quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

"Uniões estáveis" ou "uniões instáveis"?(Última abordagem)

"Uniões estáveis" ou "uniões instáveis"?(Última abordagem)

Sumário: 1. – Uma legislação anencefálica. 2. – Razões de veto, à Lei 9.278, de 10-5-1996. 3. – Estatização do afeto. 4. – Adultério na união estável. 5. – Inconstitucionalidade. 6. – Casamento e concubinato – Distinção. 7. – Direito real de habitação. 8. – Fiança na união estável. 9. – Danos morais nas relações de família. 10. – Família em perigo. 11. – União estável putativa. 12. – Pessoas do mesmo sexo. 13. – Alimentos ao convivente. 14. – Efeitos jurídicos do “namoro”. 15. – Conclusão.

1. Uma legislação anencefálica
Tenho sido acérrimo crítico de um instrumento jurídico inapalatável imposto à sociedade brasileira. O instituto da união estável é um corpo sem alma, que deambula no espaço como entidade fantasmagórica; e, talvez, nisso residam as dificuldades que têm o julgador de dirimir graves relações controvertidas à luz de um diploma legal tão assombrosamente ruim. É fato gerador de intermináveis dissensões jurisprudenciais.
O que anima a lei da união estável são apenas os inacreditáveis propósitos da mercantilização das relações afetivas. Sob a sua inspiração quedam-se as relações fáticas destruídas, cujos personagens são lançados em longas porfias judiciais na busca do vil metal. Vivemos sob a égide da cifra dourada no direito de família. O afeto, estatizado e, com isso, a família fragilizou-se, tornou-se volátil! Intermináveis tentativas de golpes do baú desafiam a argúcia do julgador.
E por que isso aconteceu?
No momento em que foi encaminhada à sanção presidencial a Lei 9.278, de 10-5-1996, com o propósito de regulamentação do § 3º do artigo 226 da Constituição Federal, um bom diploma, diga-se de passagem, sob o ponto de vista orgânico, sistemático e teleológico, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso, vetou surpreendentemente os artigos 3º, 4º e 6º, e parágrafos, cujos efeitos foram devastadores, não se atinando, sempre com a mais respeitosa vênia, para os motivos que os ensejaram.
Em um dos consideranda, que é de capital importância, impressiona a assertiva presidencial segundo a qual “não se justifica a introdução da união estável contratual”.
Se assim é como cumprir o mandamento maior da conversibilidade da união estável em casamento se este, estimulado pela caneta presidencial, não é instrumentalizado. Alguém conhece algum caso de conversibilidade? Talvez um ou outro, quando elevado o nível social e econômico dos conviventes. E as relações fáticas, quantas existem?
Certamente milhares que congestionam o Fórum sem uma solução socialmente justa, a partir de uma legislação nada condizente com a grave realidade em que vivemos. Temos, pois, que há necessidade de papel passado para a formalização do compromisso, não somente nas relações de família, mas via de regra, em todas as relações jurídicas contratuais, em obediência ao princípio da autonomia da vontade.
Afinal são graves as repercussões de natureza patrimonial decorrentes das relações jurídico-afetivas e que precisam pré-constituir-se de alguma forma. Tenha-se sempre presente que esse simples ato jurídico é por demais importante porque dispensa as bênçãos da Igreja e do próprio Estado, regra imperante de forma tradicional que sempre vigorou entre nós: o casamento civil e o religioso.
A lei originária, quando impôs a contratualização da união estável, vetado, tinha em mira garantir um mínimo de sacralização, homenageando a vontade das partes, oferecendo-lhes segurança jurídica. Com o veto, houve a liberação geral dos costumes, transformando o direito de família naquilo que é mais essencial, em algo coisificado, repercutindo negativamente nos Tribunais.
Em tema de família, não há decisão uniforme em quase nada. Não existe expectativa de que um provimento judicial possa orientar-se em determinado sentido. Quando existem regras jurídicas impessoais que possam auxiliar o julgador, a sua tarefa é facilitada. Inocorrendo, desenha-se a tendência de se julgar em função da experiência pessoal bem ou mal sucedida por aquele a quem se comete a árdua tarefa de distribuir Justiça.
Além do mais a juvenilização nas Varas de Família compromete, por demais, a solução adequada no desate das relações controvertidas. A lei deveria impor um limite de idade àqueles operadores para que o elemento vital, a experiência, tão decantada no art. 335 do CPC, possa constituir-se em grande valia, confortando os destinatários da solução judicial.
Assevera o Prof. Arnold Wald[2], relator da Comissão nomeada pelo Sr. Ministro da Justiça, para apresentar o projeto regulamentando a união estável, a propósito da desnecessidade de contrato escrito, verbis:
“Entendeu-se que, no particular, a Lei 9.278 tinha ido longe demais ao permitir que o ato do juiz fosse substituído pelo simples requerimento ao oficial do Registro Civil, que poderia até não ter sido despachado. A solução dada pela mencionada lei, pareceu-nos pôr um risco à certeza que deve caracterizar o estado civil, justificando-se que a conversão dependa de ato do Juiz, embora simplificado o processo de habilitação” (in Nova Realidade do Direito de Família, vol. I, p.22). (destaque nosso).
