Sobre a soma e a unificação das penas na Lei de Execução Penal
1 - Quando a regra do artigo 82 do Código de Processo Penal não for aplicada por qualquer motivo ou era impossível de ser aplicada pelo juízo de conhecimento, a soma ou unificação das penas será realizada pelo juízo da execução (Lei de Execução Penal, artigo 66, III, a).
A soma das penas ocorre com o concurso material (Código Penal, artigo 69; artigo 70, parágrafo único; e artigo 71, parágrafo único, última parte) [01] e o concurso formal imperfeito (Código Penal, artigo 70, caput, segunda parte), ao passo que a unificação das penas se verifica no concurso formal perfeito (Código Penal, artigo 70, caput, primeira parte) e no crime continuado (Código Penal, artigo 71).
Nas operações, o tempo de pena já cumprido, remido ou de detração conforme dispõe o artigo 111 da Lei de Execução Penal deve ser deduzido.
Em ambos os casos a unidade é desejável, mas, quando impossível a redução a única espécie, formam-se grupos, como por exemplo: reclusão, detenção e prisão simples. Isso ocorre porque a unidade não é natural, é artificial, forçada pela lei e essa mesma lei estabelece a extensão e a profundidade em que é capaz de produzir efeitos.
Não podendo ser preservada a pena restritiva de direitos e o sursis, as penas privativas de liberdade serão redivivas. Note-se bem que os pressupostos objetivos e subjetivos devem ser satisfeitos ao tempo da soma ou unificação, o que será forçosamente visto pelo juiz da execução penal. A coisa julgada não é impedimento, pois a sentença penal condenatória tem natureza de sentença determinativa e encerra a cláusula rebus sic stantibus. Se a pena privativa de liberdade resultante da soma ou da unificação excede a quantidade legal exigida - mais de quatro anos para restritiva de direitos, salvo os crimes culposos; mais de dois anos (Código Penal, art. 77, caput), mais de 3 anos (Lei nº 9.605/98, art. 16) ou de 4 anos (Código Penal, art. 77, § 2º) para o sursis -, a restritiva de direitos ou a suspensão serão afastadas. Daí se conclui, por outro lado, que coexistindo os pressupostos, a restritiva de direitos ou o sursis serão mantidos.
2 - O regime de cumprimento da pena é fixado pelo juiz na sentença penal (Código Penal, artigo 59, III), mas, na hipótese prevista no artigo 111 da Lei de Execução Penal, caberá ao juiz da execução.
O resultado da soma ou unificação das penas, sem prejuízo do abatimento do tempo resgatado, detraído ou remido, e a reincidência são os elementos para determinar o regime de cumprimento da pena na regra do artigo 33 do Código Penal. Os critérios previstos no artigo 59 do Código Penal (Código Penal, art. 33, § 3º) serão levados em conta pelo juízo da execução na fixação do regime, mas com uma visão ampliada para alcançar a conduta do apenado durante o cumprimento da pena em execução, havendo. Isso é importante, o magistrado deve considerar o bom desempenho do apenado, assim como o mau. Tudo para consagrar a justiça, aqui entendida tradicionalmente comosuum cuique tribuere.
Nessa ocasião deve atentar que o crime hediondo e assemelhado terá o regime inicialmente fechado (Lei nº 8072/90, art. § 1º). À prisão simples não poderá ser fixado o regime fechado (LCP, art. 6º, caput). E para a detenção poderá ser fixado o aberto e o semiaberto, mas o fechado apenas pela regressão (Código Penal, art. 33, caput). Ainda, os condenados por crimes decorrentes de organização criminosa iniciarão o cumprimento da pena em regime fechado (Lei nº 9.034/95, art. 10). Essas restrições são naturais, pois, como já vimos acima, a unidade perseguida é artificial.
3 – Determinado o regime de cumprimento da pena, pode ocorrer: a) correspondência com o anterior; b) alteração mais benéfica; c) alteração mais gravosa.
Em todos estes casos, o termo a quo para aquisição da progressão do regime de cumprimento da pena é a data da sentença que determina a unificação ou a soma das penas.
É bem verdade que Lei de Execução Penal nem o Código Penal fixam expressamente o termo inicial para aquisição da progressão do regime na hipótese. Mas, isto cabe ao interprete revelar.
Antes da unificação ou da soma das penas, existiam dois ou mais títulos executivos, os quais, frente ao disposto no artigo 76 do Código Penal, estavam na seguinte situação: a pena mais grave estava a executar; as outras aguardavam a execução da mais grave.
