segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Banco da infâmia: erro judicial cometido contra Marcos Mariano da Silva*

16 de janeiro de 2012 às 19:00
Comente agora
Artigos do prof. LFGBanco da Infâmia

Banco da infâmia: erro judicial cometido contra Marcos Mariano da Silva*

Fonte da imagem: http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,AA1322439-5598,00.html
LUIZ FLÁVIO GOMES**
No nosso injusto e autoritário país, não resulta despropositado subscrever esta genial frase: “Geralmente um homem é presumido culpado até que prove ser influente” (Laurence J. Peter, canadense, escritor). Considerando-se que o Estado detém a arma constrangedora mais violenta que existe no Estado de Direito, que é o direito penal, com certa frequência se sabe que essa arma acaba sendo usada indevidamente, atingindo pessoas inocentes. No nosso banco da infâmia pretendemos catalogar alguns desses casos (todos que chegarem ao nosso conhecimento).
Um banco da infâmia, como o aqui proposto, deveria servir de alerta às autoridades públicas para redobrarem seus esforços no sentido de não dirigirem suas potentes (e aniquilantes) armas contra inocentes. “A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos” (Charles de Montesquieu, francês, filósofo).

Consoante notícia que extraímos do Diário de Pernambuco[1], em 1976 o caminhoneiro Marcos Mariano da Silva, conhecido como Montila, 50 anos, foi acusado de assassinar um homem no município do Cabo de Santo Agostinho. Ele permaneceu no Presídio Professor Aníbal Bruno durante quatro anos e, no final de 1980, a polícia descobriu o verdadeiro culpado do assassinato. Marcos Mariano amargou esses anos na prisão até que seu caso fosse a julgamento. De volta ao convívio com a sociedade, Montila começou a trabalhar como taxista para sobreviver. Mas a liberdade de Marcos Mariano durou pouco.
Na madrugada do dia 14 de fevereiro de 1985, ele estava parado com seu táxi, em frente à destilaria do Cabo, quando foi pego armado com um revólver calibre 38. O caminhoneiro acabou sendo levado para a delegacia de Capturas, onde ficou detido por alguns dias e terminou voltando para o Aníbal Bruno. Desta vez, uma declaração do juiz Aquino de Farias Reis, da comarca do Cabo de Santo Agostinho, complicou ainda mais a sua situação. Na época, o magistrado enviou um ofício comunicando que Marcos Mariano da Silva estava em livramento condicional e respondia a inquérito policial.
Em 1987, Marcos foi mais uma vez vítima do destino. Os presos do Aníbal sequestraram o diretor do presídio, Kléber Amorim de Azevedo, e para conter a fúria dos detentos, os policiais jogaram várias bombas de gás. Uma delas atingiu Marcos Mariano, que estava dentro da própria cela. Dois anos depois, o caminhoneiro perdeu a visão do olho esquerdo e em 95, ele ficou sem o outro olho. Completamente cego, Marcos Mariano já não tinha mais esperanças para deixar o presídio com vida, mas no dia 25 de agosto desse ano, por meio do mutirão promovido pelo Tribunal de Justiça, ele foi posto em liberdade novamente.
Como não existia nenhum registro no cartório único da distribuição da comarca do Cabo de Santo Agostinho e pela 1ª Vara das Execuções Penais e por ter sido absolvido pelo Tribunal do Júri da primeira acusação, o desembargador Arthur Pio dos Santos concedeu alvará de soltura a Marcos Mariano da Silva. Apesar de não enxergar, Montila buscava na liberdade forças para voltar a ser feliz. “Deus não tem o monopólio da onipresença: isso é um privilégio compartilhado pela injustiça” (Christopher Spranger, escritor).
De notícia publicada no site G1[2] transcrevemos as seguintes informações. Marcos Mariano da Silva sofreu um infarto ”pouco depois de saber da conclusão do processo – (…) – que movia contra o governo de Pernambuco. A Justiça concedeu, por unanimidade, ganho de causa ao ex-mecânico por danos morais e materiais”.  
O Procurador Geral do Estado, Thiago Norões, informou que “o ex-mecânico foi preso em 1976 e solto em 1982, devido a um erro no mandado de prisão verificado pelo juiz. Em 1985, Marcos Mariano foi preso novamente e solto no ano de 1998″.
Segundo o Procurador Geral do Estado: “Assim que foi libertado, Marcos entrou com processo, obtendo ganho de causa na decisão do Superior Tribunal de Justiça, na segunda instância, em março de 2005. Em 2006, o governo criou uma pensão especial para que ele recebesse uma renda até que saísse o valor da indenização”. 
“Thiago Norões ainda explicou que, em 2007, ele recebeu a primeira parcela, um valor menor que foi pago ao ex-mecânico – fato que o advogado da vítima nega. Dois anos depois, em 2009, Marcos Mariano recebeu R$ 3,7 milhões do Estado. ‘O valor atual que está em discussão, cerca de R$ 2 milhões, é relacionado aos cálculos dos encargos, essencialmente o valor dos juros, e a partir de quando ele tem direito’, conta”.
Marcos Mariano da Silva foi preso, em 1976, porque tinha o mesmo nome de um homem que cometeu um homicídio – o verdadeiro culpado só apareceu seis anos depois. Posto em liberdade, passou por um novo pesadelo três anos depois: foi parado por uma blitz, quando dirigia um caminhão, e detido pelo policial que o reconheceu. O juiz que analisou a causa o mandou, sem consultar o processo, de volta para a prisão por violação de liberdade condicional.”
“Nos 13 anos em que passou preso, além da tuberculose e cegueira, Marcos foi abandonado pela primeira mulher. A liberdade definitiva só veio durante um mutirão judiciário. O julgamento em primeiro grau demorou quase seis anos. O Tribunal de Justiça de Pernambuco determinou que o governo deveria pagar R$ 2 milhões. O governo recorreu da decisão, mas se propôs a pagar uma pensão vitalícia de R$ 1.200 à vítima”.
A indenização é justa, de qualquer modo não há dinheiro que pague a profunda violação dos direitos de Marcos Mariano. “Os abusos, como os dentes, nunca se arrancam sem dores” (Marquês de Maricá, brasileiro, escritor). De outro lado, “Esperar que o mundo trate você bem porque você é uma boa pessoa é semelhante a esperar que o búfalo não ataque você porque você é vegetariano” (Dennis Wholey, americano, escritor).
*Artigo publicado originalmente na Revista Jurídica Consulex, ano XVI, n. 360, 15 jan. 2012.
**LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

Nenhum comentário:

Postar um comentário