Data venia, não pensamos assim. O “simples requerimento” expressa a todas as luzes a intenção de se estabelecer normas reguladoras à convivência entre os companheiros. Não se pretendia desprestigiar a figura do Juiz, mas poupá-lo, de uma inútil burocracia. Preferível a voluntária manifestação de partes pré-constituindo um título que previna situações futuras, do que a situação presente: saber o juiz se está diante de uma pretensão sincera ou insincera. O ajuste formal sempre foi bom conselheiro. Deixar que o casal procure seus direitos após o rompimento só irá dificultar “o dar a cada um o que é seu”. O atuar jurisdicional seria facilitado se houvesse adrede intenção na regulamentação das normas da convivência, expostas de maneira simplificada.
A conversão pressupõe a prova da união estável, pré-constituída, com disposição sobre obrigações e bens. Um contrato teria caráter definidor, com isso prevenindo-se futuros litígios. Diga-se, a mais não poder, ser necessária a regularização de todas as situações. Ora, desfeitas as relações, nada mais fácil promover-se o singelo averbamento em Cartório de Registro Civil.
Louve-se a boa intenção do respeitadíssimo Prof. Wald, quando afirma:
“Não há como confundir a união estável com outras situações, como o simples namoro (juridicamente irrelevante) e a sociedade de fato (que tem efeitos comerciais e análogos), nem se deve identificá-la como casamento...”
Apesar da justificada preocupação, o quadro reinante é diametralmente oposto. Confunde-se união estável com o namoro; proclama-se que a Constituição prevê tal figura, e não a “entidade familiar” a gerar efeitos; concubinato e união estável são a mesma coisa, e o que é mais grave: união estável é tida e havida como casamento.
Esperava-se que o novo Código Civil, cumprindo a Constituição, pusesse uma pá de cal na questão da conversão da união estável em casamento, fazendo cessar a omissão. Nada aconteceu. Restou omisso. O legislador medrou, não no sentido positivo de fazer vicejar, mas no negativo de acovardamento. Não enfrentou a questão. Ficou, certamente com receio de modificar a situação vigente há anos, na sociedade brasileira: milhares de direitos consolidados e em formação, à luz do golpe, do embuste, do estelionato afetivo, e tudo à sombra permissiva da lei.
Pelo menos não se proibiu a formalização do contrato da união estável. Quem quiser que o faça. É facultativo. Se não o fizer, a Justiça há de investigar se se está diante de uma situação que mereça proteção jurídica. Examinará, por exemplo, provas testemunhais, quase sempre, suspeitas pelo envolvimento pessoal com as partes, fotos do casal nas colunas sociais ou em outras circunstâncias, sinais exteriores de riqueza, se o companheiro é casado (desculpe, esse dado é irrelevante). O concubinato adulterino, que ainda segue contemplado no Código Penal, vem merecendo galas especiais. Tanto faz união estável com ele ou sem ele. E se houver filho comum? É condicionamento ou não à caracterização da união estável? Carradas de decisões num e noutro sentido! Vivemos sob o signo da turbulência e da confusão.
Vale a sábia advertência de Otto Eduardo Vizeu Gil, (citado pelo ex-presidente nas razões de veto):
“Não é qualquer tipo de concubinato ou acasalamento, por mais duradouro que seja a convivência, que pode ser reconhecido como união estável a merecer a proteção do Estado, como figura equiparada a uma unidade familiar. Uma convivência concubinária de cinco ou mais anos não é de ser considerada, para os efeitos da lei, como união estável: A lei não quis privilegiar o concubinato em relação ao cônjuge, mas atrai-lo para o campo do casamento” (in A União Estável e a Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994, estampado na Revista de Informação Legislativa, Ano 32, nº 127, jul/set de 1995).
O artigo é excelente, e merece atenta leitura. Pena fosse tão pouco divulgado. O autor é Professor da Faculdade de Direito Cândido Mendes e Advogado no Rio de Janeiro.
Não se atina como a justificativa do veto assentou-se nas lições do eminente jurista carioca, entre outras indicações.
Soa vazia a promessa contida em um dos consideranda das razões do veto:
“Deverá o Poder Executivo oferecer, dentro de noventa dias, a sua contribuição ao aprimoramento da lei ora sancionada”.
Estamos aguardando... e oito anos são passados. As graves conseqüências da omissão estão aí.
A essa altura, a melhor contribuição que se poderá prestar, de acordo com a promessa feita na justificativa dos vetos é a revogação de toda essa legislação confusa e explosiva. Agora, mais do que nunca, valendo-se da experiência sedimentada da lei que vigora há quase um decênio, sem que houvesse a tão almejada pacificação social.
Pretendia-se àquela época regulamentar o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. E porque o bom projeto não vingou? Porque foi mutilado em sua organicidade e sistematização. Tornou-se anencéfalo.A lei padecia e padece de um defeito de formação, porque o projeto de lei que se converteu na Lei 9.278, com o decote de seus elementos essenciais, restou sem a calota de sustentação cerebral. O formato da cabeça da lei de união estável mais parece o de um batráquio, só que um feto anencefálico sobrevive por algumas horas, e o seu símile legislativo de que estamos tratando resiste há oito anos. O primeiro terá nos próximos dias uma solução judicial da mais Alta Corte do país e, o segundo, quando será? Caça às bruxas a esta altura não nos parece de bom alvitre. A lei é ruim, urge a declaração de sua inconstitucionalidade. É preciso, porém, vontade legislativa para que isso aconteça!
Os artigos 3º, 4º e 6º da Lei 9.278, foram vetados. O que eles diziam?

