agindo de comum acordo no Iraque, há muito tempo, para manter o governo. Como foi a morte do general Qassem Soleimani? Ele não estava se escondendo de ninguém, num tanque de guerra. Estava num comboio de carros, indo ao aeroporto de Bagdá, zona dele, onde os Estados Unidos mantêm segurança”, diz, em entrevista à RBA.
Nasser classifica a reação do governo Jair Bolsonaro ao ataque como “impressionante”. “O único país no mundo (que apoiou Trump abertamente). E qualificou o general de um país que tem embaixada aqui como terrorista. Isso é um acinte. O Irã tem outras coisas para fazer no mundo”, ironiza.
Em nota na segunda-feira (6), o Itamaraty afirmou que o Brasil apoia a “luta contra o flagelo do terrorismo”, alinhando-se a Trump. Já Bolsonaro declarou: “Nós não aceitamos o terrorismo. Não interessa o lugar do mundo em que ele venha a acontecer”. No mesmo dia, o Irã convocou a diplomacia brasileira, de sua embaixada em Teerã, para explicar a posição.
Como avalia os ataques com foguetes recém-desfechados contra forças militares norte-americanas em bases no Iraque, no início da noite?
Pode estar havendo pressão dos setores mais radicais no Irã de que é preciso responder. Se houver vítimas americanas, a situação pode sair do controle. Mas até agora (pouco antes da meia-noite, horário de Brasília) foi confirmada apenas morte de iraquianos.
O que acha dos protestos nos Estados Unidos contra o ataque de Trump ao Irã, no fim de semana?
A reação do público americano é sempre uma incógnita. O ataque de Trump é uma jogada de risco e tentativa de polarização. Quem se contrapõe em relação a isso no Partido Democrata é o Bernie Sanders e não o Joe Biden (vice-presidente de Barack Obama), que deu apoio a várias ações militares dos Estados Unidos. Não é uma ação tresloucada do Trump, que não é um idiota, e não são um bando de idiotas os que o assessoram. Mas é uma jogada de risco e ele a escolheu.
Pode ser um tiro no pé de Trump, eleitoralmente?
Mas o (George W.) Bush entrou em guerra (Guerra do Iraque, 2003) e foi reeleito, e em guerra pra valer. Os Estados Unidos já fizeram muitas coisas piores. Há comoção porque o Irã é um país importante e porque se assassinou o general, mas morreram mais de 500 mil pessoas no Iraque. O Bush ocupou dois países em um ano. O Afeganistão e o Iraque, com 400 ou 500 mil homens. E foi reeleito.
A variável do ataque não é a principal para se ganhar ou não a eleição. Vamos voltar à máxima do Bill Clinton em relação ao Bush, o pai, que foi bem avaliado na ação da Guerra do Golfo (1990-1991), mas perdeu a eleição. Clinton disse a famosa frase: “A economia, estúpido”. Mas em relação à economia, vai ser difícil tirar o Trump. O que podemos ter certeza é que foi uma jogada de muito risco, interna e externamente.
Quem queria essa ação contra o Irã? Israel, Arábia Saudita, Egito. Ele também contou pontos com esses governos. Perdeu apoio em alguns lugares e ganhou em outros. Mas o que vai acontecer no Iraque? Nem ele sabe. Se a situação já estava ruim, piorou.
Segundo algumas análises, a China poderia sair ganhando no tabuleiro, como negociadora, ocupando um espaço que os EUA estão desprezando ao usar a opção militar. Concorda?
No caso do Oriente Médio, mais do que a China é a Rússia, que já está na Síria e nesse processo tem um bom relacionamento com o Irã.  Esta semana tem um encontro importante do Putin (presidente russo) com (Recep Tayyip) Erdogan (presidente da Turquia). A Rússia cada vez mais entra Oriente Médio.
O líder supremo, aiatolá Khamenei, defendeu uma retaliação aberta, sem se esconder por trás de grupos…
O Irã não tem condições de enfrentar Israel, vão enfrentar os Estados Unidos? O que o Trump falou não é mentira: os Estados Unidos podem atingir os 52 alvos a hora em que quiserem. O Irã sabe disso. Os europeus estão calados. Isso é uma vantagem para o Irã. São aliados dos Estados Unidos, mas ninguém saiu apoiando. Está todo mundo quieto, com exceção do grandioso Brasil.
E o Brasil?
O único no mundo (que apoiou Trump abertamente). Apoiou e disse que (o Irã) é terrorista. Impressionante. Não disse a frase feita de que “o Brasil tem direito de se defender” (Israel usou esse tipo de retórica). Qualificou o general de um país que tem embaixada aqui como terrorista. Isso é um acinte. O Irã tem outras coisas para fazer no mundo. Mas o Brasil não conta, nesse cenário do Oriente Médio. Tem relação com o Irã, e o Brasil tem US$ 2 bilhões de superávit na balança comercial com o Irã. Mas se no mercado internacional o Irã achar outro, compra de outro e larga o Brasil.
A destruição da Síria pela gestão de Obama, um democrata, não foi uma das piores ofensas à autodeterminação dos povos?
Veja, eles sempre fizeram essas coisas. É que os republicanos às vezes vão um pouco além. Mas eles estão se lixando para o mundo. O que vai acontecer com eles? Ataques a alguma embaixada, a algum cidadão americano… O que mais?
Existe diferença entre republicanos e democratas quanto à postura militar?
Em dezembro agora houve votação do orçamento militar. Só 41 democratas votaram contra (atualmente, a Câmara nos EUA tem 223 democratas e 197 republicanos). O orçamento militar é de US$ 738 bilhões! Vamos pensar no número de lobistas e pessoas que pouco ligam se são democratas ou republicanos. Esse dinheiro vai ser injetado na economia norte-americana. Tem uma ala dos democratas que se opõe, critica. Quem se opõe é Bernie Sanders, mas vi a Hillary Clinton dizendo que não hesitará, se houver guerra, em estar ao lado do seu país. É muito dinheiro. As ações de empresas de material militar no dia seguinte já subiram na Bolsa de Nova York. Eisenhower denunciou isso, que existe um complexo industrial-militar que manda nos Estados Unidos. De 2001 até agora eles gastaram por volta de US$ 6 trilhões.
O ataque do Trump foi terrorismo de Estado?
Não tenha dúvida. Mas eles acham que não. Mais do que isso, o Irã e os Estados Unidos estavam agindo de comum acordo no Iraque, há muito tempo, para manter o governo. Como foi a morte do general Qassem Soleimani? Ele não estava se escondendo de ninguém, num tanque de guerra. Estava num comboio de carros, não era carro militar, indo ao aeroporto de Bagdá, zona dele, onde os Estados Unidos mantêm segurança. Ele sabia que existe drone, mas não sabia que seria alvo. Vi comparações de Soleimani com Bin Laden. Não tem nada a ver. O Irã é um país que tem reconhecimento internacional, está na ONU.
Se ele estava se movimentando, havia acordo entre eles e Trump. Em dezembro teve uma troca de prisioneiros entre Estados Unidos e Irã. Soleimani era general de um país reconhecido que tinha acordo com os Estados Unidos. Você está negociando com alguém, conversa, e vai lá e mata o cara? Até 1° de janeiro era um país que tinha tensão, mas estava dialogando. No dia 2 é terrorista? Não tem nenhum sentido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário