O Supremo Tribunal Federal está na contramão. O que seria péssimo em qualquer época ganha nesta temporada avultada dimensão, porque os deslizes se magnificam e se incorporam de forma automática aos retrospectos do ano, fadados irremediavelmente a entrar para a história. (Grifo nosso)
Nossa Suprema Corte não está confrontando juristas e especialistas com sutilezas bacharelescas, está investindo contra as convicções morais da sociedade brasileira materializadas na Lei da Ficha Limpa, uma de suas mais expressivas conquistas desde o fim da ditadura. (Grifo nosso)
Ao decidir que o candidato Jader Barbalho (PMDB-PA) está liberado para assumir o mandato de senador, o presidente do colegiado, Cezar Peluso, cometeu concomitantemente uma sucessão de desacertos e impropriedades. Com a votação empatada desde novembro (5 a 5), e à espera da posse da nova ministra Rosa Maria Weber, os coronéis do PMDB encabeçados pelo vice-rei José Sarney foram ao STF e pressionaram Peluso a adotar o chamado “voto de qualidade”. Naquele momento a soberania do Judiciário foi para o brejo.
Clima de desconfiança
Peluso votou duas vezes e contrariou sua própria opinião manifestada em 2010 (no julgamento de Joaquim Roriz) ao afirmar que o voto duplo é despótico. E não ficou nisso: havia prometido que o julgamento de Jader só continuaria depois da posse da ministra Weber (o que deve ocorrer em fevereiro) e voltou atrás.
A flagrante violação da Lei da Ficha Limpa pelo presidente do STF acontece no exato momento em que o ministro Ricardo Lewandovski admite claramente a hipótese de que alguns crimes cometidos pelo grupo de mensaleiros correm o risco de prescrever. Ora, o país inteiro sabe que o relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, com problemas de saúde, tem dificuldades em cumprir a sua pauta de obrigações e que o encarregado de produzir o voto revisor é o ministro Lewandowski. Se as condições de saúde do ministro Barbosa não constituem novidade e prejudicam a tramitação e o cumprimento dos prazos, por que razão não se procede imediatamente à troca de relatores?
Ao antecipar com quase dois anos de antecedência um desfecho que poderia ser evitado desde que tomadas as providências cabíveis, o ministro-revisor cria um clima de desconfiança inaceitável num processo que certamente marcará a história do judiciário brasileiro.
Paradigmas morais
O ceticismo que envolve a instância judicial suprema não se reduz à esfera criminal. O ministro José Antonio Toffoli, relator da ação de inconstitucionalidade contra a classificação indicativa da programação de rádio e televisão (artigo 220, parágrafo 3 da Constituição de 1988), afirmou no seu voto que a restrição inexiste nas democracias do mundo. Enganou-se redondamente: nos Estados Unidos, a Federal Communications Commission (FCC) tem poder não apenas para classificar a programação dos meios audiovisuais para proteger crianças e jovens como também para tirar do ar tudo que considere obsceno, indecente e profano. O mesmo acontece no Canadá e na maioria dos Estados da União Européia.
Não se trata de erro de interpretação: o ministro Toffoli não estudou a matéria que deverá relatar. O mesmo aconteceu em 2009 com o ministro Gilmar Mendes, que no relatório condenando a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo proclamou que a atividade não pode ser considerada como profissão. Também se enganou: no Senado romano, há dois mil anos, existiam redatores encarregados de preparar as Atas Diurnas denominados Diurnalíi.
Numa nação que ainda não conseguiu estabelecer paradigmas morais mínimos e debate-se cotidianamente na dúvida sobre o que é certo e o que é errado, o jorro de suspeições maculando a instância judicial suprema não compromete apenas a imagem de magistrados e tribunais, macula a própria confiabilidade do Estado. (Grifo nosso)
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