“...
Art. 3º – Os conviventes poderão, por meio de contrato escrito, regular seus direitos e deveres, observados os preceitos desta Lei, as normas de ordem pública atinentes ao casamento, os bons costumes e os princípios gerais de direito.
Art. 4º – Para ter eficácia contra terceiros, o contrato referido no artigo anterior deverá ser registrado no Cartório de Registro Civil de residência de qualquer dos contratantes, efetuando-se, se for o caso, comunicação ao Cartório de Registro de Imóveis, para averbação.
...
Art. 6º – A união estável dissolver-se-á por vontade das partes, morte de um dos conviventes, rescisão ou denúncia do contrato por um dos conviventes.
§ 1º – Pela vontade das partes, os conviventes põem termo à união estável amigavelmente e por escrito, valendo entre os mesmos o que for estipulado no acordo, desde que não contrarie o estatuído nesta Lei.
§ 2º – Havendo contrato escrito e averbado em cartório, qualquer dos conviventes deverá requerer a averbação do acordo de dissolução da união estável.
§ 3º – Ocorre a rescisão quando houver ruptura da união estável por quebra dos deveres constantes desta Lei e do contrato escrito, se existente.
§ 4º – A separação de fato dos conviventes implica denúncia do contrato, escrito ou verbal”.

Quando a Constituição Federal autoriza a conversão da união estável em casamento, estimulando-o, portanto, pressupõe um contrato escrito tal como dispunha o projeto referido, inspirando-se, talvez, no que acontecia e acontece ordinariamente com a conversão da separação consensual ou judicial em divórcio, por expressa manifestação da vontade das partes ou por decreto do Juiz. Converte-se, portanto, algo que está colado no papel, regulando direitos e deveres (como dizia o anterior diploma) para produzir efeitos jurídicos de acordo com a vontade das partes. Estas, não pretendendo continuar na convivência, implementavam a rescisão segundo a estipulação contratual, desde que as cláusulas não contrariassem os princípios legais pertinentes. Nada mais simples e eficaz.
Repita-se a mais não poder: a lei não quis privilegiar o concubinato, mas atrai-lo para o campo do casamento.

2. Razões de veto
Eis o seu teor, no momento da sanção:
“A matéria já foi objeto de tratamento parcial na Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que tem merecido críticas generalizadas, tendo sido até suscitada a [3] argüição de sua inconstitucionalidade (Arnoldo Wald, Direito de Família, 10ª edição, apêndice, Carlos Alberto Menezes Direito, Revista de Direito Renovar, nº 1, p. 27 e seg., Otto Eduardo Vizeu Gil in Revista de Informação Legislativa, nº 127, p. 77).
O Projeto de lei nº 1.888/91, que se inspirou em estudo do Professor Álvaro Vilaça, pretendia regulamentar a matéria in totum[4], o que implicaria na revogação da Lei 8.971. Houve, todavia, um substitutivo que reduziu o âmbito da nova legislação, ensejando o projeto de lei que agora é submetido à sanção.
Em primeiro lugar, o texto é vago em vários dos seus artigos e não corrige as eventuais falhas da Lei 8.971[5]. Por outro lado, a amplitude que se dá ao contrato de criação da união estável importa em admitir um verdadeiro casamento de segundo grau, quando não era esta a intenção do legislador, que pretendia garantir determinados efeitos a posteriori a determinadas situações nas quais tinha havido formação de uma entidade familiar, Acresce que o regime contratual e as presunções constantes no projeto não mantiveram algumas das condicionantes que constavam no projeto inicial.
Assim sendo, não se justifica a introdução da união estável contratual nos termos do art. 3º, justificando-se, pois, o veto em relação ao mesmo e, em decorrência, também no tocante aos artigos 4º e 6º.
Todavia, tendo em vista o atendimento pleno do disposto no art. 226, § 3º, da Constituição deverá o Poder Executivo oferecer, dentro de noventa dias, a sua contribuição ao aprimoramento da lei ora sancionada.
Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar em parte o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.
Brasília, 10 de maio de 1996. Fernando Henrique Cardoso.”
Os vetos foram mantidos.
A intenção manifesta foi evitar o contrato, repita-se: “não se justifica a introdução da união estável contratual, nos termos do art. 3º, justificando-se, pois, o veto em relação ao mesmo e, em decorrência, também no tocante aos artigos 4º e 6º”.

3. Estatização do afeto
É preciso sempre ter em conta, nas magnas questões de família, a sagração da jurisprudência sedimentada ao longo do tempo, para proteção dos relevantes interesses do casal e da prole.
Numa época que tem se caracterizado por uma ridícula e irresistível tentativa de equiparar o casamento às uniões estáveis, corrente doutrinária de elevado tomo vem se manifestando em sentido contrário, rejeitando a estatização do afeto. Data venia, é preciso dar um basta à proposta legislativa que afigura-se-nos acientífica e semeadora de confusões.
Vejam que situação curiosa: concubinos vivem juntos, como se casados fossem, sem o serem. Aí reside o âmago da questão, que a miopia nacional generalizada não quer enxergar. Como se casados fossem, MAS NÃO O SÃO. Se não são casados, evidente não estão legitimados a invocar os institutos de Direito de Família para proteção de seus direitos (?). A relação é obrigacional.
Sob o risco de endossarmos uma analogia absolutamente inadequada e impossível à espécie, isto é, se duas pessoas vivem juntas e não querem legalizar sua situação, ou seja, desconhecem e negam o valor da lei no que diz respeito a sua vida em comum, inadmissível que invoquem esta mesma lei (antes negada e, de certa forma, desprezada e humilhada) para regularizar os efeitos decorrentes da ruptura da vida em comum. Ora, querer considerar a concubina meeira é o mesmo que equipará-la a cônjuge (mulher casada) que, certamente, é meeira, porque este é um dos apanágios decorrentes da união legalizada.
Não fossem suficientes estas considerações, é sempre bom lembrar que o constituinte de 1988 em momento algum equiparou as uniões estáveis ao casamento, tanto é que no artigo 226, § 3º deixou bem clara a dissimetria existente entre as duas figuras, quando declarou, sem vacilar, “...devendo a lei favorecer a conversão em casamento”. Ora, se o constituinte protege a união estável, mas quer que a mesma seja convertida em casamento, é claro que as duas situações são distintas e, merecem, pois, tratamento, diverso. Qualquer exegese que fugir desta evidência é abusiva e, tranqüilamente, cai no terreno laico gerador de inquietação e turbulência.
Tempos atrás, em Congresso realizado em Curitiba, o pranteado Senador Josaphat Marinho, proclamou: “em momento algum o artigo 226, § 3º se referiu ao concubinato, mas tão-somente às uniões estáveis”, conforme já vinha afirmando há alguns anos, ou seja, o que o constituinte protegeu foram as uniões fáticas sem impedimento, que, certamente, nada tem a ver com o concubinato, onde há impedimento (“como se casados fossem, porém, sem o serem”) logo, não há como guindar estas uniões ao nível de casamento, e muito menos, daí fazer ilações capazes de colocar as duas realidades, essencialmente díspares, num só patamar.
Não há situação mais aflitiva do que a separação (divórcio ou rompimento de uma relação concubinária).
As seqüelas daí decorrentes podem até matar, dependendo da estrutura psicossomática do personagem envolvido, por isso que é preciso facilitar as coisas, prevenindo efeitos não desejados inicialmente: a morte dos personagens, lentamente, precisa ser evitada. Quanto mais rápido se encerrar um processo de separação, melhor. Eternizar-se, como ocorre freqüentemente, nos Pretórios, mercê de uma legislação inadequada, é não ter mínima comiseração e respeito, com as partes. Daí o imperativo do “contrato escrito”, previamente.
Segundo pesquisas realizadas por psicólogos, psiquiatras e neurologistas, a morte é menos traumática que o divórcio, porque a morte é, clinicamente falando, é limpa e definitiva, enquanto o divórcio é traumático e se estende infinitamente na existência do indivíduo, relembrando-lhe constantemente a ocorrência de um fracasso irreversível (in Eduardo Oliveira Leite, Adoção por Homossexuais e Interesse das Crianças, p. 105).
Este insigne professor flagrou a omissão do Código Civil, que não cuida da conversão da união estável em casamento, focando a omissão legislativa no quinto pecado capital, tema de sua conferência publicada neste periódico.
Não havendo no Código Civil referência à conversibilidade, o Professor paranaense deixa escapar a sua indignação:
“O Código Civil, silenciou, inexplicavelmente...
A questão complexa da conversão da união estável, em casamento, desde 1988 prevista pelo texto constitucional, e que se esperava fosse enfrentada pelo novo texto codificado não se concretizou, como era a expectativa geral do mundo jurídico brasileiro.”
O jurista Zeno Veloso, mencionado pelo Prof. Leite, não deixa por menos, ao proclamar:
“A lei não disciplina a matéria com os cuidados necessários. Não esclarece. E esta omissão, um ponto capital, é inconcebível, até se for levado em conta que foi para disciplinar, justamente, a conversão, regulando o § 3º do artigo 226 da CF, que este diploma foi editado” (União Estável, pp. 94/95).
Não escapou ao Advogado, também conferencista, ROLF MADALENO a crítica ao assunto em testilha, verbis:
“Curiosa ou estranhamente, a união estável aparece no Título dos Direitos Patrimoniais, (do Código Civil). Seria porque não exista afeto na união estável; porque ela não caracterizaria uma legítima entidade familiar, ou porque, efetivamente, GERE TODAS ESSAS POLÊMICAS QUE AQUI FORAM APRESENTADAS” (destaque nosso) in A fraude material na União Estável e Conjugal.