Com a unificação ou a soma das penas, abandona-se a execução singular e passa a execução coletiva, observando, quando necessário, a regra do artigo 76 do Código Penal, uma vez que nem sempre é possível, como dito acima, firmar a unidade.
Na unificação ou na soma das penas há determinação do quantum da pena privativa de liberdade e também do regime de cumprimento. Portanto, há uma decisão interlocutória de conteúdo executivo; há uma formação de título executivo sucessivo às condenações individuais e por isso o termo inicial para contagem do prazo para concessão do benefício da progressão do regime prisional não pode ser anterior a formação deste título.
Na formação deste título não se pode olvidar que foi realizado o abatimento do tempo resgatado, detraído ou remido, assim como nova avaliação dos critérios previstos no artigo 59 do Código Penal, agora atentando, havendo, a conduta do apenado durante a pena em execução, para fixação do regime prisional. Assim, é revista a pena e o ser humano dentro dos limites do artigo 111 da Lei de Execução Penal. Há uma nova visão. Uma visão universal da pena e do apenado, toda diferente daquela isolada, que edifica a garantia constitucional da individualização.
A pena somente foi determinada na decisão que resolveu pela unificação ou pela soma das penas com o abatimento do tempo já cumprido, remido e de detração. Observe-se que a pena resgatada, por expressa disposição do artigo 111 da Lei de Execução Penal, foi aproveitada para determinação da pena resultante da unificação ou soma. Este resultado ou esta pena é sempre menor que a pena total e constitui a base de cálculo para a progressão do regime, não sendo lógico transpor a pena cumprida, e utilizada para o abatimento, para que integre o período aquisitivo do benefício à progressão do regime prisional. O sentido oposto leva a computar duas vezes o tempo já cumprido, remido ou de detração. A pena deduzida e o tempo cumprido, remido ou de detração utilizado para a dedução vão juntas para o sepulcro por força do artigo 111 da Lei de Execução Penal.
O entendimento de que a data-base para contagem de novo período aquisitivo do direito à progressão do regime é o trânsito em julgado da nova condenação quando mantido o regime carcerário anterior [02] - É difícil conhecer e recolher todas as condenações no juízo competente da execução, especialmente quando originárias de outros estados da federação. É verdade que as dificuldades da burocracia estatal não devem ser situadas à frente do apenado. Mas, é igualmente verdadeiro que as dificuldades podem ser criadas pelo próprio criminoso quando, por exemplo, vale de falsa identidade. De qualquer modo, está claro que pode ocorrer uma inversão na ordem cronológica de execução da sanção. Não raro no assento da execução, a pena recente será velha conhecida enquanto que a precedente será a noviça. Assim, nem sempre é possível conhecer todas as condenações do apenado com a celeridade necessária e na exata ordem cronológica do trânsito em julgado. -, está a amalgamar soma e unificação das penas com regressão do regime, embora regras imiscíveis, pois que dotadas cada qual de valor e finalidade inerentes. Com efeito, a soma ou a unificação tem valor em si mesmo, impõe-se independente da regressão. E esta também é o que é sem necessidade da soma ou unificação. Se olhar de perto será visto que a soma ou a unificação ultrapassa em abrangência a pena em execução para alcançar outras, não apenas para transformá-las em unidade, mas fundamentalmente para maior dimensão do princípio da individualização da pena. A regressão, por sua vez, é restrita para atingir a pena em execução e tem propósito punitivo ou sancionador [03]. Exemplo dessa limitação é que as faltas praticadas pelo apenado antes da soma ou da unificação e que ainda não foram valoradas pelo juízo da execução ao tempo da soma ou da unificação são sem força ou vigor para produzir a sanção da regressão segundo o rito do artigo 118 da Lei de Execução Penal, salvo para a detenção no caso de se buscar o regime fechado. Isso é corolário da completude da soma ou da unificação. Antecedente condenação ou ulterior condenação, primeira ou segunda, nova ou velha, a que dá início ao processo de execução ou a que opera mudança no desenvolvimento da execução são considerações vazias de sentido para a soma e a unificação. A soma e a unificação são mais elevadas e bem por isso deve-se afastar concepção de rebaixá-la.