4. Adultério na união estável
Se a união estável equipara-se ao casamento, sob a ótica de tantas opiniões respeitáveis, com o que, data venia, não compartilhamos, indaga-se sobre a possibilidade da existência de adultério nas uniões estáveis!
Quem melhor respondeu até o momento sobre a relevância da discussão foi o jurista TEIXEIRA GIORGIS, da Corte gaúcha, verbis:
“...a quebra do dever de fidelidade na sede matrimonial implica no pedido judicial de separação por violação das obrigações combinadas e dificuldades da vida em comum, enquanto que, na união estável, a simples vontade de um ou de outro parceiro pode determinar sua dissolução, sem perquirição de qualquer culpa” (in Breves Notas sobre Família e Justiça Penal).
Se não há dever de fidelidade recíproca, embora o Código Civil cogite apenas de “lealdade” na convivência entre companheiros, conclui-se que a união estável precisa ser repensada. Não merece o prestígio que ostenta.
No quadro jurídico atual, como notório, ela é invocada, no mais das vezes, como forma de proveito econômico malsão, o que não se compadece com o direito.

5. Inconstitucionalidade
Sempre imaginei que a legislação concubinária vigente (e continuo com o mesmo pensar) é inconstitucional e artificiosa, por imiscuir-se nas relações de natureza privada, e que gera inquietação social e desconforto. Pena que as entidades jurídicas responsáveis não tenham suscitado a questão perante aqueles que guardam a Constituição.
O que temos hoje? Um sentimento generalizado do medo que inibe o casal na entrega do afeto recíproco e, sem o saberem, hoje, todos são vítimas de uma aparente igualdade que infelicita os personagens. Nem as mulheres que alcançaram o porto seguro de suas realizações profissionais estão poupadas da eventualidade de dividir o patrimônio e pagar pensão a um ex-parceiro.
É preciso ponderar que somente os Tribunais, desde que tenham um instrumento legal razoável, são capazes de sedimentar soluções equilibradas no desate de relações conturbadas de família, sobretudo agora com a eficiente colaboração das áreas interdisciplinares.
Uma união estável sincera, verdadeira, precisa de especial proteção jurídica. Ela representa – no dizer do Des. ÊNIO ZULIANI, da Corte paulista, “mais do que contatos físicos freqüentes; consubstancia a simbiose perfeita da alma gêmea ou a divisão equânime e igualitária do dar e receber, da fruição pura do prazer atual pelo futuro compromissado. A moeda de troca não é o corpo e sim a própria existência” (Ap. Cív. 186.822-4/4-SP, j. 22-5-2001).
Nesse recurso, discutia-se vida more uxorio: relações sexuais consensuais entre mulher solteira e homem casado, sem compromissos maiores que não o subsídio para pagamento do aluguel do apartamento habitado pela mulher. Portanto, um caso de adultério levado ao Tribunal em uma “ação de dissolução conjugal de fato, cumulada com pensão alimentícia”. A solução de improcedência se impunha conforme a decisão, verbis:
“As Leis 8.971/94 e 9.278/96 foram promulgadas depois que a jurisprudência (Súmula 380 do STF) e a Constituição Federal (art. 226, § 3º) reconheceram os direitos e as vantagens dos homens e mulheres que viveram longos e públicos relacionamentos, com respeito aos predicamentos morais e obrigacionais exigidos para personificação de uma sociedade civil, como exclusividade na dedicação, interesse e utilidade dos fins sociais e, principalmente, constância e fidelidade, no amor e nos negócios comuns.
Realmente era lastimável assistir ou aceitar as injustiças concretizadas com a ruptura, penalizando as mulheres (sabidamente as mais desprotegidas) que, apostando na pureza do concubinato, entregavam para o bom termo da união o melhor da sexualidade, do vigor físico para o trabalho e da fertilidade e que, de inopino, perdiam o companheiro e todo o alicerce material ou patrimônio possível de sustentar uma vida digna na fase pós-separação. Na velhice, com os filhos independentes, estas mulheres que agiram com a mesma dignidade das esposas fiéis, padeciam na miséria e no abandono.
As leis referidas criaram pressupostos que são e não são totalmente aceitos pela jurisprudência, como tempo e necessidade da convivência sob o mesmo teto para caracterização de vida more uxorio, o que está criando perplexidade na sociedade. Há uma dúvida de quando uma aventura vira um caso ou um namoro colorido um concubinato que reclama pensão, indenização por serviços prestados e partilha de bens, mesmo sem esforço direto ou com um dos envolvidos sendo casado. Encontros sigilosos para esquentar as tardes de apartamentos locados apenas para testemunhar o adultério do varão não são imunes à crítica da futilidade.”
O Prof. Otto Gil é do mesmo pensar, verbis:
“A união estável reconhecida pela lei – a única que pode gerar efeitos patrimoniais ali estabelecidos – é a convivência que pode ser convertida em casamento, o que afasta, desde logo, o concubinato adulterino, que segue contemplado no Código Penal” (A União Estável e a Lei 8.971/1994).
A solução dada ao caso paulista, parece intuitiva, mas não é. Inúmeros julgados em sentido contrário existem, consagrando o que antes era impensável. Efeitos jurídicos de natureza patrimonial em casos de adultério. Aliás, há projeto de Lei tramitando na Câmara de Deputados que extingue o crime de adultério tipificado no art. 240. Tempos novos, sem dúvida.
Evidente que o caso concreto definirá a boa solução jurídica. Não se pode permitir o enriquecimento do concubino casado e da esposa deste em detrimento da concubina, uma vez que ainda vigora o princípio segundo o qual não é dado a ninguém se locupletar ilicitamente às custas do outro. Mas essa é uma questão que se insere na órbita obrigacional, jamais na de direito de família.
A gênese, portanto, de toda a confusão no panorama da família brasileira deve-se aos vetos opostos a um diploma que tinha em mira regulamentar, corretamente, o § 3º do art. 226 da CF. A instrumentalidade da vontade das partes foi substituída pela especulação abstrata que enseja soluções, por vezes socialmente injustas, em desprestígio da Justiça.
As anomalias não foram corrigidas no novo Código Civil. Permanece a confusão.

6. Casamento e concubinato – Distinção
Consigno que o Supremo Tribunal Federal, julgando o RE 212.560-1-SP, nos idos de 1998, sob a relatoria firme do Min. MARCO AURÉLIO, parecia ter resolvido o impasse, ao julgar um caso de partilha de bens entre concubinos, verbis:
“Registre-se que consubstanciam institutos distintos o casamento e o concubinato. Tanto é assim que o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal, tido como vulnerado pela recorrente, sinaliza no sentido de a lei facilitar a conversão da união estável em casamento. Por outro lado, na cláusula alusiva à proteção pelo Estado, não se tem tal igualação no campo patrimonial, com a partilha dos bens pelo simples fato de haver ocorrido a convivência comum. A referência à citada proteção e ao reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar não é conducente a, por si sós, levar à conclusão sobre a meação. Assim é, porquanto, até mesmo no casamento, é possível a adoção do regime de separação total dos bens”.
Fiquei eufórico. Vitória da razão e do bom senso. A Corte Maior interveio providencialmente colocando o lar brasileiro em ordem, faltando, apenas, a declaração formal da inconstitucionalidade das leis concubinárias vigentes, que influenciaram, no particular, o novo Código Civil. Ledo engano. A decisão, restou solitária, certo que o Supremo Tribunal Federal, apesar da matéria ser eminentemente constitucional, jamais voltaria a debruçar-se sobre o tema.
O julgamento das questões correlatas de família foi transferido, à órbita da Corte infraconstitucional, que à míngua de uma adequada legislação, vem fazendo o que pode, até ratificando uma ficção pretoriana da mais Alta Corte, como o da indenização por serviços domésticos prestados ao outro convivente, como compensação pela inexistência de bens a partilhar ou alimentos a prestar.
As pautas de julgamento estão recheadas de relacionamentos espúrios e incestuosos, tendo como escopo pretensões de ordem patrimonial. A preocupação maior do julgador é estar sempre perquirindo se o “golpe da união estável” está presente. E isso não pode continuar!
É o risco do modismo que bem funciona nas colunas sociais, mas nunca nas sagradas relações familiares.