Quando se pensa em unificação ou soma das penas e termo inicial para contagem do prazo para concessão do benefício da progressão do regime prisional a partir desta decisão, logo vem à mente o agravamento da situação executória do apenado. No entanto, é necessário distinguir, pois nem sempre o agravamento é gerado. Para a unificação, é própria a diminuição da pena, já que reconhecido o concurso formal perfeito ou crime continuado. Não raro a pena resultante da unificação possibilita a fixação de regime mais doce. Há conseqüências negativas na soma das penas que devem ser minoradas. A principal delas é decorrente da demora no acontecimento da coisa julgada nos processos com presos provisórios. Embora não seja o melhor desfecho, já que é mais acertado lutar pela celeridade, a resposta está em admitir a unificação/soma durante a execução provisória [04]. O artigo 2º, parágrafo único, da Lei de Execução Penal, determina a sua aplicação ao preso provisório, portanto o conjunto das regras da execução penal deve ser aplicado sem restrições: progressão do regime, livramento condicional, remição, indulto, saída temporária, trabalho externo e da mesma forma a soma/unificação das penas. A irresolução da pena provisória não desafia a execução, pois que frequentemente conhecida, como exemplo vale citar a perda dos dias remidos (Lei de Execução Penal, art. 127); a revogação do livramento condicional por crime cometido durante a vigência do benefício (Código Penal, art. 88); e aplicação de lei posterior que favoreça o condenado (Código Penal, art. 2º, parágrafo único; e art. 107, III).
Bem ou mal eleito o regime de cumprimento da pena, o termo inicial para contagem do prazo para concessão do benefício da progressão do regime prisional é a data da soma das penas ou da unificação, já que neste momento ocorreu a formação do título executivo sucessivo.
Notas
- Na parte especial do Código Penal existem regras que determinam a soma das penas, v.g.: artigo 344 do Código Penal.
- Nesse sentido no STJ: HC 127046/RS; HC 95669/RJ.
- Nesse sentido: "PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. REGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. FALTA GRAVE. FATO DEFINIDO COMO CRIME. SOMA OU UNIFICAÇÃO DE PENAS. BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO. ARTS. 111 E 118 DA LEI 7.210/84. REMIÇÃO. SÚMULA VINCULANTE 9 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. VETOR ESTRUTURAL. ORDEM DENEGADA NA PARTE CONHECIDA. I - A prática de falta grave pode resultar, observado o contraditório e a ampla defesa, em regressão de regime. II - A prática de "fato definido como crime doloso", para fins de aplicação da sanção administrativa da regressão, não depende de trânsito em julgado da ação penal respectiva. III - A natureza jurídica da regressão de regime lastreada nas hipóteses do art. 118, I, da Lei de Execuções Penais é sancionatória, enquanto aquela baseada no incido II tem por escopo a correta individualização da pena. IV - A regressão aplicada sob o fundamento do art. 118, I, segunda parte, não ofende ao princípio da presunção de inocência ou ao vetor estrutural da dignidade da pessoa humana. V - Incidência do teor da Súmula vinculante nº 9 do Supremo Tribunal Federal quando à perda dos dias remidos. VI - Ordem denegada. (HC 93782, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 16/09/2008, DJe-197 DIVULG 16-10-2008 PUBLIC 17-10-2008 EMENT VOL-02337-03 PP-00520)".
- O STJ já admitiu a unificação das penas com trânsito em julgado apenas para a acusação: "PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. TRÂNSITO EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO. POSSIBILIDADE. - Operado o trânsito em julgado da decisão para a acusação, não há razão para impedir a execução provisória da pena, e, por conseqüência, à unificação das penas de modo a possibilitar a progressão de regime. - Recurso ordinário provido. Habeas-corpus concedido. (RHC 11.990/PB, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, julgado em 05/03/2002, DJ 01/04/2002, p. 221)". O STF, porém, decidiu que há necessidade do transito em julgado: "PENA – CUMPRIMENTO – SUPERVENIÊNCIA DE NOVA CONDENAÇÃO. Uma vez preclusa no campo da recorribilidade nova decisão condenatória, dá-se o somatório das penas impostas com as consequências próprias, ou seja, não só para haver a observância do limite da custódia – artigo 75 do Código Penal –, como também para sopesarem-se os parâmetros da progressão no regime de cumprimento da pena, surgindo, então, outro termo inicial para a contagem do tempo. (HC 100499, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 26/10/2010, DJe-228 DIVULG 26-11-2010 PUBLIC 29-11-2010 EMENT VOL-02440-01 PP-00018)".
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