7. Direito real de habitação
Qual o diploma legal que protegerá a convivente em caso de morte do seu companheiro, havendo filhos do leito anterior, não tendo ela descendência com ele?
Em um caso concreto, de difícil desate, o Juiz de 1º grau decidiu ação de reintegração de posse movida por filho contra a mãe, logo após a morte do pai e marido decretando a extinção do processo, nos termos do art. 267, I, do Código de Processo Civil, considerando:
“Não há no ordenamento jurídico vigente, possibilidade de manutenir ou reintegrar a requerente em uma posse que não é exclusivamente sua, mas que exerce em comunhão com o próprio requerido, haja vista a composse decorrente do imóvel pertencer em condomínio a ambas as partes”. (grifo nosso)
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina desproveu a apelação aplicando o art. 488 do Código Civil de 1916. Entendeu o acórdão recorrido que o “direito real de habitação conferido à apelante em face da morte de seu cônjuge, previsto no § 2º do art. 1.611, encontra limite diante do preceituado no art. 1.572 do mesmo estatuto, e que legitima a presença do requerido na casa cuja posse plena reclama a recorrente. Demais disso, considerou que a posse da autora não se apresenta certa e individuada, restando como alternativa, considerando que o réu é também possuidor, a venda do imóvel, “já que indivisível”. Por fim, assinalou o aresto recorrido que “a própria recorrente admite que o filho já com ela convivia mesmo antes da morte do pai. Não se pode, pois, atribuir à ação possessória o escopo subjetivo a que pretende dar a apelante; o problema familiar descrito na exordial não se resolve por esta medida”.
Interposto o recurso especial foi este provido, nos termos do voto do Ministro Menezes Direito, ao relatar o REsp. 616.027, DJ de 20-9-2004, verbis:
O especial põe a questão em torno do direito real de habitação, previsto no art. 1.611, § 2º, do Código Civil de 1916.
A questão é muito interessante. Pergunta o Ministro: “Qual o efeito do direito real de habitação, qual o seu alcance? Será que aquele que tem o direito real de habitação pode ter esbulhada a sua posse por quem também é compossuidor, ao abrigo do art. 488 do mesmo Código?”
E passa a dissertar sobre o caso:
“Tenho que deve refletir-se melhor sobre a força do direito real de habitação como fonte de posse exclusiva durante o seu exercício, de modo a excluir a de qualquer outro.
A regra está reproduzida com alterações no novo Código, art. 1.831. Na minha compreensão, a circunstância da composse, em caso de exercício do direito real de habitação, não autoriza o esbulho. Se fosse assim, teria pouca valia. Todos os que fossem compossuidores poderiam, indiscriminadamente, ocupar também o imóvel, em conjunto com o titular do direito real. E, na verdade, a habitação com outra pessoa somente pode ser admitida se esta outra detiver o mesmo título, tal e qual está previsto no próprio Código, art. 747 do antigo Código e no 1.415 do novo.
E mais. O próprio Código quis cercar o direito real de garantias próprias, tanto que teve a cautela de mandar aplicar ao instituto as regras do usufruto, naquilo que não contrariar a sua natureza, como está no art. 748 do Código Civil de 1916 e no 1.416 do novo.
Como sabido, está assegurado ao usufrutuário direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos (art. 718 do Código Civil de 1916 d 1.394 do novo).
De fato, a posse é inerente ao direito real de habitação, como é também ao usufruto, porque se assim não fosse o direito não estaria assegurado. E posse exclusiva, porque o direito real se sobrepõe àquele decorrente da composse, sob pena de estar desqualificado o próprio instituto, que nasceu para proteger a viúva, garantindo-lhe a permanência, sem esbulho, na habitação em que conviveu com seu marido.
Se a titular do direito real de habitação detém a posse por força de aplicação dos artigos 718 e 748 do Código Civil de 1916, e, ainda, como conseqüência lógica do exercício do próprio direito, não se lhe pode recusar a defesa possessória.
Em conclusão, eu conheço do especial e lhe dou provimento para afastar a extinção do processo e determinar o seu prosseguimento na melhor forma de direito”.
A decisão foi unânime.
Ante tão freqüentes divergências, nesse e em outros temas relevantes, é que se percebe a fragilidade das nossas instituições no campo do Direito de Família. Após longos anos a esposa ou a convivente é enxotada do lar, sem a menor cerimônia, pelos herdeiros do cônjuge falecido. O novo Código Civil não contempla a hipótese do direito real da habitação, garantia da velhice, nem do usufruto vidual, em favor da companheira.
Todavia, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ressalvou que no caso de inexistir descendência ou ascendência para suceder o finado, a herança, em sua totalidade destina-se à viúva, independentemente de o casamento ter sido celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens, por figurar o cônjuge supérstite, com exclusividade, na terceira linha da ordem sucessória, desde que não separado (jurídica ou de fato) há dois anos (artigo 1.830, do novo Código Civil); o propósito dos colaterais, de inversão dessa regra, não encontra amparo legítimo, na lei ou na regra geral das obrigações, conforme o julgamento da Ap. Cív. 139.185-4/7, rel. Des. ÊNIO ZULIANI.
Em suma: se o cônjuge, casado em regime de comunhão de bens, é chamado a herdar na falta de ascendentes e descendentes, vai recolher a herança toda, que corresponde à metade (porque a meação já era sua, pelo regime de bens); se casado no regime de separação de bens, arrecada tudo.

8. Fiança na união estável
O companheiro está proibido de conceder fiança sem o consentimento de seu “consorte”, tal como acontece no casamento em que a outorga uxória é indispensável, sob pena de nulidade. Foi o que decidiu recentemente e por unanimidade a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça fluminense, ao julgar ao julgar a Ap. Cív. 2004.001.01374, relª Desª Letícia Sardas, verbis:
“A união estável está equiparada por lei ao matrimônio. O contrato de fiança firmado pelo varão, sem o consentimento da convivente não produz qualquer efeito legal”.[6]
Foi a resposta que precisava para espancar angustiante dúvida. Desde a alvorada da nova legislação indagava-me sobre essa possibilidade jurídica. Quando a Carta Constitucional consagra o princípio da igualdade jurídica entre o homem e a mulher, soa estranho que alguém ao formar, com esforço próprio, o seu patrimônio, esteja correndo o risco de dividi-lo, pela metade, em caso de dissolução da “relação convivencial” e ainda, possa, em outra vertente, depender da vontade do outro, quando queira socorrer um amigo ou parente ao emprestar a sua solidariedade fidejussória em um momento de sufoco. Temos agora que perguntar à namorada se ela está de acordo. A verdade é que o ato simplista de dormir um com o outro, continua gerando efeitos jurídicos patrimoniais fantásticos.

9. Danos morais nas relações de família
Quando acaba o amor e com ele o casamento (ou união estável), onde já se viu indenização por danos morais, seja a que título for, cujo efeito é a eternização do conflito entre os ex-parceiros.
Com a mais respeitosa vênia dos que acolhem o ressarcimento, tenho que a desilusão dos amantes não se resolve em perdas e danos, pois é a frustração dos sentimentos que acarreta a dissolução. Nessa linha de raciocínio, o insigne Des. TEIXEIRA GIORGIS do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em inédito julgamento de infidelidade do companheiro em que a traída pretendia pecúnia, ao afastar a pretensão, proclamou que “a dor e a angústia daquele que ama são conseqüências do término do consórcio, das agruras da vida, não se prestando o Judiciário a vingar a ausência da reciprocidade de afeto e respeito, indenizando aquele que sentiu traído” (Ap. 70.006.974.711).
A litigância em busca da indenizabilidade, parece “algo” um tanto masoquista para nunca permitir a extinção do tálamo, criando circunstâncias para tornar pendentes uma relação já desfeita e, com isso, exacerbar os ânimos ad aeternum, lançando-se os estilhaços da causa perdida sobre os filhos, as principais vítimas de toda essa incômoda situação.

10. Família em perigo
O resultado aí está: “Mulheres modernas casam-se uma vez por ano, tatuam o nome de todos os namorados pelo corpo, tudo é pra sempre, tudo já foi, passado e futuro são agora; um, dois, e já marido novo...”, no artigo espirituoso de Martha Medeiros, O Globo, de 12-9-2004, Revista. E os laços familiares vão aos poucos e inexoravelmente, desaparecendo... Esse processo de deterioração vem ocorrendo desde a implantação do divórcio. É a vocação tupiniquim de sempre imitar os países estrangeiros, quando as diferenças sociais, econômicas e mesmo religiosas são abissais.
Tudo passa a ser estranho quando a Lei Magna soleniza a família como célula básica da sociedade e o casamento como seu único fato gerador (artigo 226 e parágrafos). Como qualificar os partícipes do novo instituto jurídico, se assim se pode considerá-lo? Concubino, companheiro, convivente, ou simplesmente, por elastério, “marido e mulher”? Chega a ser constrangedor o ato de apresentação social de um deles a um terceiro: “quero te apresentar minha companheira” ou minha “patroa”, (sim, porque “concubina” sempre teve conotação pejorativa).

11. União estável putativa
Para se avaliar a insegurança jurídica decorrente da intitulada “união estável”, basta a afirmativa de que o homem poderá, em tese, ter duas ou mais mulheres, enfim, um harém bem demarcado (vice-versa). Primeira providência do varão é tratá-las por um apelido carinhoso, “florzinha”, que acaba virando “fôzinha” tal a reiteração desse tratamento para várias destinatárias (o caso é real). O uso da expressão serve apenas para evitar confusão de nomes que possam atrapalhar o convívio dos amantes. O descuido verbal poderá por tudo a perder. O enquadramento jurídico que se dá ao fenômeno, muito mais freqüente do que se imagina, é “UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA”. Há dois precedentes judiciários, bem recentes: um, no Rio de Janeiro (Ap. Cív. 2003.001.33248); outro, no Rio Grande do Sul (Embs. Infrs. 599.469.202), ambos reconhecendo essa nova figura jurídica, com a determinação da partilha igualitária dos bens disputados pelas companheiras.
Exige-se, apenas, um leve pressuposto a cumprir: a “sincera” revelação em Juízo de que elas desconheciam o embróglio. Nos casos citados, o finado (que realizou o milagre do “exclusivismo concomitante”), embora sem se desvincular da primeira companheira, mantinha relacionamento antigo, duradouro e estável, com as demais. É o quanto basta para admitir-se a união estável putativa, com os doces efeitos jurídicos contemplados na lei. Ora, putativo é o que aparenta ser verdadeiro, legal e certo, sem o ser. Mera suposição... A que ponto chegamos!
Indagação necessária: O caso citado revela bigamia ou se pode ampliar o conceito para o reconhecimento de concubinatos sucessivos? O colorido formal e vistoso da “união estável” abriga sob o manto protetor de suas asas a multiplicidade de casos escabrosos que a Justiça terá de resolver. A propósito, adverte CARLOS ALBERTO BITTAR, que “não é admissível que um Estado, por meio de leis inadequadas e inconstitucionais, aceite o verdadeiro solapamento do regime do Direito de Família, edificado ao longo dos séculos sob a égide de sólidos e profundos valores da cristandade e da moral pública, a pretexto de proteção a conviventes” (Nova Realidade do Direito de Família,Vol. 1, p. 28, Ed. COAD).

12. Pessoas do mesmo sexo
Como se tudo fosse pouco, pretende-se o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou contrato de “união estável” com efeitos jurídicos, tema que, pela sua relevância, impõe que a sociedade plebiscitariamente seja ouvida.
O Tribunal gaúcho já acenou, repetidas vezes, para a possibilidade da união estável entre companheiros, designando-a carinhosamente como relação homoafetiva ou homoerótica. Ninguém nega que “o amor que não diz seu nome” é fato social que já não pode ser ignorado. Consideráveis segmentos alinham-se dentre os que exercitam tal preferência. Todavia, a edição de um diploma legal, longe de facilitar a existência dessas pessoas que merecem o maior respeito, vai estigmatizá-las ainda mais.
A norma só tem lugar em uma sociedade, quando o fato social a impõe. Não como criação artificial de cérebros que vivem atormentados em encontrar um modo de aparecer na mídia e fazer-se popular em determinado setor social. Nem se diga que tais parceiros, vivendo em convivência, ficam ao desabrigo de qualquer proteção quando ocorre ruptura dos liames afetivos ou morte de um dos conviventes. O Judiciário sempre ofereceu a solução adequada à luz do artigo 1.363 do antigo Código Civil (atual artigo 981).
A intromissão legislativa, contudo, quer no concubinato puro (já consagrado), quer no caso das uniões homossexuais, é fator de desagregação, confusão e ampliação dos conflitos. Tudo pela simples razão de que o legislador não é do ramo.
A conseqüência dessa explosiva mistura de despreparo com oportunismo, é a quebra da espontaneidade da relação afetiva entre os seres humanos. Um tem receio de aproximar-se do outro, sempre desconfiando de suas intenções. As relações estão cada vez mais patrimonializadas, por trás das demonstrações de afeto sempre um velado interesse que só o tempo revela.
Se tudo continuar assim, até a amizade parecerá suspeita. Dois homens ou duas mulheres que decidem viver no mesmo imóvel para poupar despesas, poderão amanhã se defrontar com o pedido de reconhecimento de união estável por parte de um deles, porque os sinais exteriores apontam para tal situação.
Houve um recente caso no Sul em que o motorista, por desempenhar durante anos o cargo, cujo patrão era homossexual, queria tirar uma “casquinha” indenizatória, fundada em união estável. Ganhou a causa na 1ª instância, mas perdeu na 2ª em razão do reconhecimento da relação empregatícia, tendo recebido os favores legais por força da rescisão do contrato de trabalho. Bis in idem, não!

13. Alimentos ao convivente
Outra questão recorrente, saber se cabem alimentos ao outro convivente, com o fim da “união”. A evidência que não porque a Carta Constitucional de 1988 consagra o princípio da igualdade jurídica entre os cônjuges, salvo hipóteses especialíssimas em que o necessitado estiver impossibilitado para o trabalho. O objetivo dos alimentos dizia CLÓVIS, não é fomentar o ócio ou estimular o parasitismo.
A partir do momento em que a Carta Magna em vigor estabeleceu a igualdade entre o homem e a mulher, não há porque manter a dependência econômica, sobretudo se jovem e apta a assumir o seu próprio sustento, com exceção à idade avançada e doenças que possam vincular o alimentante do cônjuge necessitado por motivos de nobreza e solidariedade.
Entre os cônjuges (e companheiros) há o dever de mútua assistência e não o dever de sustento. Há pessoas jovens em relação eventual, namoro de um ano, por exemplo, com pouco tempo de convívio, portanto, uma vez rompida a relação, geralmente a mulher, sai em busca de proteção jurídica para haver alimentos, fundada a pretensão no que pensa o E. Superior Tribunal de Justiça, verbis: “Se na constância do casamento, a mulher não dispõe dos meios próprios para prover o seu sustento e se o seu marido tem capacidade para tanto, não se pode deixar o dever alimentício pelo prazo de apenas um ano, apenas porque ela é jovem e capaz para o trabalho. Recurso conhecido e provido” (REsp. 555.429-RJ, rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJ de 11-10-2004).
Dispunha a ementa do acórdão recorrido, ora reformado:
“A obrigação alimentar repousa no binômio: necessidade de quem os recebe e, possibilidade econômica. No caso, se a apelante é jovem e capaz, deve prover seu sustento com o próprio trabalho, por ser este um dever social e moral. O pensionamento não tem natureza previdenciária, a justificar sua permanência indefinidamente. Não provimento do recurso”.
Há sobre o caso dezenas de acórdãos em várias direções.

14. Efeitos jurídicos do “namoro”
Quando se namora sob o mesmo teto ou fora dele, sobretudo nas relações de “segunda mão”, na tentativa sincera de reconstrução de suas vidas, o fator “experimentação” no sentido físico e moral (“a lei proíbe”) é de capital importância, na busca do bem-estar e, se possível, da felicidade integral.
Trata-se de um fenômeno natural de aproximação intimista entre dois seres, não se permitindo a ninguém a bisbilhotice. O legislador brasileiro atavicamente tem vocação voyerista. Gosta de se intrometer na vida dos outros apenas para obter dividendos eleitorais. É o defensor das minorias teoricamente excluídas e a seu talante, intervém quase sempre desastradamente, oferecendo-lhes soluções duvidosas e sempre questionáveis. Afinal isso é problema para o Judiciário resolver no futuro... Não tem sido sempre assim?

15. Conclusão
Sei que essas idéias representam o outro lado do movimento jurídico que transformou o amor em negócio de ocasião. Mulheres, principalmente elas que são mais espertas que os homens, não se pejam em namorar e conviver de olho somente no patrimônio do consorte (e vice-versa). Com isso, os homens, que são bobos e não burros, se retraem e não assumem mais compromissos; até tirar foto do homem ao lado de mulher é coisa perigosa hoje em dia.
Porém, existem situações em que o reconhecimento de direitos para os conviventes é questão de justiça. Devemos reconhecer isso. No entanto, para que a sentença de procedência possa obter o selo de qualidade é preciso não só que os juízes julguem, com severidade, os pressupostos que caracterizam a união estável (aspecto do tempo da união, vontade de constituir família e projetos espirituais de solidariedade), coisas que não se acumulam sem a entrega da alma, além do corpo.
Contudo e apesar disso, os juízes necessitam de introduzir um segundo raciocínio para que o convencimento da justiça de partilhar o patrimônio se justifique, qual seja, o estado de dependência econômica, é a prova final indispensável de que duas pessoas criaram um regime único de economias.
Ocorre que a formação desse caixa comum não se dá apenas porque um integrante da relação é rico e outro pobre. O estado de dependência não se prova porque se paga uma viagem ou se compra um perfume. Prova-se pelo fato de alguém renunciar seus projetos de vida, interrompendo carreiras e outras perspectivas, para viver a vida do consorte em parceria e com solidariedade.
Somente alguém que seja capaz de incorporar na sua existência, a existência do parceiro será digna de receber uma parte do patrimônio que se formou durante a vida comum no momento em que for dispensado.
O que se observa, no entanto, são decisões que valorizam circunstâncias menores, desimportantes, como ensejadores da dependência econômica. Assim, não se faz justiça social; cria-se a instabilidade social, uma insegurança que intimida o homem e que somente serve para aumentar a sua freqüência nos “termas”, ou na aquisição de revistas eróticas, melhor opção para quem vive só e que não pode correr riscos...


[1] Dedicado à memória de SEGISMUNDO GONTIJO, querido irmão, que consagrou sua fecunda existência, digna e pura, às coisas que mais amava na vida: a Dorinha, sua alma gêmea, com quem formou uma família bonita e generosa, trazendo ao mundo os motivos de orgulho do casal: os filhos Juliana e Fernando, também advogados, que prosseguem no ideal paterno; aos estudos de Direito de Família, demonstrando sempre preocupação com os seus rumos; e as tertúlias com amigos fraternais, aos quais convocava sempre para o saboreio da degustação do tropeiro, carreteiro e torresmo, tríade maravilhosa que compõe as delícias da cozinha mineira que tanto exaltava, com razão.
[2] Informa o Prof. Wald que no veto foram invocadas a sua opinião e a do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, sobre a matéria (in O Novo Projeto de Lei Referente à União Estável).
[3] A imprecisão terminológica é manifesta.
[4] Se o projeto é inadequado, porque não substituí-lo mesmo que integralmente? A poda de parágrafos ou artigos modificou o arcabouço originário, quebrando a homogeneidade e o rigor sistemático, além do teleológico. A substituição radical do texto, por vezes, é necessária.
[5] Quando não se admite a união estável contratual impede-se a concretização da vontade da Carta Magna que cogita da “conversibilidade” da união estável em casamento. É preciso documento escrito, é só lançar essa vontade no papel.
[6] Em sentido contrário: “Ainda que provada a relação convivencial iniciada antes da aquisição do imóvel, a fiança dada por um dos conviventes, sem anuência do outro, é válida a eficaz (Ap. Cív. 27.742/2003, TJ-RJ, 4ª CC, rel. Des. Fernando Cabral, j. em 4-5-2004).

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